2.Timor: Território não autónomo

Timor
Os portugueses terão chegado a Timor Leste em 1512 movidos por interesses comerciais, à procura do sândalo branco e, até ao século XIX, foi a estratégia comercial e a evangelização que alimentaram o interesse português pela colónia. O tratado final com a Holanda sobre os limites territoriais entre Timor Leste e Timor Ocidental é  assinado a 20 de abril de 1859.

Pelo caminho sucederam-se vários conflitos entre os diferentes reinos e a autonomia administrativa da Índia mas, na prática, nada mudou. O início da urbanização de Díli e de uma certa reorganização administrativa é feita em 1834.  Timor continuava a ser uma colónia muito pobre, sendo escasso o interesse da metrópole no seu desenvolvimento. Aliás a falta de investimento na criação de infraestruturas, a opressão pelo trabalho e a cobrança de impostos motivaram a continuidade de resistência ao colonizador.

É neste contexto que ocorre a rebelião de Manufahi liderada por Dom Boaventura, o liurai (régulo) do reino homónimo, em 1911-12, que acaba com a subjugação da população ao colonizador.

A ocupação japonesa
Na II Guerra Mundial Portugal opta pelo estatuto de neutralidade. Os aliados declararam guerra contra o Japão e usaram Timor como linha de defesa contra o avanço japonês. Em 1941, indiferentes aos protestos portugueses, australianos e holandeses invadiram Timor levando o Japão, no ano seguinte, a ocupar o território.

A posição de Salazar
Meses antes da invasão, a 19 de dezembro de 1941, Oliveira Salazar dá a conhecer à Assembleia Nacional todos os passos levados a efeito perante a ameaça japonesa e a posição dos aliados. Salazar confessa que no dia 4 de novembro não achava provável o ataque a Timor, tanto pelo relacionamento de Portugal com o Japão, como pela ausência de interesse estratégico. Ainda assim, Portugal respondeu aos ingleses dizendo que em caso de ataque resistiria e aceitaria e esperaria a ajuda britânica. Ingleses, australianos e holandeses ficaram satisfeitos com a resposta. Salazar fez questão de salientar que a ajuda britânica oferecida para a defesa de Timor prestada por forças australianas e holandesas não deveria ter carácter preventivo e deveria acontecer apenas em caso de ataque súbito.

Praticamente sem resistências as tropas japonesas invadem Timor. Garantem que iriam retirar assim que cumprissem os seus objetivos e que respeitariam a soberania portuguesa. Tudo o que não aconteceu. Dez por cento da população timorense perdeu a vida sob o duro regime de ocupação japonesa.

 

Veículos japoneses capturados. Relatório do governo da colónia de Timor, 1946-47. Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino, ISAU/S.03-1705/AMU04797.01.

Portugal no cenário internacional
Com a derrota do Japão, em agosto de 1945, Portugal rentabiliza os serviços prestados aos aliados (cedência de facilidades no Açores) para reclamar a restituição da sua administração em Timor. Nos anos seguintes, porém, o território continua negligenciado pela metrópole, ao mesmo tempo que os seus habitantes se encontram mais expostos às influências exteriores.

Em 1959, uma primeira revolta anti-colonial tem lugar em Viqueque, embora ainda sem um sentido nacionalista. Pouco depois, a colónia entraria no radar da ONU e do movimento a favor da descolonização. A 14 de dezembro de 1960, pela resolução 1514, a Assembleia Geral das Nações Unidas considera Timor oriental como um “Território Não Autónomo sob administração portuguesa”.

Com a queda da Índia portuguesa, em 1961, surgiriam rumores acerca de um interesse indonésio na absorção da parte oriental da ilha, uma ambição tacitamente aceite por EUA, Reino Unido e Austrália.

Os movimentos políticos
Ainda assim os primeiros movimentos políticos em Timor Leste, contra e a favor do colonizador, só surgem depois do 25 de abril de 1974.

