1.A partilha de África na Conferência de Berlim – TELMA

No dia 15 de novembro de 1884 representantes de 14 países reuniram-se em Berlim na Conferência Internacional Africana. Sentados a uma mesma mesa, com o mapa do continente africano reproduzido em 5 metros de comprimento e afixado na parede, estes homens definiram a partilha de África e em termos gerais do Direito Internacional Colonial com base no princípio da ocupação territorial, efetiva em substituição dos direitos históricos tradicionais.

Estiveram presentes alguns Estados com interesses diretos nos problemas relativos à partilha de África:

  • Reino Unido
  • França
  • Alemanha
  • Bélgica
  • “Associação Internacional do Congo” (fundada por Leopoldo II da Bélgica em 1876 e reconhecida como soberana dos territórios que controlava pela Conferência de Berlim)
  • Holanda (no dia 16 de outubro de 1884, José Vicente Barbosa du Bocage recebe um telegrama cifrado da legação de Portugal nos Países Baixos referindo: “A Holanda comunicou já a Berlim que aceita convite para a Conferência“. A confirmação desta informação chegaria posteriormente por carta – DOC 445)

E ainda outros que não dispunham de colónias mas cuja dimensão e influência eram igualmente relevantes:

  • Império Austro-húngaro
  • Dinamarca
  • Itália
  • Espanha
  • Rússia
  • Suécia
  • Império Otomano
  • Estados Unidos

Fizeram-se representar na conferência o Imperador da Alemanha, Rei da Prússia; o Imperador da Áustria, Rei da Boêmia e Rei Apostólico da Hungria e dos belgas; o Rei da Dinamarca; o Rei da Espanha; o Presidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da República Francesa; a Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; o rei de Itália; o Rei dos Países Baixos, Grão-Duque do Luxemburgo; o Rei de Portugal e de Algarves; o Imperador de todas as Rússias; o Rei da Suécia e Noruega e o Imperador dos Otomanos.(Foto mesa da conferencia)

Conferência de Berlim

 

A reunião foi proposta pelo chanceler alemão Otto von Bismarck.

Otto von Bismarck

 

O convite dos governos de Paris e Berlim a Portugal para participar na Conferência de Berlim é feito no dia 12 de outubro de 1884, em carta enviada pelo ministro da Alemanha, em Lisboa, Sr. De Schmidshals, dirigida ao ministro José Vicente Barbosa du Bocage (DOC 461).

Nessa carta, Alemanha e França definem desde logo os pontos em que gostariam que fosse estabelecido um acordo:

  1. “Liberdade de comercio na bacia e nas embocaduras do Congo;
  2. Aplicação ao Congo e ao Niger dos princípios adotados pelo congresso de Viena, no intuito de consagrar a liberdade de navegação em vários rios internacionais, princípios aplicados mais tarde ao Danúbio;
  3. Definição das formalidades a observar para que as novas ocupações nas costas d’Africa sejam consideradas efetivas” (DOC 166 407)+DOC 482).

 

A resposta a esta carta é dada pelo ministro dos Negócios Externos português, no dia 15 de outubro (DOC 461A).

Nessa carta o ministro aceita o convite formulado e a propósito dos pontos sugeridos para a Conferência refere que sempre Portugal tem manifestado a intenção de admitir o princípio da liberdade de comercio e navegação na bacia e embocaduras do Zaire, quando estabelecesse uma administração regular nos territórios compreendidos na costa ocidental de Africa, entre o 5º grau e 12 minutos e o 8º de latitude meridional e por conseguinte aos territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz (ver a este propósito documento publicado, em 1885 e elaborado pelo Visconde de Santarém, digitalizado pela Biblioteca Nacional que demonstra os direitos que a Coroa tem aqueles territórios http://purl.pt/17011/5/P1.html

A formalização da conferência foi feita em outubro mas já em julho através da troca de correspondência do ministério dos Exteriores é possível verificar que já há muito se falava nessa possibilidade.

Numa carta enviada pelo embaixador em França ao ministro dos Negócios externos, Barbosa du Bocage, a propósito de uma conversa tida com o ministro dos Negócios Estrangeiros português, já se alude à realização da conferência.

Nesta carta o embaixador informa ter feito sentir o seu lamento pela Inglaterra ter abandonado o Tratado do Zaires.

“Inconvenientes do estado anárquico em que se acham as regiões do Baixo Congo, inconvenientes que se podiam evitar entregando a Portugal aquelas regiões a que tinham antigos direitos e cuja soberania há muitos anos reclamava.”

Acrescentava o embaixador ter encontrado da parte do governo francês alguma simpatia pela causa portuguesa mediantes eventuais contrapartidas. (DOC 212)

 


No dia 12 de julho, Miguel José Dantas, embaixador em Londres, seguindo instruções de Lisboa informa ter pedido esclarecimentos ao Lord Granville sobre se o governo inglês tinha sido consultado e o que tinha respondido sobre a proposta feita pela Alemanha à França de realizar uma conferência sobre negócios no Congo, ao que o governo francês teria respondido que concordava desde que a conferência se ocupasse exclusivamente da navegação do rio.

