A independência da Guiné Bissau
A Guiné-Bissau foi o primeiro dos territórios ultramarinos portugueses a alcançar a independência, pouco mais de quatro meses após o 25 de abril de 1974.
A celeridade deste processo deveu-se a três fatores principais:
No dia da proclamação da independência, Pedro Pires, em entrevista ao jornalista José Alberto Ferreira da RTP, apontava a unidade nacional como um bem do passado na luta pela independência mas também como um objetivo para o futuro.
O dia 25 de abril…
O 25 de abril foi recebido com entusiasmo no território guineense. Segundo o historiador António Costa Pinto (2001, p.68), o MFA local gozava de bastante autonomia e fez uma espécie de “golpe de estado paralelo”, demitindo o governador e comandante-chefe José Bettencourt Rodrigues que fora nomeado por Marcello Caetano, para suceder a António de Spínola, oito meses antes.
O pós dia 25 de abril…
Quem era o novo representante de Portugal na Guiné Bissau?
Carlos Fabião era um colaborador próximo do Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola,quando este fora comandante das forças portuguesas na Guiné e havia sido um dos promotores do abaixo-assinado contra o Congresso dos Combatentes, realizado no ano anterior. A missão de Fabião na Guiné era agora a de continuar as operações militares até à assinatura de um acordo de cessar-fogo com o PAIGC. Esta situação gerou uma grande contestação por parte da delegação do MFA no território, que foi alargando a sua esfera influência nos vários ramos das forças armadas e na administração.
O cessar-fogo
A verdade é que desde o início de maio existia já um cessar-fogo de facto e verificavam-se contatos amistosos entre as tropas portuguesas e as do PAIGC, promovidos pela delegação local do MFA. O objetivo era pressionar o governo metropolitano a encontrar uma solução rápida para o processo de descolonização.
As conversações de Dacar
As primeiras conversações entre o governo português e o PAIGC realizaram-se em Dacar a 17 de maio.
– Representante da delegação portuguesa – Mário Soares, ministro dos Negócios estrangeiros
– Representante da delegação do PAIGC – Aristides Pereira, secretário Geral do PAIGC
Neste encontro, decidiu-se que as negociações bilaterais teriam início a 25 de maio, em Londres. Estas foram inicialmente marcadas por um ambiente cordial e amigável, facilitado pelo conhecimento de que no território guineense já se estava a realizar um cessar-fogo de facto.
As negociações de Londres
– Representante da delegação portuguesa – Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros
– Representante do PAIGC – Pedro Pires, membro do PAIGC
No livro Mário Soares e a Revolução, David Castaño dá nota de que o primeiro revés nas negociações de Londres foi ter sido Pedro Pires a chefiar a delegação do PAIGC e não Aristides Pereira.
Pedro Pires levava definidos todos os aspetos da negociação para a independência:
Para além das exigências, o documento refletia também as debilidades do lado português. Na realidade, as declarações da Junta de Salvação Nacional, o programa do I Governo Provisório e a própria posição pessoal do Presidente da República, António de Spínola, apontavam para a necessidade de se efetuar uma consulta popular sobre a independência dos vários territórios ultramarinos, algo inaceitável aos olhos do PAIGC.
Negociações interrompidas…
Ao final do primeiro dia, as negociações em Londres eram interrompidas. Mário Soares e Almeida Bruno regressaram a Lisboa para consultar Spínola, que recusaria peremptoriamente qualquer concessão ao PAIGC. Soares voltou sozinho a Londres, tendo as negociações sido reiniciadas a 30 de maio e logo novamente interrompidas.
Negociações retomadas 13 dias depois…
No seguimento de contactos entre Soares e o presidente do Senegal Leopold Senghor, as negociações foram retomadas no dia 13 de junho em Argel.
Duas posições em confronto:
Mais uma vez não há acordo e, numa declaração à imprensa, Mário Soares afirmava não ter esperanças que as conversações progredissem sem que houvesse uma mudança de atitude por parte de Lisboa.
A retirada das tropas
Dias antes, a 3 de agosto de 1974, de visita a Portugal, o secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim emitia um comunicado em que referia:
“Portugal está pronto a reconhecer a independência da República da Guiné-Bissau e a celebrar acordos para a transferência imediata da administração”.
Na Guiné, em entrevista ao jornalista Joaquim Letria, Carlos Fabião comentava esta observação da ONU e insistia para a necessidade de fazer uma transição sem sobressaltos.
Finalmente o acordo…
A 26 de agosto era finalmente assinado em Argel o Protocolo de acordo entre o governo português e o PAIGC.
O que determinava o Acordo de Argel?
Estava assim concluído o moroso processo de negociações iniciado em maio.
O anexo ao Acordo de Argel…
O Acordo de Argel incluía ainda um anexo relativo à retração do dispositivo militar na Guiné-Bissau, em que o governo português se comprometia “a desarmar as tropas africanas sob o seu controle”. De facto, a estratégia de africanizar os contingentes nacionais no território, utilizada pelo general António de Spínola desde 1968, havia levado à criação de unidades milicianas e de comandos. Estas unidades eram vistas com suspeição pelo PAIGC, devido à sua forte preparação militar e ao facto de terem sido treinadas com o propósito de manter a presença portuguesa na Guiné, mesmo que pela via federalista. Muitos destes Comandos Africanos acabariam por fugir para o Senegal para a Gâmbia ou ser capturados e executados pelo PAIGC por conspiração contra o novo estado.
À chegada a Lisboa, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares mostrava-se satisfeito com os resultados:
“O acordo de cessar-fogo «de direito», o estabelecimento de uma data para o reconhecimento da Guiné-Bissau e o calendário da saída das tropas portuguesas do território representam o primeiro marco na descolonização.”
(Diário de Notícias, 27/8/1974)
A 10 de setembro de 1974, no Palácio de Belém, Spínola assinava o Protocolo do Reconhecimento Solene da Guiné-Bissau pelo Estado Português. Portugal reconhecia finalmente a independência da Guiné-Bissau.