  • A UDT – União Democrática Timorense que pretendia manter a ligação a Portugal;
  • A APODETI – Associação Popular Democrática Timorense defendia a integração na Indonésia;
  • A ASDT, que viria a dar lugar à FRETILIN – Frente Revolucionária de Timor Leste Independente, como o próprio nome indica, defendia a independência de Timor.

Um dia depois do nascimento da FRETILIN, Nicolau Lobato dá a conhecer ao jornalista Adelino Gomes os objetivos do movimento.

À procura de um consenso entre todos os movimentos…

  • Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial vai a Timor, um mês depois do 25 de abril.
  • O coronel Lemos Pires é nomeado governador de Timor Leste, substituindo no cargo Alves Aldeia
  • Em fevereiro de 1975 a FRETILIN ganha as eleições municipais.

Lemos Pires, o último governador de Timor, chega ao território a 18 de novembro de 1974. O seu principal objetivo era criar uma frente nacionalista para dar corpo à independência, mas as circunstâncias foram-lhe adversas.

Sem consenso
Austrália e Indonésia viam com dificuldade a existência de um Timor independente liderado pela FRETILIN e fizeram o trabalho de casa, promovendo a divisão e o mau estar entre os diferentes movimentos. A Indonésia apoiou a APODETI, a Austrália e os Estados Unidos da América não se opuseram a uma integração na Indonésia.

  • Maio: a UDT, cujos principais líderes estavam agora comprometidos com a integração na Indonésia, rompeu a coligação com a FRETILIN.
  • Igualmente em maio, Vítor Alves visitou o território e tentou realizar uma cimeira com os três movimentos, sem sucesso, face ao crescente clima de instabilidade.
  • Portugal acautelou então juridicamente a sua posição através da Lei 7/75, de 17 de julho:

“não sendo possível, em relação a este território, a criação de condições para a fixação por acordo do processo e da calendarização da respectiva descolonização”, o Estado Português reafirma o direito do povo de Timor à autodeterminação, com todas as suas consequências, incluindo a aceitação da sua independência”.

Ficou previsto na lei:

  • a nomeação de um governo transitório no prazo de 100 dias;
  • a realização de eleições em 1976. Nenhuma das duas viria a acontecer.

Cimeira de Macau
Portugal ainda tentou criar uma plataforma de entendimento entre os movimentos propondo uma reunião em Macau, no dia 26 de junho de 1975, mas a FRETILIN não compareceu.

À partida para Macau, Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial já falava da possibilidade da FRETILIN não estar presente.

Compareceram representantes da APODETI – Associação Popular Democrática Timorense e da UDT – União Democrática Timorense, formações politicas que privilegiavam a integração de Timor-Leste na Indonésia.

No mesmo dia, partidários da UDT organizam uma manifestação de apoio à cimeira de Macau, mas a marcha acabou mal, em confrontos com apoiantes da FRETILIN.

O golpe da UDT
A situação no território agudizou-se em agosto:

  • no dia 10 deu-se um golpe da UDT para tomar o poder;
  • no dia 20 dá-se um contra-golpe da FRETILIN.

O tenente-coronel Rui Alberto Maggiolo Gouveia, chefe da PSP, é preso por elementos da UDT e alegadamente ameaçado de morte se não desse a sua adesão ao golpe. Aos microfones da rádio, em Díli, Maggiolo Gouveia anuncia a sua adesão à UDT, ao mesmo tempo que renuncia ao comando da PSP e ao Exército português, actos que justifica “por verdadeiro amor” à verdade, a Timor e a Portugal.

Com a polícia ao seu lado, a UDT apodera-se dos lugares estratégicos de Díli.

Na sequência do golpe da UDT, a população civil recebe ordens para deixar Timor.

Dez dias depois do golpe, a FRETILIN lança o seu contra-golpe e rapidamente domina grande parte do território.  Nascem as FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste), o braço armado da FRETILIN.

Vítor Crespo, na qualidade de ministro da Cooperação, reitera que Portugal não conhece essa declaração tal como foi feita pela FRETILIN.

Por esta altura Díli já não era a mesma cidade. UDT e FRETILIN travam uma luta sem quartel pelo controlo da cidade de Díli.

