25A vida incrível do arqueólogo e resistente antifascista Cláudio Torres, numa minissérie documental de Ricardo Clara Couto e Nuno Costa Santos
Insubmisso, contestatário, frontal, criativo, obstinado e sempre revolucionário, Cláudio Torres foi preso ainda na faculdade pela PIDE, por pertencer ao Partido Comunista Português. Suportou com estoicismo os interrogatórios, a tortura, a prisão, uma fuga mítica num barquinho de recreio e o longo exílio, que o levaria da miséria em Marrocos à constatação, na Roménia de Ceausescu, das contradições políticas, da repressão e do subdesenvolvimento dos países comunistas.
Viveu em Paris a euforia do 25 de Abril, que lhe permitiu, enfim, regressar a casa. Em Portugal, mergulhou de cabeça na revolução e teve um papel ativo numa dinâmica de mudança de mentalidades, valores e instituições. Desiludido com a vida académica e indisponível para comprometer a integridade em prol da carreira, fixou-se em Mértola, terra que adotou como sua. Aqui, durante mais de quatro décadas de trabalho, construiu um impressionante legado.
Partindo da convicção que a cultura deve ser um instrumento de desenvolvimento do território, orquestrou um projeto onde Património, Arte, Tradição, História, Natureza e Investigação Científica se interligam num complexo museológico, capaz de transformar uma terra pobre e esquecida num destino obrigatório para os que admiram a cultura mediterrânica.
Neste filme de Ricardo Clara Couto e Nuno Costa Santos somos conduzidos pela voz e as palavras da mulher que o acompanhou desde os bancos da faculdade, Manuela Barros Ferreira, para descobrir a vida singular desta carismática, polémica e corajosa personalidade da nossa História recente.
Prémio Pessoa 1991, Cláudio Torres é um reputado investigador do mundo islâmico peninsular e figura marcante da política, da cultura e da sociedade portuguesas, desde os anos 60 do século passado. Hoje, com 80 anos, continua a supervisionar o Campo Arqueológico de Mértola, distinguido com o prestigiado prémio Sísifo pela Universidade de Córdova. Continua a transformar em planos, projetos e obras o sonho que o move desde o início dos tempos. Movido pela convicção de quem sabe que a luta, essa, continua. Sempre!
1º episódio:
Numa estrada do sul do país, Cláudio Torres e Serrão Martins, presidente da Câmara de Mértola, fazem os primeiros quilómetros de uma viagem que haveria de mudar para sempre a vida e o futuro da remota vila alentejana. Mas a verdade é que esta jornada extraordinária começa muitos anos antes, quando um jovem estudante, neto de um monárquico e filho de um comunista, interioriza os valores e os princípios de conduta que haveriam de moldar o seu futuro.
A partir daí, a sua vida será marcada por uma verticalidade intransigente, um apreço sem preço pela verdade e uma vontade indómita de viver segundo os ideais que perfilha. São eles que o levam à militância clandestina na célula de Aveiro do Partido Comunista, às atividades subversivas nas ruas e na Faculdade de Belas Artes do Porto, à prisão, à tortura, à resistência sem quebras. Ao seu lado, encontramos Manuela Barros Ferreira, narradora desta história e testemunha privilegiada da luta sem quartel que o marido travou contra um regime retrógrado, repressivo e autoritário.
2º episódio:
Mais do que uma mera viagem para Mértola, a jornada só de ida de Cláudio Torres reflete a capacidade que este adquiriu de largar tudo, sem olhar para trás. E de abraçar o que encontra pela frente, dedicando-se por inteiro a cada novo desafio. Foi assim que, depois de sofrer a tortura, o isolamento e as agruras da prisão, Cláudio recusou combater na Guerra Colonial e tomou o caminho do exílio. Para isso, viveu uma incrível aventura, ao lançar-se ao mar num barquinho rumo a Marrocos, na companhia da mulher grávida e de outros companheiros, alguns dos quais refratários como ele. Sobreviveram a correntes contrárias, a tempestades homéricas e até à implacável perseguição da polícia marítima franquista, que tentou afundar o barco, e entraram sem pedir licença pelo porto de Rabat a dentro.
Sem um tostão no bolso, o grupo experimentou a fome e a pobreza, mas rapidamente contou com a solidariedade dos que, tal como eles, lutavam contra a opressão e o colonialismo. Neste ambiente, a capacidade de liderança e o dinamismo de Cláudio evidenciaram-se e este depressa se viu envolvido em acontecimentos históricos, como a “Operação Vagô” e o Assalto ao Quartel de Beja, tendo privado com figuras como Humberto Delgado e Amílcar Cabral, entre outros destacados antifascistas.
3º episódio:
Livre de constrangimentos académicos, Cláudio Torres segue viagem para Mértola, enquanto planeia o derradeiro projeto político: promover o desenvolvimento através da valorização da cultura e do património da vila alentejana. Esta visão integradora é construída ao longo da deambulação de Cláudio pelos países de exílio. De Marrocos, guardou um conhecimento do mundo islâmico, que viria a marcar a sua carreira e a tese disruptiva que defende sobre a dominação árabe da Península Ibérica.
Na Roménia, onde durante uma década fez rádio em português para os exilados e estudou História de Arte, alimentou o sonho de um “socialismo de rosto humano”, que viu ser esmagado pelos tanques do Pacto de Varsóvia. Mas apesar da invasão da Checoslováquia ter ditado a rutura com o Partido Comunista, nem por isso determinou a perda de fé nos ideais revolucionários, que se tornaram mais fortes com o regresso a Portugal e a participação ativa no PREC. Quando Cláudio chega a Mértola cumpre-se, por inteiro. E ao fazê-lo ajuda a cumprir também o território a que dedicou quatro décadas da sua vida, a que chama casa e a que o seu nome ficará ligado para sempre.