Mariana tem 26 anos, mas já leva alguns como ativista na área das não-monogamias consensuais. A designação é complicada de repetir, mas é abrangente o suficiente para merecer uma explicação aprofundada e, sobretudo, uma suspensão de todos os preconceitos relacionais. Mariana quer-se dissociada de um género e usa o pronome neutro que a língua portuguesa (ainda?) não prevê. É gender fluid e pansexual.
Nada do que Mariana é se identifica com o que a sociedade portuguesa construiu para enquadrar a maior parte da população nacional. Para além disso, há quase cinco anos que vive relações não-monogâmicas, isto é, que incluem mais do que duas pessoas numa proximidade amorosa, sexual ou platónica.
Os mitos que existem são que somos altamente promiscuos, que não temos cuidados ao nível da saúde sexual, que não temos ciúmes e que as nossas relações não são sérias e que não vão conduzir a lado nenhum.
As relações não-monogâmicas consensuais – e, no caso, o poliamor – são olhadas pelos portugueses como ideias alternativas que não passarão de fases temporárias. Para a maioria da população, a busca de um único parceiro para constituir família e viver junto para o resto da vida é o objetivo maior e final de uma relação bem sucedida. Para Mariana, no entanto, a escada relacional, da qual dependem as expectativas de homens e mulheres, é uma ideia imposta pela cultura, que se afasta da vontade natural.
A monogamia está interelacionada com a proteção da propriedade privada e do sistema reprodutivo feminino. A monogamia enquanto forma preferencial de termos relações começar a acontecer a partir do momento em que impusemos o casamento. E nós impusemos o casamento porque inventámos a propriedade privada (…) Era um ciclo de trabalho que existia: o homem enquanto chefe de família que passava o trabalho para a mulher enquanto cuidadora dos filhos e os filhos cuidavam da terra.
Atualmente, é mais raro verificar-se um núcleo familiar dependente de terras para sobreviver. Numa altura em que os jovens nem sequer conseguem sair de casa dos pais para irem viver sozinhos, a opção passou a ser dividir a casa com vários amigos para principiar uma independência que chegará caso as condições de precariedade sejam resolvidas.
Para Mariana, é impossível uma pessoa só responder a todas as características que procuramos num parceiro. Um parceiro amigo, bom ouvinte, bom amante, aventureiro e entusiasmante é difícil de encontrar… O ponto de partida destas relações não-monogâmicas, no entanto, está muito baseado numa coisa muito simples: comunicação.
Os ciúmes existem sempre e a partir daí o objetivo não é curá-los mas perceber o que está por baixo dessa camada de insegurança (…) Se a pessoa se sente desrespeitada e desconstruir isso com a ajuda dos parceiros, da nossa comunidade e dos nossos amigos.
Mas como gerir uma relação que integra um parceiro fixo e tantos outros parceiros satélite?
Há muita gente que fala do poliamor enquanto sendo baseado em três grande pilares: comunicação, consentimento e calendarização. E a parte da calendarização é realmente importante. Eu aprendi a funcionar com o Google Calendar como nunca antes tinha aprendido! Tenho muita gente que calendariza todos os minutos do seu dia em torna das vidas dos parceiros (…) No meu caso específico eu prefiro perceber qual é o limite de relações profundas que eu consigo manter ao mesmo tempo.
O poliamor não é uma opção sexual, mas sim uma opção relacional. A lei não prevê que estas relações e as pessoas que as escolhem possam ser discriminadas, pelo que se torna mais complicado explicá-las a entidades patronais e à sociedade em geral. Mas a falta de legislação não deve desculpar a nossa opção de preferirmos olhá-las com desconfiança e descredibilidade.
Estas coisas são interessantes discutir e perceber. E ver como outra pessoa vê o mundo é sempre das coisas que mais me ensina a mim.