1.Os “ventos de mudança” e a resistência portuguesa

A condenação internacional do colonialismo

Se dúvidas houvesse sobre a posição britânica em relação às colónias e aos países colonizadores, teriam ficado desfeitas no dia 3 de Fevereiro de 1960 num discurso proferido no parlamento sul-africano, na Cidade do Cabo, por Harold Macmillan, primeiro-ministro do Reino Unido, entre 1957 e 1963.

Foi ele que pela primeira vez falou no “vento de mudança”, no sentimento independentista africano que não podia ser ignorado.

“O vento de mudança está a soprar pelo continente fora e, quer isso nos agrade ou não, o amadurecimento da consciência nacional é um facto político. Devemos aceitá-lo como tal e as nossas políticas devem dar conta disso mesmo”.

Avança a independência nas colónias britânicas….
O Reino Unido tradicional aliado de Portugal assumia assim publicamente a intenção de dissolver o império e acelerar o processo de autodeterminação, levando simultaneamente os colonizados a aderirem à Commonwealth. Uma transição controlada que permitiria aos britânicos manterem o estatuto de potência mundial.

Em Portugal, o discurso foi praticamente ignorado pela imprensa que apenas reproduziu alguns trechos e de forma deturpada. Para Salazar, depois do recuo britânico na crise do Suez, era mais uma demonstração de um certo espírito de capitulação europeu.

Sobre a reação do Ministro dos Negócios Estrangeiros escrevia o embaixador britânico em Lisboa:

“O Dr. Mathias, e os funcionários portugueses em geral, estão evidentemente perturbados pelos possíveis efeitos do périplo africano do primeiro ministro. Eles encararam sempre com algum alarme o avanço da nossa política de promoção da independência nos nossos territórios africanos a qual torna obviamente mais difícil de sustentar o argumento português de que a sua governação autoritária com uma muito gradual assimilação dos africanos poderá depois dar origem a uma civilização portuguesa inter-racial”.

(citado por Pedro Aires Oliveira em «Harold Macmillan, os “ventos de mudança” e a crise colonial portuguesa (1960-1961)», Relações Internacionais, 30, 2011)

Portugal era visto como um obstáculo aos “ventos de mudança” que começavam a abalar a posição colonial francesa e britânica.

A condenação portuguesa na Assembleia Geral da ONU
Prova disso mesmo é a condenação da política colonial portuguesa feita pela XV Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1960. Até então Portugal tinha conseguido evitar que o seu caso em particular fosse discutido mas com a adesão de mais países africanos às Nações Unidas e a autodeterminação a ser levada ao continente por britânicos e franceses, a condenação parecia inevitável sobretudo porque Salazar também não pretendia dar provas de estar a trabalhar no desenvolvimento económico, social e educacional de países como Angola, Moçambique e Guiné.

Esta posição portuguesa também deixava os Estados Unidos sem grande margem para apoiar Portugal face ao crescimento do bloco soviético e afro-asiático.

Nas sessões de 14 e 15 de dezembro de 1960 foram aprovadas três resoluções com impacto direto na política colonial portuguesa:

  • A Resolução 1514 condenava todas as formas  de colonialismo e afirmava o direito à autodeterminação. Adiantava ainda que a falta de preparação dos povos não podia ser um obstáculo à sua transição para a independência. A resolução foi aprovada por 89 votos a favor, nenhum contra e 9 abstenções.

“Todos os povos tem direito de livre determinação; em virtude desse direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural.

A falta de reparação na ordem política, económica e social ou educativa não deverá nunca ser pretexto para atraso da independência”.

  • A Resolução 1541 definia as situações em que um território não autónomo podia associar-se ou ser integrado num Estado soberano. Foi aprovada por 69 votos a favor, dois contra e 21 abstenções.
  • A Resolução 1542 dirigiu-se unicamente a Portugal exigindo que desse informações sobre os territórios que estavam sobre a sua dependência. Foi aprovada com 68 votos a favor, seis contra e 17 abstenções.

 

Territórios questionados pela ONU:

  • Cabo Verde
  • Guiné
  • São Tomé e Príncipe e suas dependências
  • São João Baptista de Ajudá
  • Angola, incluindo o enclave de Cabinda
  • Moçambique
  • Goa e o restante Estado Português da Índia
  • Macau e suas dependências
  • Timor e suas dependências.

 

O fim do apoio norte-americano…
Os Estados Unidos não conseguiram consensualizar internamente uma posição para a sua política africana e acabaram por abster-se em todas as votações sobre o colonialismo. Caía por terra o apoio norte-americano a Salazar traduzido nomeadamente por Eisenhower quando em maio de 1960 visitou Portugal.

O presidente norte americano tentou nessa altura convencer o seu parceiro europeu que só o nacionalismo africano poderia travar o comunismo. Mas Salazar não foi sensível a este argumento. Com os estados africanos a aderirem à ONU, os Estados Unidos estavam pressionados para convencerem os parceiros europeus a prepararem a autodeterminação. Salazar dizia:

“Os Estados Unidos estavam presos em esquematismos ideológicos”.

