O caminho para a mudança
A Guerra Colonial foi o fator determinante para a eclosão do golpe de 25 de abril de 1974. O facto de a guerra se prolongar há treze anos estava a gerar uma situação de desgaste nas forças armadas portuguesas.
Em julho de 1973, registam-se dois acontecimentos que vão ser decisivos para a formação do chamado “Movimento dos Capitães”.
Congresso dos Combatentes do Ultramar
Decorre no Porto e é organizado pelos sectores mais conservadores do regime – os chamados “ultras” – que defendiam a integridade do Império e se opunham a uma saída negociada para a guerra, como postulavam figuras como António de Spínola, então ainda governador e comandante-chefe das forças portuguesas na Guiné-Bissau. De acordo com a historiadora Maria Inácia Rezola, o Congresso dos Combatentes gerou uma contestação forte por parte de oficiais próximos de Spínola, como Ramalho Eanes (Rezola, 2004, 343), que subscreveriam um abaixo-assinado contestando a representatividade do congresso. Este documento reuniria cerca de 400 assinaturas.
Recrutamento de mais efetivos militares
A promulgação do decreto-lei 353/73 de 13 de julho visava colmatar a insuficiência de efetivos militares na guerra atraindo os oficiais milicianos a integrarem o quadro permanente. Esta medida gerou um grande descontentamento entre os oficiais do quadro permanente, o que levaria o governo a promulgar novo decreto, em agosto do mesmo ano, que procurava emendar alguns dos pressupostos do anterior.
Instala-se o descontentamento nas fileiras das forças armadas
A 9 de setembro, realiza-se em Évora uma reunião dos oficiais descontentes, onde é aprovada uma exposição a ser apresentada ao governo. Também oficiais na Guiné, em Angola e em Moçambique se juntam ao Movimento dos Capitães. Apesar de o decreto 353/73 acabar por ser revogado, a contestação conduz à conspiração: numa reunião realizada no dia 24 de novembro de 1973, a hipótese de desencadear um golpe militar para derrubar o regime é abertamente equacionada.
Em dezembro desse ano, o movimento passa a designar-se “Movimento dos Oficiais das Forças Armadas” (MOFA), que daria origem ao futuro Movimento das Forças Armadas (MFA).
Na reunião realizada a 1 de dezembro, em Óbidos, escolhem-se os futuros chefes do Movimento: Costa Gomes e António de Spínola. A Comissão Coordenadora do Movimento, por seu lado, incluí figuras como Salgueiro Maia, Otelo Saraiva de Carvalho ou Vasco Lourenço.
A tentativa para derrubar o Movimento…
Na mesma altura, o general Kaúlza de Arriaga, antigo Comandante-Chefe das forças armadas em Moçambique, prepara um golpe de estado para derrubar Marcello Caetano e neutralizar politicamente Costa Gomes e Spínola. A conspiração acabaria por ser desmascarada por elementos ligados ao MFA.
O manifesto do Movimento
A 5 de março de 1974 é aprovado o manifesto “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, que constituiria, segundo Pedro de Pezarat Correia (2000, 270), “um enunciado dos princípios em que iria assentar o futuro ‘Programa do Movimento das Forças Armadas’”. Neste manifesto, é denunciado o divórcio crescente entre as forças armadas e o país, resultado do fracasso da estratégia seguida no Ultramar e era afirmada a necessidade de encontrar uma “solução política e não militar” para a guerra.
O livro de Spínola é publicado…
O manifesto de 5 de março ecoava um dos princípios fundamentais do livro de Spínola Portugal e o Futuro, publicado apenas uns dias antes, a 22 de fevereiro de 1974. Esta obra, autorizada pelo Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, Francisco Costa Gomes, rapidamente se tornar num best-seller e constituiu o reconhecimento público, por parte de uma figura proeminente do regime, de que a guerra nunca poderia ser ganha no plano militar.
Consequências?
O “Levantamento das Caldas”
Marcello Caetano estava cada vez mais isolado politicamente. Perdera aquela que era talvez a principal base de apoio social do regime – as forças armadas –, devido à sua insistência na prossecução de uma guerra que não tinha solução militar. A 16 de março dá-se o “Levantamento das Caldas”, que constituiu a primeira tentativa de derrube do regime por oficiais ligados ao MFA. O golpe, liderado pelo Regimento de Infantaria nº5 das Caldas da Rainha, acabaria por fracassar por falta de coordenação entre os seus organizadores.
O 25 de abril de 1974
No dia 25 de abril de 1974 tinha lugar o golpe que poria fim a mais de quarenta anos de ditadura em Portugal. Diversas unidades motorizadas rumaram à capital e tomaram uma série de sítios-chave, incluindo estações de rádio, a RTP, o Banco de Portugal ministérios, o aeroporto e, por fim, o quartel do Carmo, onde Marcello Caetano se havia refugiado. Na RTP o noticiário é totalmente dedicado ao Golpe de Estado. Fialho Gouveia lê o comunicado do MFA:
O regime caiu praticamente sem oposição e o poder foi transferido para uma Junta de Salvação Nacional, presidida pelo próprio Spínola.
Na sua proclamação ao país, lida na madrugada do dia seguinte, o general era omisso relativamente à questão colonial. A única referência, ainda que vaga, era de que a Junta se comprometia a “garantir a sobrevivência da nação como Pátria soberana no seu todo pluricontinental”.
A redação do programa do MFA
Na realidade, o futuro do ultramar português estava longe de ser uma questão pacífica no seio do próprio Movimento. Exemplo disso foram as acesas discussões em torno da redação do Programa do MFA, documento redigido por figuras como Ernesto Melo Antunes, Vasco Gonçalves e Vítor Alves e divulgado ao país na madrugada de 26 de abril.
A questão colonial no programa do MFA
A versão inicial do programa mencionava claramente “o reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação”. No entanto, por exigência de Spínola na noite do golpe de Estado, a versão divulgada acabaria por ser bem diferente. Embora reconhecesse que o Estado Novo não conseguira “definir, concreta e objetivamente, uma política ultramarina” que conduzisse “à paz entre os Portugueses de todas as raças e credos” e que “a solução das guerras no ultramar” era “política, e não militar”, o programa limitava-se a definir como princípios orientadores da política ultramarina do Governo Provisório “a criação de condições para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino” e o “lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz”.
Os apontamentos de Ernesto Melo Antunes
Ernesto Melo Antunes guardou o caderno de apontamentos que usou em todas as reuniões em que participou para a elaboração do Programa do MFA (e que consta do seu arquivo particular depositado na Torre do Tombo). O confronto entre o documento final e o manuscrito permite verificar que o texto é transcrito como programa do Movimento das Forças Armadas e não Movimento dos Oficiais do Movimentos das Forças Armadas. Mas há outras diferenças.
Neste documento definem-se os chamados três Ds: democratizar, descolonizar e desenvolver.
Processo de descolonização
O caráter ambíguo quer da proclamação da Junta de Salvação Nacional quer do Programa do MFA espelhava já as profundas contradições que se viviam relativamente ao processo de descolonização.
Pontos comuns…
Tanto Spínola como a Comissão Coordenadora do MFA concordavam quanto à necessidade de se chegar a um cessar-fogo com os movimentos de libertação
Divergências…
Spínola e a Comissão Coordenadora do MFA tinham ideias bastante divergentes quanto ao futuro das colónias: