1.Guiné-Bissau – 10 de setembro de 1974

A independência da Guiné Bissau
A Guiné-Bissau foi o primeiro dos territórios ultramarinos portugueses a alcançar a independência, pouco mais de quatro meses após o 25 de abril de 1974.

A celeridade deste processo deveu-se a três fatores principais:

  • a situação hegemónica do PAIGC no território guineense desde pelo menos meados de 1973;
  • a declaração unilateral da independência pelo PAIGC em setembro desse ano;
  • o reconhecimento internacional do Estado da Guiné-Bissau por um conjunto alargado de países.

No dia da proclamação da independência, Pedro Pires, em entrevista ao jornalista José Alberto Ferreira da RTP, apontava a unidade nacional como um bem do passado na luta pela independência mas também como um objetivo para o futuro.

O dia 25 de abril…
O 25 de abril foi recebido com entusiasmo no território guineense. Segundo o historiador António Costa Pinto (2001, p.68), o MFA local gozava de bastante autonomia e fez uma espécie de “golpe de estado paralelo”, demitindo o governador e comandante-chefe José Bettencourt Rodrigues que fora nomeado por Marcello Caetano, para suceder a António de Spínola, oito meses antes.

O pós dia 25 de abril…

  • No dia 27 de abril, começaram em Bissau manifestações exigindo a libertação dos presos políticos, a extinção da PIDE/DGS e a abertura de negociações com o PAIGC.
  • Nove dias depois, a partir da sua sede em Conacri, o PAIGC emitia uma declaração na qual sugeria o início imediato das negociações com o governo português, com vista a um cessar-fogo e ao reconhecimento da independência da Guiné-Bissau e do direito à autodeterminação do povo de Cabo Verde.
  • No dia 7 de maio, a Junta de Salvação Nacional nomeava o então tenente-coronel Carlos Fabião Encarregado de Governo e Comandante-Chefe da Guiné.

 

Quem era o novo representante de Portugal na Guiné Bissau?
Carlos Fabião era um colaborador próximo do Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola,quando este fora comandante das forças portuguesas na Guiné e havia sido um dos promotores do abaixo-assinado contra o Congresso dos Combatentes, realizado no ano anterior. A missão de Fabião na Guiné era agora a de continuar as operações militares até à assinatura de um acordo de cessar-fogo com o PAIGC. Esta situação gerou uma grande contestação por parte da delegação do MFA no território, que foi alargando a sua esfera influência nos vários ramos das forças armadas e na administração.

O cessar-fogo
A verdade é que desde o início de maio existia já um cessar-fogo de facto e verificavam-se contatos amistosos entre as tropas portuguesas e as do PAIGC, promovidos pela delegação local do MFA. O objetivo era pressionar o governo metropolitano a encontrar uma solução rápida para o processo de descolonização.

As conversações de Dacar
As primeiras conversações entre o governo português e o PAIGC realizaram-se em Dacar a 17 de maio.
– Representante da delegação portuguesa – Mário Soares, ministro dos Negócios estrangeiros
– Representante da delegação do PAIGC – Aristides Pereira, secretário Geral do PAIGC

Neste encontro, decidiu-se que as negociações bilaterais teriam início a 25 de maio, em Londres. Estas foram inicialmente marcadas por um ambiente cordial e amigável, facilitado pelo conhecimento de que no território guineense já se estava a realizar um cessar-fogo de facto.

As negociações de Londres
– Representante da delegação portuguesa – Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros
– Representante do PAIGC – Pedro Pires, membro do PAIGC

No livro Mário Soares e a Revolução, David Castaño dá nota de que o primeiro revés nas negociações de Londres foi ter sido Pedro Pires a chefiar a delegação do PAIGC e não Aristides Pereira.

Pedro Pires levava definidos todos os aspetos da negociação para a independência:

    • a soberania da Guiné não era negociável:
    • o direito à autodeterminação e à independência do povo de Cabo Verde não era negociável;
    • a total liberdade do povo como condição para por fim ao conflito;
    • o PAIGC único interlocutor válido.

Para além das exigências, o documento refletia também as debilidades do lado português. Na realidade, as declarações da Junta de Salvação Nacional, o programa do I Governo Provisório e a própria posição pessoal do Presidente da República, António de Spínola, apontavam para a necessidade de se efetuar uma consulta popular sobre a independência dos vários territórios ultramarinos, algo inaceitável aos olhos do PAIGC.

