6.O retorno

Partida para Portugal
Entre abril de 1974 e os últimos meses de 1975, cerca de meio milhão de cidadãos portugueses regressaram dos territórios ultramarinos que se encontravam em processo de descolonização. A relativa rapidez deste processo, aliada à reduzida participação dos colonos na definição e gestão da transição e aos conflitos que entretanto eclodiam em Angola e Moçambique, foram os fatores essenciais para muitos portugueses decidirem abandonar as terras onde haviam nascido ou passado grande parte das suas vidas.

Retornado?
O termo “retornado”, que se tornou o mais comum para designar os indivíduos que passaram por esta experiência, é bastante impreciso. Embora dados do INE (censo de 1981) demonstrem que a maioria da população vinda das colónias havia nascido em Portugal, havia também uma significativa percentagem de nascidos nos territórios ultramarinos. Além de impreciso, o termo “retornado” era para muitos também pejorativo, associando-se a uma memória negativa sobre o colonialismo português. O Estado português procurou resolver esta questão utilizando outros termos como “desalojado” ou “refugiado”. Porém, acabaria por ser o termo “retornado” a ficar consagrado, nomeadamente através da criação do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, ou IARN (Decreto-Lei nº169/75, de 31 de março de 1975).

O IARN
As competências do IARN incluíam o estudo de medidas que contribuíssem para a “integração” dos cidadãos portugueses que desejassem fixar-se em território nacional. Entre 1975 e 1981, o IARN contribuiu para o alojamento, alimentação e apoio financeiro e material a milhares de pessoas.

Relatório de Atividades emitido pelo Comissariado para os Desalojados em 1979 por referência a 1976:

Total população: 8 668 267 (de acordo com o censo de 1970)
Desalojados recenseados: 463 315

Resultado: Cerca de 5% da população portuguesa era composta por pessoas vindas das ex-colónias.

Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino. Comissariado para os Desalojados, Relatório de Actividades, Capítulo I, 30 de junho de 1979, p.163.

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O mesmo relatório indicava que, destas 463 315 pessoas, 71 658 (cerca de 15%) encontravam-se alojadas em hotéis, pensões, residenciais e outro tipo de instalações providenciadas pelo IARN, estando mais de metade nos distritos de Lisboa e Setúbal.

De acordo com outro recenseamento:

  • 24 399 das pessoas alojadas pelo IARN (cerca de 34%) encontravam-se desempregadas
  • 7308 (10%) pretendiam abandonar o país

Portugueses fugidos de Angola e Moçambique, no aeroporto de Lisboa, outubro de 1975. Fotografia de Abreu Morais. Fonte: Fundação Mário Soares, Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente, Pasta 06278.00607

 A maioria dos “retornados” (61%, de acordo com o censo de 1981) eram oriundos de Angola, onde se encontrava a maioria da população branca do Ultramar português. Logo em junho de 1974, decorrido um mês do golpe de 25 de abril, é registado um saldo negativo nas entradas e saídas de Angola de 8 692 pessoas. Porém, este seria apenas um sinal do êxodo que se intensificaria nos meses seguintes.

A Ponte Aérea
Estima-se que entre abril de 1974 e janeiro de 1975 (altura da celebração do Acordo de Alvor) cerca de 50 000 portugueses terão abandonado o território angolano. Este número aumentaria exponencialmente ao longo de 1975, com o agravamento da situação política e socioeconómica. Em agosto desse ano, o jornal A Província de Angola falava na existência de 100.000 desalojados à espera de transporte para Portugal. Nessa altura, o governo português tinha já organizado uma “ponte aérea” entre Luanda e Lisboa, a fim de dar uma resolução a este problema antes de 11 de novembro, data prevista para a independência de Angola.

Jornalista da RTP Luís Alberto Ferreira entrevista elemento do IARN que acompanham embarque na “ponte aérea” no aeroporto de Luanda – Arquivo RTP

Num documento datado de 22 de setembro, o Alto Comissário Leonel Cardoso mencionava que 250 000 pessoas queriam abandonar o território, “fazendo-se acompanhar dos seus pertences, de elevadíssima tonelagem”.

Entrevista da RTP a um proprietário de camiões de transporte de bens de retornados de Angola, 10/11/1975. Fonte: Arquivo da RTP, 05010235XD.

Entre agosto e outubro de 1975 foram transportados pela “ponte aérea” 228 471 passageiros, uma parte dos quais utilizando aviões cedidos para o efeito por países estrangeiros. O auxílio internacional prestado ao IARN em dinheiro, alimentos e roupas revelar-se-ia essencial para o acolhimento dos retornados.

A integração
A integração dos “retornados” na vida nacional esteve longe de ser um processo fácil.

Porquê?

  • Dificuldade em arranjar habitação e emprego
  • Frequentemente eram identificados como cúmplices do regime fascista ou como parasitas que viviam à custa das ajudas do Estado

Ainda assim, a sua integração na sociedade acabaria por se tornar um dos maiores feitos da jovem democracia portuguesa.

A independência das colónias contribuiu ainda para outra vaga migratória que, embora de forma menos brusca, seria igualmente significativa: a dos africanos que vieram para Portugal.

Um telegrama do Ministério da Administração Interna para o Ministério dos Negócios Estrangeiros datado de abril de 1976 dava conta desta realidade:

  • “Um afluxo significativo de cidadãos cabo verdeanos e angolanos”;
  • “Milhares de cidadãos das ex-colónias entraram indocumentados” em território português.

Para além dos que vieram, há ainda que referir os que ficaram. Por um lado, os portugueses que permaneceram nas colónias, em especial em Angola e Moçambique. Por outro lado, os milhares de militares portugueses cujos restos mortais nunca foram transladados para junto das suas famílias.