"Chegado à adolescência e à idade adulta eu comecei a perceber que de facto era maricas. E isso ao invés de me fazer ter vontade de fazer mal a mim próprio, eu comecei a desenvolver um certo orgulho", contou.

A tarde de ontem deu a conhecer ao público um lado mais pessoal e mais emocional de José Carlos Malato. O apresentador da RTP, conhecido pelo seu bom humor, foi convidado de Tânia Ribas de Oliveira no programa A Nossa Tarde e acabou por emocionar não só a apresentadora como todo o público que assistiu à conversa entre os dois.

José Carlos Malato predispôs-se nessa conversa a quebrar alguns dos chamados “padrões de normalidade”, deixando a nu a sua experiência pessoal no que toca ao bullying, à homossexualidade e à religião enquanto Testemunha de Jeová.

Tive uma infância extraordinária (…) Eu vivia numa bolha, apesar de não haver crianças naquela casa. Vivi sempre muito protegido (…) Mudei para Porto Salvo, uma pequena aldeia quase rural naquela altura, ali perto de Oeiras e aos 6 anos tornei-me Testemunha de Jeová por via da minha mãe. E começou uma vida um bocadinho complicada por via da religião.

Ser Testemunha de Jeová, conta José Carlos Malato, “é possuir a verdade”. Valores como a morte, o pecado ou a ideia de que não fazemos parte deste mundo geraram na criança que era algumas confusões e impedimentos com os quais não sabia lidar.

As coisas começaram a ser mais difíceis quando entrou no Ciclo Preparatório, numa altura em que as escolas ainda eram divididas por sexos. Não seguia o padrão que era esperado dos rapazes e acabava a ser excluído por isso.

Comecei a aperceber-me que não tinha as mesmas características normativas que os outros rapazes.

Começou a ser agredido verbalmente enquanto ‘maricas’ e ‘paneleiro’ e começou a passar uma vida muito difícil a partir dos 10 anos. Não sabia defender-se e acabava no meio de lutas físicas que não pedia. Adorava a escola e estudar mas o medo de sofrer tornava-o o mais transparente possível para sobreviver àquele suplício.

Sabia que era diferente porque eles me diziam que era diferente. Para mim eu sempre fui uma pessoa normalíssima. Sempre fui eu. Eu era o que era.

A auto estima dessa criança  ia sendo delapidada por esses agressores.

Imagina o que era um dia eu poder romper aquela camisola e bater neles todos, como se fosse um super-herói! Não era nada do que eu era de facto; eu era um anti-herói.

A paz ainda demorou a chegar. Pelo caminho sentiu necessidade de mudar a sua atitude e maneira de ser. Treinava o andar, treinava não se assustar (para evitar gritar num tom mais agudo), fazia a voz mais grave, tudo para evitar ser agredido. Não esconde que tinha um espírito vingativo mas ao mesmo tempo sabia que nunca seria capaz de responder às agressões da mesma maneira.

Chegado à adolescência e à idade adulta eu comecei a perceber que de facto era maricas. E isso ao invés de me fazer ter vontade de fazer mal a mim próprio, eu comecei a desenvolver um certo orgulho (…) Tentei construir um ego à prova de bala sobre uma auto-estima em ruínas, para não ser mais agredido, mais machucado, mais humilhado.

Ainda teve algumas namoradas, mas nenhuma delas surtiu o efeito que procurava para escapar ao que sentia. A irmã é, pois, a mulher da sua vida e sem ela a vida não teria sido igual. Toda a família soube da sua homossexualidade porque “era uma coisa evidente”.

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