"Temos o espaço de uma geração para salvar e recuperar algo do que ainda nos resta."

JUNHO – Mês da Natureza

Ao longo deste ano, a RTP2 relembra, em cada mês, alguns dos rostos e dos programas que fazem parte da história e das estórias do canal. No mês da Natureza ninguém melhor que o "Senhor dos Animais" da RTP para nos contar as maravilhas sobre o seu trabalho.

Há quanto tempo se dedica à Natureza e como é que tudo começou?
Luís Henrique Pereira – Desde muito pequeno que tenho enorme fascínio pelos animais selvagens. Recordo-me de ir para aquilo a que chamo de “Selva Urbana”, uma vez que nasci na cidade do Porto, e em alguns desses jardins da cidade capturava os animais mais variados, entre abelhas, escaravelhos, formigas e muitos outros. Devia ter nessa altura uns 8 ou 9 anos. A ideia era só uma: observá-los mais de perto. Nessa altura, colecionava cromos de borboletas, mamíferos, insetos, peixes, entre muitos outros voltados para estas temáticas para mim apaixonantes. A seguir, veio a fase dos livros que mais me marcaram. São exemplo disso: “O Grande Livro dos Oceanos”, “A Vida na Terra” e o Planeta Vivo” de Sir David Attenborough, livros como “Os animais da Terra”, as mais variadas Enciclopédias da vida animal. Edições que “devorava” lenta e apaixonadamente. Lembro-me de me levantar cedo, por volta das 7 da manhã, aos fins-de-semana, para entrar nesse mundo encantatório que existia dentro dessas milhares de páginas dos mais variados autores como Jane Goodall, que durante 40 anos, estudou o comportamento dos chimpanzés em Gombe, na Tanzânia, Gerald Durrel, famoso divulgador e naturalista, assim como o grande Félix Rodríguez de la Fuente. Outro dos meus adoráveis autores era, sem dúvida alguma, Jacques-Yves Cousteau e o seu admirável “Mundo Submarino”. Ora, nos anos 70, 80 passavam na televisão algumas séries feitas por grandes cadeias internacionais de televisão como é o caso da BBC e, em concreto, a série de 13 episódios, idealizada por Sir David Attenborough, intitulada “A Vida na Terra”. Um sucesso mundial visto por mais de 500 milhões de telespetadores, em praticamente todo o mundo. Bom, nessa altura, ainda não existiam os vídeo gravadores, eu gravava junto ao altifalante do televisor o áudio dos programas com um gravador, para a seguir reproduzir a narração e os sons, a fim de “rever” as imagens do programa ou série.
Entrei na RTP em 1994. De vez em quando, lá ia fazendo um ou outro trabalho relacionado com a vida selvagem. Sempre entendi que a televisão, neste caso a RTP, deveria ter desde o seu início uma unidade de História Natural, o que nunca aconteceu. O “Vida Animal em Portugal e no Mundo”, nasce como uma primeira série, que juntava vários mini documentários em várias partes do país e do mundo. A partir daí, deu-se a metamorfose e, desde 2007, que temos no ar o PRIMEIRO PROGRAMA DA HISTÓRIA DE TODA A TELEVISÃO EM PORTUGAL DE PRODUÇÃO NACIONAL E EM CONTINUIDADE sobre vida animal, sobre vida selvagem. “Alimenta” noticiários na RTP1, o próprio programa na RTP Informação e RTP Internacional… Enfim, praticamente é visto em todo o mundo, através também dos canais e das antenas internacionais da RTP. No espaço de 7 anos já produzimos 200 documentários, entre formatos de 20 a 25 minutos, e a maior parte formatos que não ultrapassam os 10 minutos. Em 2013, outra ideia pioneira posta em prática: “Santuários selvagens”, emitido semanalmente ma Antena1 foi igualmente O PRIMEIRO PROGRAMA DA HISTÓRIA DA RÁDIO EM PORTUGAL DE PRODUÇÃO NACIONAL E EM CONTINUIDADE EXCLUSIVAMENTE DEDICADO À VIDA SELVAGEM. A primeira série de 12 programas foi emitida em finais do ano passado. A segunda série está em fase de produção. A minha ideia é acabar os meus dias a fazer documentários sobre a vida selvagem. É esse o meu grande objetivo em termos profissionais e pessoais. É por isso que continuarei a lutar se for também esse o interesse da RTP, nos conteúdos que apresento. Lembro que está em curso neste momento outro grande desafio: um conjunto de quase duas dezenas de documentários de grande formato em Full HD, 16/9 de 30 minutos cada um, sobre vida selvagem. Em termos profissionais era a etapa que faltava. Espero que à semelhança dos conteúdos produzidos e em produção, este venha também a conquistar o melhor prémio: “O prémio dos telespetadores”.