Nesta mesma carta, o embaixador em Londres já vai adiantando que se encontrou informalmente com o subsecretario de Estado e que este garantiu que o governo inglês não recebeu nenhuma comunicação. (DOC 191)

Aliás, dias depois a 22 de julho, Dantas volta a escrever a Lisboa para informar que não tem sido possível encontrar-se com Granville mas que imagina que ele também não queira pronunciar-se sobre a realização da conferencia sem saber o que pensam Alemanha e França. (DOC 197)

Simultaneamente Portugal questiona a Inglaterra sobre os atos levados a efeito pela Associação Internacional Africana contra os chefes de Boma e a utilização de trabalho escravo. A 22 de julho, Portugal pergunta à Inglaterra se pretende continuar a Associação Internacional Africana. (DOC 198)


E volta a insistir a 31 de julho quando numa extensa carta, Barbosa du Bocage pede a Miguel José Dantas para explicar mais uma ao governo inglês as “tentativas da Associação Internacional para adquirir por intimidação e fraude direitos de soberania em territórios de que temos sempre reclamado o domínio incontestável”. (DOC 208)

Documentos do Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros dão conta de uma verdadeira “tormenta” diplomática de contatos, cartas e telegramas trocados na altura entre o ministério dos Negócios Externos liderado por José Vicente Barbosa du Bocage e as legações portuguesas.

Por exemplo, a 24 de outubro de 1884, a legação de Bruxelas escrevia referindo que o plenipotenciário belga, Barão Lambermont estava a apressar os preparativos “receando muito que se chegar decisão telegráfica da América, Bismarck exija convocação imediata da conferência”. Na mesma missiva o responsável da legação refere ainda que o Barão lhe confessou “o quanto o amedronta ir afrontar o colosso Bismark” (DOC 442).

E de acordo com carta enviada a 9 de novembro de 1884, pela legação de Bruxelas ao governo português acusando a informação transmitida por Lisboa sobre a realização da conferência em Berlim, nem mesmo o anúncio de tal conferência fez parar as movimentações do rei Leopoldo. (DOC 146 441 443)

Portugal fez-se representar por uma delegação composta por:

  • António Serpa Pimentel
  • António José da Serra Gomes (Marquês de Penafiel) Luciano Cordeiro
  • Carlos Roma du Bocage (adido militar, filho de Barbosa du Bocage)
  • José P. Ferreira (adido) e Manuel de Sousa Coutinho (segundo secretário) foram os representantes portugueses na Conferência de Berlim, os três últimos como secretários.

Na ata geral redigida no final da reunião com o nome dos representantes dos países pode ler-se:

“S. M. Rei de Portugal e de Algarves etc.: Da Serra Gomes, Marquês de Penafiel, Par do Reino, seu Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto a S. M. Imperador da Alemanha, Rei da Prússia; e António de Serpa Pimentel, Conselheiro de Estado e Par do Reino.”

 

A reunião foi o resultado de uma complexa negociação de bastidores e muita diplomacia. A correspondência entre as embaixadas portuguesas atesta isso mesmo.

A conferência definiu como pontos essenciais que acabaram por reverter para a ata:

  • Liberdade de comércio em toda a bacia do Congo e os seus afluentes;
  • Aplicação dos princípios do Congresso de Viena quanto à navegação nos rios internacionais, entre outros o Níger e o Congo;
  • Definição de regras uniformes nas relações internacionais relativamente às ocupações que poderão realizar-se no futuro nas costas do continente africano;
  • Proibição do tráfico de escravos e a neutralidade dos territórios compreendidos na bacia convencional do Congo;

A questão mais importante para Portugal foi a que constou do capítulo VI do Acto Geral de Berlim com dois artigos e que definiu as condições essenciais para que as novas ocupações na costa do continente africano fossem consideradas efetivas.

No artigo 34º referia-se o seguinte:

“A potência que de agora em diante tomar posse de um território nas costas do continente africano situado fora das suas possessões atuais, ou que, não os tendo tido até então, vier a adquirir algum, e no mesmo caso a Potência que aí assumir um protectorado, fará acompanhar a Ata respectiva de uma notificação dirigida às outras Potências signatárias da presente Ata, a fim de lhes dar os meios de fazer valer, se for oportuno, suas reclamações.”

No artigo 35º acrescentava-se o seguinte:

“As Potências signatárias da presente Ata reconhecem a obrigação de assegurar, nos territórios ocupados por elas, nas costas do Continente africano, a existência de única autoridade capaz de fazer respeitar os direitos adquiridos e, eventualmente, a liberdade do comércio e do trânsito nas condições em que for estipulada”.

Na Conferência nada ficou definido sobre as antigas ocupações, nem tão pouco sobre os territórios do interior (estratégia de expansão que Portugal seguiu a partir de 1877 com as expedições de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens).

O artigo 34º estipulou apenas para o futuro e referiu-se unicamente aos territórios nas costas do continente africano.

Por outro lado, o novo conceito de direito internacional colonial baseado não no direito histórico da descoberta mas sim na ocupação de facto prejudicou Portugal que em muitos casos apenas dominava feitorias costeiras.

Na lógica de separação que vingou, Portugal foi obrigado a aceitar o direito de livre navegação nos rios (internacionais) Congo, Zambeze e Rovuma e deixou de ter o controlo da foz do Congo e ficou apenas com o enclave de Cabinda.

No pós Conferência de Berlim esta situação deu origem a várias discórdias, envolvendo Portugal.

A conferência terminou no dia 26 de Fevereiro de 1885 com os 19 representantes plenipotenciários dos 14 países presentes à Conferência a assinarem o seu Ato Geral composto de 4 declarações, 2 atos de navegação, 7 capítulos e 38 artigos.

Em março o Ato Geral foi publicado juntamente com a Convenção de Reconhecimento dos Limites de Ação da Associação Internacional Africana e o Livro das Propostas e Projetos discutidos durante o encontro.