Terça, 26 de Maio às 23:25, na RTP2

Refree, o catalão que assinou a produção de Rosalía e também de Elche, El Niño ou Lee Ranaldo, dos Sonic Youth, encontrou na fadista Lina, e no reportório de Amália, o seu mais recente desafio.

 

Numa noite de fados, as vozes mostram-se autênticas: sem amplificação, sem adornos e sem filtros, apenas nervo e talento, alma e paixão. Raül Refree entende bem o que é isso da paixão e como marca as vozes, tendo assinado a produção de Los Angeles, o álbum que colocou o fenómeno internacional Rosalía no mapa.

Por isso mesmo, o músico e produtor não teve dúvidas quando ouviu Lina cantar no Clube de Fado, que é uma das mais reputadas casas desta cultura na capital, pouso certo de grandes vozes e viveiro de muitos talentos resguardados por Mário Pacheco, guitarrista que acompanhou os maiores artistas, incluindo a eterna Amália. E foi aí, à meia luz, num momento solene e autêntico, que Refree se apaixonou pela voz de Lina.

A ideia de se juntarem num estúdio foi imediata e pouco depois cruzaram-se ambos numa sala especial, nos arredores da capital. Rodeado de sintetizadores vintage, de Moogs e Arps, de Oberheims e Rolands, mas também com o piano muito perto, Raül emoldurou a voz de Lina em névoa analógica, deixando as guitarras do fado na nossa imaginação, mas retendo toda a força de uma garganta carregada de verdade.

 

 

Lina mostrou-se à altura do desafio. Estudante atenta da obra de Amália, escolheu uma série de pérolas do repertório da Diva com o intuito de as usar como base de comunicação. Como se este projeto nascesse de uma busca do assombro, da essência. Este documentário de António Sabino e Pedro Gonçalves mostra esta colaboração inédita, uma dupla improvável, mas onde a química foi natural.

Já com um percurso dentro do fado muito sólido, mas também com estudos de canto lírico que lhe moldaram a entrega séria que possui, Lina partiu para esta aventura com uma bagagem muito funda, com plena noção do que a sua voz consegue transmitir. Os arranjos resultaram extraordinários.

Refree, que tem uma longa carreira na pop mais desafiante e que como produtor já assinou dezenas de trabalhos, de Sílvia Perez Cruz a El Niño de Elche ou Lee Ranaldo, além da já mencionada Rosalía, é um artista de extraordinária intuição. A curiosidade sobre o fado também o tinha acercado da obra de Amália Rodrigues em que identificou uma força universal tão intensa quanto a que marcava os clássicos de flamenco que bem conhecia.

 

 

Concordaram ambos imediatamente que deveriam explorar o reportório da eterna fadista, despindo-o dos dogmas instrumentais do fado, mas retendo a sua mais funda alma.  Lina, com voz maturada pelas noites nas casas de fado, pela sua própria devoção por Amália e por todas as grandes vozes que ouviu, sentiu e estudou, é uma artista verdadeiramente especial: soa como se tivesse nascido no meio da história, a ouvir as divas a ecoarem nas vielas da sua imaginação. Soa autêntica e comovente. E por isso conquistou Refree.

Em temas como “Barco Negro” ou “Foi Deus”, “Ave Maria Fadista”, “Medo” ou “Gaivota”, qualquer um deles um monumento maior da memória do fado, Lina mostra-se artista completa, verdadeira e de um talento capaz de nos assombrar a todos. As suas interpretações são sobretudo humanas, emocionantes, preferindo arrancar as palavras ao coração do que moldá-las com a técnica que também estudou.

 

 

Essa entrega oferece uma outra luz ao fado nos arranjos que Raül Refree lhe preparou. Sem truques ou filtros, mas com arte e com uma abordagem nunca antes tentada vestindo o fado com uma inédita roupagem eletrónica que ao invés de o desvirtuar só lhe reforça a condição universal.

O fado é património imaterial da humanidade, uma cultura que ajuda a identificar um país que anda nas bocas do mundo e que tem atraído muitos artistas a Lisboa. Vindos de fora, esses artistas buscam no fado um terreno ainda imaculado, um rasgo de autenticidade num universo musical tantas vezes rendido ao artifício. Foi exatamente isso que trouxe Refree a Lisboa. Essa busca do que é novo e sem tempo do que estremece e que o mundo precisa de ouvir. Mesmo que para tanto seja necessário desafiar as regras. É assim, afinal de contas, que se faz história.

 

Ficha Técnica

Título Original

Lina e Raül Refree: Ensaio Geral

Realização

António Sabino e Pedro Gonçalves

Produção

Isabel Roma | RTP

Ano

2019

Duração

50'