A independência de Moçambique
“Nas semanas que se seguiram ao 25 de abril, de todos os territórios africanos, era Moçambique o que parecia mais próximo de cair no caos.”
(Norrie MacQueen, 1998, p.163)
Em Moçambique, o processo de descolonização revelar-se-ia conturbado e revestir-se-ia de aspetos extremamente violentos. Sendo a colónia mais povoada (cerca de 10 milhões de habitantes em 1974) e contando com a presença de uma significativa população branca e de centros urbanos de considerável dimensão, – como a capital Lourenço Marques (hoje Maputo) – este território ultramarino era uma realidade altamente complexa, tornando-se uma peça-chave em todo o processo de descolonização.
Dois dias depois do golpe de estado em Lisboa, a comissão executiva da FRELIMO emitia uma declaração em que expressava o seu regozijo pelo regresso da democracia a Portugal e alertava para a necessidade urgente de o governo português reconhecer o direito do povo moçambicano à independência. Com o objetivo de aumentar a pressão sobre os colonos portugueses e de garantir uma posição mais favorável nas negociações, nas semanas seguintes a FRELIMO aumentou a intensidade da luta armada, abrindo uma nova frente no distrito da Zambézia e aí conquistando a sua primeira localidade. Adivinhava-se um desastre militar para os portugueses.
O cessar fogo
É neste contexto que, aquando sua visita ao território moçambicano em meados de maio, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Francisco da Costa Gomes ordena a cessação das operações ofensivas contra a FRELIMO. Os soldados portugueses deveriam, a partir daí, concentrar a sua ação na proteção dos civis. Em declarações à imprensa, Costa Gomes expressava as suas esperanças de que a FRELIMO aceitasse o cessar-fogo e se constituísse como partido político a fim de disputar eleições.
Pela mesma altura, Costa Gomes enviava a Dar es Salaam, na Tanzânia, uma delegação de antigos presos políticos pró-FRELIMO, com uma proposta de cessar-fogo, que seria rejeitada.
Início das negociações
As negociações formais ente o governo português e a FRELIMO teriam início a 5 de junho, em Lusaca, capital da Zâmbia.
– Representante da delegação portuguesa – Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros
– Representante da Frelimo – Samora Machel
O major Otelo Saraiva de Carvalho também integrava a delegação portuguesa, mandatado pelo Presidente da República António de Spínola para “vigiar” Soares durante as conversações.
Porquê?
Na realidade, Spínola desconfiava que Mário Soares pudesse extravasar as suas funções, que eram meramente as de obter um cessar-fogo que abrisse caminho às suas ideias federalistas.
Qual era a pretensão da FRELIMO?
A FRELIMO só estava disposta a cessar as hostilidades a partir do momento em que o governo português reconhecesse o direito do povo moçambicano à independência, tendo-a como seu único e legítimo representante.
A primeira ronda de negociações redundaria assim em fracasso. Ainda assim, o encontro ficaria marcado pelo famoso abraço entre Mário Soares e o presidente da FRELIMO Samora Machel, demonstrando a abertura do ministro português às pretensões deste movimento e o seu distanciamento pessoal face às posições de Spínola.
Uma tentativa oficiosa para chegar a acordo…
No final de julho, Spínola envia em segredo uma nova delegação a Dar es Salaam para um encontro com Samora Machel.
Quem integrava a delegação portuguesa?
A delegação era chefiada por Ernesto Melo Antunes e Vasco Almeida e Costa.
Qual era o objetivo?
Convencer Samora Machel a aceitar um período de transição para a independência de 4 a 5 anos, no qual o território moçambicano fosse administrado por um governo composto maioritariamente por portugueses e, em menor número, por membros da FRELIMO.
Resultado
Mais uma vez, Samora Machel recusaria as condições propostas, demonstrando provas concretas (gravações de soldados portugueses capturados, telegramas de solidariedade enviados à FRELIMO) em como os militares portugueses já não estavam dispostos a combater mais. Exigia ainda a fixação da data da independência para 25 de julho de 1975 – aniversário da fundação da FRELIMO – e que o governo de transição fosse maioritariamente composto por membros deste partido. Apesar do fracasso em chegar a um acordo sobre estes pontos, deste encontro resultaria um memorando no qual era patenteado, embora de forma indireta, a transferência de poderes e o reconhecimento da FRELIMO como legítima representante do povo moçambicano.