O Dia Nacional da Conservação da Natureza comemora-se a 28 de julho. Quais são os principais desequilíbrios nos ecossistemas?
Luís Henrique Pereira – Vou responder com algumas estatísticas que “falam por si”:
– 1/4 DOS MAMÍFEROS EM VIAS DE EXTINÇÃO
– 1/3 DOS ANFÍBIOS EM RISCO DE EXTINÇÃO
– 13% DAS AVES DO MUNDO EM SÉRIA AMEAÇA
– 70% DE ESPÉCES DE PLANTAS AMEAÇADAS (em algumas zonas do globo)
– 3/4 DOS BANCOS DE PESCA ESGOTADOS. (Palmer, 2010).
– MUDANÇAS CLIMÁTICAS PODEM LEVAR 600 ESPÉCIES DE AVES TROPICAIS À EXTINÇÃO. (Hance Jeremy. Biological Conservation, 2012).
– AS AVES MARINHAS SÃO O GRUPO DE AVES MAIS AMEAÇADO DO MUNDO. DAS 346 ESPÉCIES, (28%). ESTÃO GLOBALMENTE AMEAÇADAS. (BirdLife International, 2012).
– 35 ESPÉCIES DE AVES MARINHAS ENCONTRAM-SE MUITO PERTO DE ATINGIR O MESMO ESTATUTO. (BirdLife International, 2012).

Estes são apenas alguns exemplos a meu ver alarmantes, infelizmente uma pequeníssima amostragem do que andamos a fazer à nossa “Casa Comum”. De facto, o homem é o predador mais perigoso e calculista que há milénios surgiu no planeta. Mas a natureza encontra sempre o seu caminho…

Há frequentemente apelos de intervenção como os da Greenpeace. O que é que considera ser mais urgente fazer a nível ambiental para conservar a Natureza?
Luís Henrique Pereira – A Greenpeace é a mais conhecida mas há outras ONG’s espalhadas pelo mundo que continuam muitas vezes incógnitas e fazem tanto ou mais que a própria Greenpeace. É lugar-comum dizer-se que a educação, neste caso para o ambiente, começa em casa. A seguir na escola. Penso que é por aí que temos de ir. À semelhança de outros países desenvolvidos, alguns países do norte da Europa por exemplo, os programas escolares devem ter em todos os anos letivos, uma disciplina ou uma abordagem sistemática sobre a preservação do mundo natural. Só assim é que conseguiremos alguma coisa. Dizem alguns especialistas que temos o espaço de UMA GERAÇÃO para o fazer. Para salvar e recuperar algo do que ainda nos resta. Há muito que o ambiente em geral e a vida selvagem em particular reclamam por ajuda urgente, já para não falar das espécies que o homem fez desaparecer definitivamente da terra. Não temos o direito, porque esse direito nunca nos foi dado: extinguir espécies selvagens. É de todo vergonhoso e inaceitável em todos os sentidos.

O que é que é mais fascinante na Natureza?
Luís Henrique Pereira – O tempo da própria natureza aliado naturalmente aos seus habitantes selvagens. Nós, seres humanos somos uma espécie que não respeita há muito o ritmo, o compasso, o tempo, o ritmo, a cadência da natureza. Vivemos a correr e ainda não percebemos que fazemos parte integrante dessa mesma natureza. O ritmo frenético que muitas vezes infligimos a nós próprios, contrariando assim o “relógio natural” vai sair-nos caro… Muito caro. Não nos podemos esquecer que a natureza não tem pressas. Tomemos o caso de uma planta desde a semente até ao estado adulto. Esse tempo de maturação e crescimento é o tempo natural. É pena que nos passe ao lado. Repito a ideia que me parece fundamental: Fazemos parte integrante da natureza mas não nos apercebemos, é uma realidade que nos passa ao lado porque, na natureza vemo-nos sempre como “classe superior”. E estamos redondamente enganados.

Hoje em dia, a maioria de nós, quase não tem contacto com a natureza. Que conselhos deixa?
Luís Henrique Pereira – Portugal é um “tesouro gigante” no que à vida selvagem diz respeito. Ainda é. O nosso “Gran Canyon”, o Douro Internacional, merece visita obrigatória assim como o Tejo Internacional. As estepes alentejanas albergam espécies residentes e migratórias que enchem o olho, o caso das abetardas e dos grous por exemplo, os estuários que percorrem muita da nossa costa têm uma biodiversidade impressionante, no que à avifauna diz respeito mas não só. Os nossos espaços naturais e áreas protegidas, porque não umas férias percorrendo de norte a sul cada um deles e encher a vista e a alma com o muito que eles têm para nos oferecer? Há muito para ver, muito para disfrutar. Basta um guia, uns binóculos e uma máquina fotográfica. Fica a sugestão. Leituras felizmente também não faltam. “Pensar Como uma Montanha” de Aldo Leopold. No original: A Sand County Almanac, é hoje o clássico da natureza e da ecologia mais debatido em todo o mundo. Porque não passar por um alfarrabista e tentar encontrar livros relacionados com estas temáticas, entre vários autores destaco David Attenborough, Félix Rodríguez de la Fuente ou mais recentemente Chris Palmer, por exemplo? Quanto às caminhadas e encontros com a natureza selvagem, basta ir à Net e fazer uma busca simples. Garanto que as propostas vão surpreender…