Negociações interrompidas…
Ao final do primeiro dia, as negociações em Londres eram interrompidas. Mário Soares e Almeida Bruno regressaram a Lisboa para consultar Spínola, que recusaria peremptoriamente qualquer concessão ao PAIGC.  Soares voltou sozinho a Londres, tendo as negociações sido reiniciadas a 30 de maio e logo novamente interrompidas.

Encontro de Aristides Pereira, Secretário Geral do PAIGC, e Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros, em Londres, na presença de Abdou Diouf, Primeiro Ministro do Senegal, e de Almeida Bruno, maio de 1974. Fonte: Fundação Mário Soares, Arquivo Amílcar Cabral, Pasta 10078.001.009.

Negociações retomadas 13 dias depois…
No seguimento de contactos entre Soares e o presidente do Senegal Leopold Senghor, as negociações foram retomadas no dia 13 de junho em Argel.

Duas posições em confronto:

  • António de Spínola não abdicava da realização de um referendo sobre o futuro político da Guiné-Bissau e de Cabo Verde;
  • O PAIGC queria que o governo português reconhecesse de imediato a independência da Guiné-Bissau.

Mais uma vez não há acordo e, numa declaração à imprensa, Mário Soares afirmava não ter esperanças que as conversações progredissem sem que houvesse uma mudança de atitude por parte de Lisboa.

A retirada das tropas

  • Enquanto o cessar-fogo não era oficializado, no dia 30 de julho o Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné emitia uma circular confidencial na qual eram enunciadas várias disposições relativas ao comportamento das tropas portuguesas e do PAIGC.
  • Já depois da promulgação da Lei Constitucional nº7/74, no início de agosto, as negociações são retomadas secretamente, marcando-se uma nova série de conversações para Argel, já com perspetivas de êxito. É neste contexto que, a 9 de agosto, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Francisco Costa Comes emitia uma diretiva ordenando a retirada das tropas nacionais da Guiné-Bissau “o mais depressa possível e nunca depois” do final do ano de 1974.

Dias antes, a 3 de agosto de 1974,  de visita a Portugal, o secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim emitia um comunicado em que referia:

Portugal está pronto a reconhecer a independência da República da Guiné-Bissau e a celebrar acordos para a transferência imediata da administração”.

Na Guiné, em entrevista ao jornalista Joaquim Letria, Carlos Fabião comentava esta observação da ONU e insistia para a necessidade de fazer uma transição sem sobressaltos.

Finalmente o acordo…
A 26 de agosto era finalmente assinado em Argel o Protocolo de acordo entre o governo português e o PAIGC.

Assinatura do Acordo de Argel, 26 de agosto de 1974. Fonte: Arquivo da RTP, 13003773XD.

O que determinava o Acordo de Argel?

  • O “reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau, como Estado Soberano, pelo Estado Português” a partir do dia 10 de setembro de 1974
  • o cessar-fogo de jure entre as duas partes;
  • a retirada das tropas portuguesas do território guineense até ao final de outubro de 1974;
  • o estabelecimento de “relações de cooperação activa” entre os dois estados;
  • o reconhecimento e efetivação pelo governo português do “direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência”.

Estava assim concluído o moroso processo de negociações iniciado em maio.

O anexo ao Acordo de Argel…
O Acordo de Argel incluía ainda um anexo relativo à retração do dispositivo militar na Guiné-Bissau, em que o governo português se comprometia “a desarmar as tropas africanas sob o seu controle”. De facto, a estratégia de africanizar os contingentes nacionais no território, utilizada pelo general António de Spínola desde 1968, havia levado à criação de unidades milicianas e de comandos. Estas unidades eram vistas com suspeição pelo PAIGC, devido à sua forte preparação militar e ao facto de terem sido treinadas com o propósito de manter a presença portuguesa na Guiné, mesmo que pela via federalista. Muitos destes Comandos Africanos acabariam por fugir para o Senegal para a Gâmbia ou ser capturados e executados pelo PAIGC por conspiração contra o novo estado.

À chegada a Lisboa, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares mostrava-se satisfeito com os resultados:

“O acordo de cessar-fogo «de direito», o estabelecimento de uma data para o reconhecimento da Guiné-Bissau e o calendário da saída das tropas portuguesas do território representam o primeiro marco na descolonização.”

(Diário de Notícias, 27/8/1974)

A 10 de setembro de 1974, no Palácio de Belém, Spínola assinava o Protocolo do Reconhecimento Solene da Guiné-Bissau pelo Estado Português. Portugal reconhecia finalmente a independência da Guiné-Bissau.

Assinatura do Protocolo do Reconhecimento Solene da Guiné-Bissau pelo Estado Português, 10 de setembro de 1974. Fonte: Arquivo da RTP,  LX09001295XD.