Nova ronda oficial de negociações
As conversações oficiais seriam retomadas em Dar es Salaam, entre 14 e 17 de agosto, já depois da queda do I Governo Provisório e da aprovação da Lei Constitucional nº7/74. A posição de Spínola era agora bem mais tolerante em relação às reivindicações da FRELIMO.
Ainda assim não houve acordo…
Pontos que bloquearam a negociação:
Os sucessivos impasses levaram a que diversas unidades militares portuguesas começassem a negociar localmente o cessar-fogo com os guerrilheiros. A 23 de julho, as comissões locais do MFA nos distritos de Cabo Delgado e Tete haviam ameaçado o governo da metrópole de que declarariam um cessar-fogo geral caso este não fosse negociado com a FRELIMO até ao final do mês. Já no final de agosto, um telegrama do Comandante-Chefe das forças portuguesas em Moçambique informava o Ministério da Defesa de que haviam sido iniciados os primeiros contactos amistosos com as tropas da FRELIMO no distrito do Niassa.
Mais uma ronda negocial
A última fase das negociações entre o governo português e a FRELIMO teria início em Lusaca a 5 de setembro de 1974. Cedendo às pretensões deste movimento, as autoridades portuguesas marginalizaram deliberadamente as restantes organizações políticas moçambicanas, como a COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), um movimento criado em 1965 e que era apoiado pela República Popular da China.
No acordo celebrado a 7 de setembro de 1974, o Estado português cedeu a todas as reivindicações da FRELIMO, garantindo a transferência progressiva dos poderes para este movimento e fixando a data da independência para 25 de junho de 1975.
A transição….
Até essa data, o território seria administrado por um Governo de transição chefiado por um alto comissário português e por um primeiro-ministro designado pela FRELIMO. Este governo entraria em funções treze dias depois da assinatura do Acordo de Lusaca. Numa entrevista ao jornalista Joaquim Letria da RTP, a 25 de junho de 1975, Joaquim Chissano dava a conhecer as dificuldades existentes durante o período de transição e falava de uma “compreensão” que se foi instalando parte a parte, dos portugueses e da FRELIMO.
Para a mesma pergunta, igualmente em entrevista RTP, o Alto Comissário almirante Vítor Crespo usou a mesma palavra: “compreensão” para fechar o Acordo de Lusaca.
“(…) foi uma definição clara da linha politica que havia de presidir ao processo de descolonização e não foi mais do que isso, mas suficientemente aberto para deixa à capacidade da execução a definição concreta dos problemas que se apresentassem”.
Já quanto ao futuro de Moçambique, Vítor Crespo considerava que estavam estabelecidas as condições para alcançar o progresso social. E adiantava que a orientação seria uma “orientação progressista”.
Por sua vez, Joaquim Chissano admitia “grandes dificuldades” nos primeiros anos. Dizia que seriam anos de sementeira para depois vir a “gozar de frutos”.
Uma situação explosiva…
No mesmo dia em que o Acordo de Lusaca era celebrado, eclodiam manifestações em Lourenço Marques protestando contra a entrega do poder à FRELIMO.
Uma sucessão de acontecimentos…
O balanço geral desde o início dos tumultos era já de 91 mortos e 515 feridos, número que aumentaria nos meses seguintes.
Portugal queria evitar a debandada dos portugueses.
O que foi dito e o que foi feito?
Em maio de 1975, o presidente da FRELIMO Samora Machel iniciava sua “viagem triunfal” por Moçambique. Apesar dos seus apelos à participação de todos na construção do novo país, as declarações de Machel sobre a necessidade de apagar todos os vestígios da “herança colonial” foram vistas com grande apreensão pela população europeia, que começa a abandonar o território em massa.
A cerimónia da proclamação da independência da República Popular de Moçambique teve lugar no dia 25 de junho de 1975, no Estádio da Machava em Lourenço Marques, contando com a presença do primeiro-ministro português Vasco Gonçalves. Samora Machel tomava posse como Presidente da República do novo estado independente.
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Estava assim concluído o processo de descolonização deste território.