Um mergulho, a luz do sol do meio-dia atravessa a água. O ar que está nos pulmões terá que chegar até que ela consiga arrancar o haliote às rochas do fundo do Oceano Pacifico. Esta mulher mergulha como se faz no Japão há mais de 2 mil anos…
Sem o auxílio de botija de ar ou outra ferramenta que potencie a capacidade de permanecer debaixo de água, todo o corpo é convocado a atingir o seu limite. Estes mergulhos em apneia, que visam a recolha de abalones, algas, pérolas e outros tesouros marinhos, são dados no Japão há mais de 2000 anos pelas Ama-San, literalmente, mulheres do mar que na cultura japonesa ocupam um lugar especial, sendo reverenciadas e, ao mesmo tempo, incompreendidas.
Após a submersão, cada uma delas regressa a casa, onde prossegue o seu dia-a-dia, tal como qualquer outra mulher da vila. Apesar de bastante perigosa, esta actividade assegura-lhes a sua subsistência e das suas famílias, dando-lhes alguma independência financeira e tornando-as parte de uma estrutura familiar semimatriarcal, incomum na cultura japonesa de outros tempos. A média de idades das mulheres que ainda hoje mergulham situa-se entre os 50 e os 85 anos. As Ama-San conquistaram o estatuto de colectoras e cuidadoras, questionando não só o papel da mulher na sociedade oriental como a própria natureza feminina.
Este filme de Cláudia Varejão acompanha o quotidiano de Matsumi, Mayumi e Masumi – três mulheres de idades distintas – que há 30 anos mergulham juntas numa pequena vila piscatória da Península de Shima. Estreado no Festival Visions du Réel (Paris), “Ama-San” ganhou o prémio de Melhor Filme da Competição Portuguesa no Doclisboa 2016 e o de Melhor Filme da Competição Internacional – Extra Muros do Pravo Ljudski Film Festival 2016, em Sarajevo.
Rodado entre o silencioso mundo subaquático e a vida rural no exterior, este olhar resulta num retrato único de uma tradição que se anticipa em extinção.