Aos sábados à noite José Fialho Gouveia traz para a conversa um convidado especial no programa Bairro Alto, na RTP2. Mas a vida do apresentador passa também pelas letras. Podemos ouvir um pouco do que tem também para dizer na peça "Amarrada à tua mão", em cena até 8 de dezembro.
A entrevista com José Fialho Gouveia impunha-se. Afinal, de que fala esta peça?
José Fialho (JF) – Mais do que sobre a vontade de não crescer, é sobre a urgência de nunca crescer inteiramente. Sobre a necessidade de preservar sempre alguns redutos infantis. Como se diz na peça, parece que há um momento em que os dias começam a passar por nós sem que nós passemos por eles e é isso que não podemos deixar que aconteça. Não podemos deixar de ser crianças demasiado depressa e nunca podemos ser apenas adultos, crescidos, cinzentos e com contas para pagar.
JF – Ao falar da encenação não se pode deixar de falar do Daniel Gorjão, que foi uma peça fundamental e que encenou a peça em parceria com a Maria João. A realidade cénica que os dois criaram está muito longe do qualquer coisa que eu tenha imaginado. Essa é uma das magias do teatro. É ver como um texto que nós escrevemos passa a existir em três dimensões e ganha uma realidade completamente diferente e completamente distinta daquela que existia no nosso imaginário no momento da escrita. E ganha muito. Os meus parabéns e o meu obrigado à Maria João e ao Daniel pelo seu talento e pelo trabalho que fizeram. E também ao Pedro Domingos, do Teatro da Terra, que faz a luz e o som e que assegurou toda a produção.
E – Por quê uma peça musicada?
JF – Tudo começou com a primeira estrofe da primeira canção da peça. Saíram-me esses versos, continuei e escrevi uma letra que falava de uma boneca que está esquecida numa arrecadação, porque a dona já cresceu e já não é criança. Uma boneca que tem saudades de brincar. Pensei que podia ser interessante escrever mais algumas letras de canções em redor desse imaginário. No fim desse processo achei que estava ali um todo coerente que poderia eventualmente resultar num disco. Falei com o Manuel Paulo, dei-lhe as letras e pedi-lhe para ele ver se tinha vontade de fazer aquelas canções. Ele gostou, aceitou o desafio e sugeriu que poderia ser interessante acrescentar àquelas canções uma componente teatral. A partir daí aquela boneca deixou de ser personagem de um disco e passou a ser personagem de um texto para teatro.
E – Inspirou-se em alguém para este texto?
JF – Julgo que quando escrevemos vamos sempre buscar elementos à nossa vida e à vida de pessoas que conhecemos. Assim sendo, há muitos detalhes que são biográficos e muitos outros roubados a pessoas que foram fazendo parte de mim. E há um olhar, julgo que muito nítido, para uma certa dimensão do que foram os anos 80 e a primeira metade da década de 90.
E – A peça está em cena em Ponte de Sor. Há o desejo de trazê-la para as grandes cidades?
JF – Claro que há o desejo de que a peça possa viajar até mais sítios e chegar a mais pessoas. Veremos o que é possível fazer. Infelizmente vivemos um tempo em que se acha que a cultura não é essencial quando, pelo contrário, é um bem de primeira necessidade. Em princípio, embora ainda não haja datas acertadas, está quase confirmado que haverá uma mini-temporada no Teatroesfera, em Massamá.
E – Teresa Tavares é a protagonista mas na ficha consta também o Rancho Folclórico da Casa do Povo de Ponte de Sor. Em que momento é que esta “personagem” tão típica tem lugar na peça?
JF – A Teresa faz o papel de Sara, a dona da boneca, e divide o protagonismo com o Pedro Pernas, que faz de Vasco, o marido de Sara. Depois temos ainda a Inês Sousa e a Margarida Campelo que cantam as canções e que representam a boneca que Sara deixou esquecida numa arrecadação. O Rancho Folclórico de Ponte de Sor foi acrescentado ao elenco pelo Daniel Gorjão e pela Maria João Luís. Os oito elementos que participam na peça vão coreografando as canções de uma forma quase etérea e transmitem à peça uma dimensão teatral muito muito interessante. Têm sido inexcedíveis na cumplicidade e na generosidade com o resto da equipa.
Sextas e sábados às 21h30, domingos às 17h.
29 de novembro a 8 de dezembro