O Governador Lemos Pires e as forças armadas portuguesas perdem o controlo da situação e refugiam-se no porto de Díli. A 26 de agosto, face ao agravamento da situação, optam por se fixar na ilha de Ataúro, a 25 km da capital, onde permanecem até à sua evacuação para Lisboa, a 23 de setembro.

A Indonésia à porta 
Os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia encontram-se em Roma para discutir o futuro de Timor mas percebia-se que a invasão podia ter lugar a qualquer momento.

A 28 de novembro, antevendo o que ia acontecer a FRETILIN proclama unilateralmente a independência, procurando assim angariar reconhecimento e apoios internacionais.

No mesmo dia, UDT e  APODETI e outros pequenos movimentos assinaram um documento, a “Declaração de Balibó”, apelando à integração de Timor Oriental na Indonésia.

Indonésia invade Timor
No dia 7 de dezembro, com a concordância da Austrália e dos EUA, a Indonésia invade Timor usando meios militares em larga escala. O espectro de uma influência comunista em Timor, através da FRETILIN, foi um dos seus argumentos junto dos poderes ocidentais.

Portugal protestou junto das Nações Unidas. Melo Antunes, ministro dos Negócios Estrangeiros, considerou a atitude “um ato inqualificável de agressão armada”.

O vice-almirante Leiria Pinto chegou a Timor em 1973 e ali ficou até 1975 como Capitão dos Portos. Chegou pouco tempo depois do desaparecimento do navio Arbiru. Lembra-se das dificuldades.

Soube do 25 de abril pela Rádio Naval mas destaca o facto de a Marinha ter enviado para todos os comandos ultramarinos uma mensagem em que não se referia ao 25 de abril mas afirmava que o almirante chefe de Estado Maior da Armada tinha sido substituído pelo Almirante Pinheiro de Azevedo.

A 25 de abril de 1975, depois de votar para a Assembleia Constituinte, deixa Timor rumo a Macau. Só voltaria a Timor no dia 4 de agosto sem ter a noção da instabilidade que se vivia. No dia 10 há greve da UDT. Não havia ordens de Lisboa. Procurou atuar com bom senso e preparar o pessoal para o que pudesse acontecer.

Só soube que tinha de sair horas antes mas, desde 10 de agosto, manteve sempre a marinha operacional para sair, uma vez que planos não existiam.

No dia 26 a situação complica-se e os paraquedistas tomam uma atitude para evitar que os bombardeamentos pusessem em causa a evacuação.

A proclamação de independência da FRETILIN não foi reconhecida por Portugal, que manteve o estatuto de “potência administrante de território não autónomo” na ONU e no Direito Internacional até ao referendo da autodeterminação de Agosto de 1999.

No dia 7 de dezembro de 1975, às 2h da madrugada, a Indonésia invade Timor-Leste, numa operação envolvendo o uso de fuzileiros e paraquedistas, e um bombardeamento com meios navais e aéreos a Díli. A chamada “Operação Lotus” prolongar-se-ia até 1978, em virtude da resistência oferecida pela população e pelos homens das FALINTIL. A subjugação dos timorenses foi alcançada à custa de campanhas brutais de intimidação e terror, das quais terão resultado cerca de 60 mil mortos logo nos primeiros meses da invasão. Até 1999, o ano em que se realizaria um referendo de autodeterminação, alguns balanços colocam o número de mortes violentas sob a ocupação indonésia entre as 90 e as 200 mil.

Até finais da década de 1990, os timorenses foram capazes de manter viva a chama da independência, não obstante as suas divisões e a disparidade de meios face à Indonésia, sempre protegida pelas suas ligações estratégicas ao Ocidente.

Com a desagregação do regime de Suharto em 1998, Portugal foi bem sucedido na mobilização de apoios internacionais com vista à realização de um referendo de autodeterminação em Timor. Esse referendo saldou-se por uma rejeição inequívoca da ligação à Indonésia (78,5%).

No âmbito de um processo de transição conduzido pelo ONU, os timorenses conseguiram, por fim, alcançar a sua independência, a 20 de maio de 2002.