Mas porque é que Estados Unidos e Reino Unido alinharam nos chamados “ventos de mudança”?
O embaixador Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar numa entrevista à RTP na década de 80 explica:

Salazar contesta posição da ONU…
A posição das Nações Unidas não constitui surpresa para Salazar que já dias antes da votação, a 30 de novembro de 1960, discursava ao país para falar sobre a campanha anti colonialista dirigida contra Portugal na Assembleia Geral das Nações Unidas. Mais tarde, em junho de 1961, Salazar num discurso à Nação voltaria a reportar-se a todas as decisões tomadas até então pelas Nações Unidas para concluir que a autodeterminação estava fora dos seus horizontes. Chamava-lhe o “princípio genial do caos”. Criticava ainda a posição assumida pelos Estados Unidos ao absterem-se.

….e mantém-se intransigente…
Apesar da pressão internacional, Salazar continua a não querer ouvir falar em autodeterminação ou plebiscito. Acredita e transmite a Londres que a assimilação é uma alternativa responsável à independência e a única abertura que mostrava era ao apoio de capitais estrangeiros para acelerar as reformas económicas e sociais, mas nunca com o propósito de alcançar a independência. Foi isto que disse a Sir David Eccles, ministro da Educação quando este se deslocou a Lisboa, em abril de 1961, ainda com o país a digerir o golpe palaciano do general Botelho Moniz. Claro que esta posição de Salazar foi liminarmente rejeitada pelo governo britânico e em particular pelo secretário  de Estado das Colónias, Ian Macleod que continuou a insistir na necessidade de Portugal dar sinais claros de pretender fazer progressos políticos tendo em vista a autodeterminação.

Criação do Comité de Descolonização
A 27 de novembro de 1961 a Assembleia Geral da ONU cria o Comité de Descolonização ou Comité dos 17 para proceder à aplicação da Resolução 1514. É este comité que em junho de 62 vai ouvir vários representantes das organizações nacionalistas nas colónias portuguesas. Entre eles está André Cassinda (União dos Trabalhadores Angolanos), Miguel Trovoada (Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe) e Amílcar Cabral (PAIGC). No final seria publicado um extenso documento com as suas declarações.

A oposição interna

  • O assalto ao Santa Maria
  • O golpe palaciano de Botelho Moniz

No dia 20 de janeiro de 1961 o navio Santa Maria é tomado de assalto por portugueses liderados pelo capitão Henrique Galvão e por espanhóis liderados por Jorge Sottomayor. O objetivo era levar o navio para Angola e dai desencadear um golpe de Estado para derrubar o regime. O jornal Sunday Times de Joanesburgo consegue estabelecer ligação telefónica com o General Humberto Delgado que se encontrava em São Paulo e faz-lhe a pergunta sobre um levantamento generalizado, caso o navio chegue a Angola. Um registo que consta dos arquivos da Emissora Nacional.

Em abril, Botelho Moniz, ministro da defesa tenta num golpe palaciano derrubar Salazar mas quando é descoberto e exonerado falta-lhe convicção para levar por diante o golpe. O agravar da situação em Angola dividia os altos comandos das Forças Armadas. Com John Kennedy no poder, o general Botelho Moniz contava com o apoio dos Estados Unidos que davam 12 anos a Portugal e apoio material para levar por diante a independência africana.

Kaúlza de Arriaga que era subsecretário de Estado da Aeronáutica denuncia a conjura ao presidente da República e lidera o contra golpe. Às 15.00 horas de 13 de abril, antes da reunião prevista pelo grupo de revoltosos, a Emissora Nacional anuncia a demissão e Botelho Moniz que destituído do cargo não se sente legitimado para dar continuidade à intentona.

Salazar apresenta-se como ministro da Defesa em acumulação com a chefia do Governo e justifica a decisão com a situação em Angola e a necessidade de “andar rapidamente e em força”.

O brigadeiro Mário Silva assumiu o pasta do Exercito e Adriano Moreira que era subsecretario de Estado passa a ministro do Ultramar.

Kaulza de Arriaga e os seus seguidores faziam correr o rumor de que Salazar não dava a devida relevância aos “ventos de mudança”, não aceitava a hipótese do conflito armado nas colónias e por isso Portugal não estava preparado de meios humanos e militares para a guerra.

Mas não era tanto assim.

Que mudanças nas Forças Armadas facilitaram a preparação para a guerra?
Em 1958 realiza-se uma reforma estrutural das Forças Armadas e no verão de 1959 foram enviados à Argélia nove oficiais que durante um mês estudaram a chamada guerra subversiva. Ensinamentos que seriam úteis do ponto de vista operacional. Em abril de 1959 para marcar o regresso da Força Aérea a Angola realiza-se o exercício “Himba”, uma demonstração de força e de soberania:

O Major General Ricardo Cubas sintetiza os momentos determinantes que facilitaram a prontidão para a guerra na Forças Aérea:

Na Marinha as medidas de preparação remontam a 1957 com a restruturação dos comandos territoriais.

O Vice Almirante Leiria Pinto sintetiza os momentos determinantes na preparação de uma possível guerra:

No Exercito as mudanças para a preparação da guerra começam também logo na década de 50 e sobretudo ao nível da formação e da mudança de mentalidade. Ou seja, foi necessário preparar os militares para uma guerra diferente, subversiva. Ainda assim quando a guerra começa os meios ao dispor não eram suficientes. Explicações do Tenente Coronel Abílio Pires Lousada:

Em dezembro, já com quase um ano de guerra em Angola, Salazar assistirá, impotente, a um sério revés para o império: a invasão de Goa, Damão e Diu por forças da União Indiana.