A Independência de Cabo Verde
A ligação à Guiné Bissau…
O processo que levou à independência de Cabo Verde esteve quase sempre ligado à descolonização da Guiné-Bissau. De facto, a maioria dos fundadores do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) eram cabo-verdianos ou descendentes de cabo-verdianos radicados na Guiné-Bissau. O próprio Amílcar Cabral, líder do movimento até à sua morte em 1973, apesar de nascido na Guiné, era descendente de cabo-verdianos e passou a sua infância nas ilhas de Santa Catarina e Santiago.
As diferenças…
Contudo, e apesar de o PAIGC ter organizado uma estrutura clandestina em Cabo Verde, nunca se realizaram atividades de guerrilha no território, ao contrário do que aconteceu na Guiné-Bissau. Fatores como dificuldades logísticas, a situação de seca prolongada, o controlo apertado da PIDE/DGS e a retirada do apoio cubano inicialmente previsto, obstaram a que o movimento se expandisse para o arquipélago.
A Frente Ampla Nacional e Anticolonial
Na sequência do golpe de 25 de abril de 1974, foi criada em Cabo Verde a Frente Ampla Nacional e Anticolonial, com o objetivo de unir os nacionalistas cabo-verdianos numa mesma organização. Poucos dias depois, a população do arquipélago manifestou-se abertamente pela libertação dos presos políticos que ainda se encontravam no campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago. Pela mesma altura, o PAIGC enviava os primeiros guerrilheiros para o território cabo-verdiano.
Reconhecimento da independência no papel
Com a assinatura do Acordo de Argel no dia 26 de agosto de 1974, o governo português reconhecia formalmente a independência da Guiné-Bissau e “o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência” e considerava “o acesso de Cabo Verde à independência (…) factor necessário para uma paz duradoura e uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau” (artigos 6 e 7).
Discurso de Spínola aquando da tomada de posse do último governador de Cabo Verde, Vicente Almeida d’Eça, 21/09/1974. Fonte. Arquivo da RTP, LX09001295XD.
No dia 14 de setembro, o Presidente da República Portuguesa António de Spínola efetuou uma visita ao arquipélago, mais precisamente à ilha do Sal, onde se encontrou secretamente com o presidente do Zaire Mobutu Sese Seko a fim de discutir o futuro político de Angola. Porém, Spínola seria recebido de forma colérica pela população, incitada por elementos do PAIGC que pretendiam uma resolução rápida para o problema da independência.
Porque é que Portugal hesitava em entregar o poder ao PAIGC?
- Havia uma perceção (defendia por Spínola, mas também por Mário Soares) de que, do ponto de vista cultural, Cabo Verde estava mais próximo de Portugal que da Guiné.
- Não existia um consenso por parte da comunidade cabo-verdiana, local e emigrada, em relação ao PAIGC.
- A posição geoestratégica do arquipélago levava a que os interesses americanos, no contexto da Guerra Fria, obstassem a uma transferência de poderes para o PAIGC, antigo aliado da União Soviética.
- Havia a questão da viabilidade económica do novo estado, a braços com uma seca desde 1967 e inteiramente dependente de Lisboa para a sua sobrevivência (MacQueen, 1998, 143).
A resposta do PAIGC
Perante esta atitude de Portugal e dos seus aliados, o PAIGC tomou uma posição cada vez mais agressiva.
- No final de setembro, registaram-se incidentes na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, envolvendo apoiantes do PAIGC, elementos das forças armadas portuguesas, a PSP e a Polícia Militar, bem como uma greve geral na função pública com forte adesão.
- Pela mesma altura, o movimento decidiu começar a preparar uma possível ação armada no arquipélago, com a passagem à clandestinidade de vários dos seus quadros. Porém, a demissão de Spínola do cargo de Presidente da República mudaria toda a conjuntura (Pereira, 2003, 277).
- A 11 de outubro, o presidente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, comandante Pedro Pires, era apoteoticamente recebido pela população do arquipélago.
- A UPICV (União do Povo das Ilhas de Cabo Verde), um movimento rival do PAIGC que se opunha à união política com a Guiné-Bissau, preparava uma manifestação para 1 de novembro, que viria a ser proibida pelo Comando-Chefe das forças portuguesas.
- Em dezembro, setenta membros da UPICV e de outro movimento, a UDC (União Democrática Cabo-Verdiana), eram detidos para averiguações e retidos no temporariamente reaberto campo do Tarrafal.
O agravamento da situação política no arquipélago levaria a comissão local do MFA a enviar um ultimato ao governo português no sentido de este acelerar transferência da soberania para o PAIGC (Santos, 2006, 247).
Depoimento de António Almeida Santos sobre a assinatura do acordo entre o governo português e o PAIGC com vista à independência de Cabo Verde. Fonte: Arquivo da RTP, 01003315XD.
A 19 de dezembro era assinado em Lisboa um acordo entre o governo português e o PAIGC que previa a nomeação de um Governo de Transição até à efetivação da independência, seis meses depois.
No acordo era refirmado “o direito do Povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência” (artigo 1º). Doze dias depois, tomava posse na cidade da Praia o governo de transição, composto por elementos apontados pelo PAIGC e por Portugal e presidido por Alto-Comissário Almirante Vicente Almeida d’Eça.

Assinatura do acordo Portugal-PAIGC que fixou a data da independência de Cabo Verde, subscrito pelo Primeiro-Ministro, Brigadeiro Vasco Gonçalves, pelos Ministros Melo Antunes, Almeida Santos e Mário Soares e pelos representantes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), dirigidos por Pedro Pires. Fonte: Fundação Mário Soares, MS – Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente, Pasta 06278.00580.
Almeida d’Eça cedo se viu confrontado com a realidade problemática do arquipélago, marcada por dificuldades de financiamento, seca, escassez de bens alimentares, desemprego generalizado e regresso de muitos emigrantes vindos de Angola.
Para este site o Almirante Almeida D’Eça escreveu e leu um texto onde relembra o processo de transição e as funções em Cabo Verde mas também na Guiné e que lhe permitiram conhecer melhor o PAIGC.
O Dia da Independência
Após a realização das eleições para a Assembleia Constituinte, a independência de Cabo Verde foi proclamada na cidade da Praia no dia 5 de julho de 1975. Na cerimónia estiveram presentes, em representação do governo português, entre outros, o Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, o Ministro da Coordenação Interterritorial António de Almeida Santos, e o ministro sem pasta Álvaro Cunhal, em representação de Cabo Verde o Presidente da Assembleia Nacional recém-eleita Abílio Duarte, bem como delegados da ONU e da Organização da Unidade Africana. Assistiu-se à independência.
Imagens da proclamação a independência de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, 5/07/1975. Fonte: Arquivo da RTP, LX511213XD.
Ao fim de mais cinco séculos de presença portuguesa, Cabo Verde atingia finalmente a sua independência.