É o pesadelo dos serviços de informação e de segurança em toda a Europa. Desde 2013 o movimento de ida de europeus para a Síria e para o Iraque intensificou-se além de todas as expectativas, tal como a radicalização. O número de pessoas que acreditam no islão radical e que aderem às fileiras do Estado Islâmico é calculado em milhares.

Cada uma das centenas que regressam aos países de origem é uma potencial ameaça terrorista.

A União Europeia tem apontado o dedo à Turquia, acusando-a de fazer pouco para apertar a vigilância dos 1,200 quilómetros das suas fronteiras com a Síria e Iraque, evitando que milhares de europeus desembarquem nos seus aeroportos e portos, seguindo depois diretamente para aqueles países, utilizando os próprios meios e redes de contrabando ou da Jihad islâmica.

Ancara devolve a acusação, afirmando que intercetou já 1150 pessoas, reenviando-as para os seus países de origem, e afirmando que a Europa necessita de fazer mais para prevenir a radicalização na origem.

Atentados e julgamentos

Um caso paradigmático do risco que representam estes europeus radicalizados e muitas vezes opositores da cultura ocidental, é o do francês Mehdi Nemmouche, que saiu da Síria via Istambul, viajou pela Ásia, reentrou na Europa pela Alemanha e regressou a França, para, semanas depois, passar a fronteira com a Bélgica e matar quatro pessoas num museu judaico, no dia 24 de maio de 2014.

Nemmouche foi capturado dias depois do atentado contra a comunidade judaica e a sua prisão preventiva foi prolongada em finais de dezembro por mais três meses, enquanto decorre um inquérito. Mas poderão existir milhares de Nemmouche em toda a Europa.

O Comissário da Polícia Metropolitana de Londres, Bernard Hogan-Howe, afirmava à BBC em finais de novembro que, de acordo com os seus cálculos, se tinham evitado “quatro a cinco atentados terroristas” em solo britânico, só em 2014, quando a média é de um anualmente.

Hogan-Howe avisava para o aumento da pressão sobre os recursos humanos e materiais perante a ameaça crescente.

Em dezembro de 2014, um tribunal de Frankfurt, na Alemanha, condenou um homem que admitiu ter servido nas fileiras do Estado Islâmico na Síria antes de regressar ao país. Outro caso, um libanês, admitia ter vindo à Alemanha para comprar armas e medicamentos para a organização terrorista.

São apenas alguns dos exemplos daquilo que as forças europeias, de segurança e judiciais, têm de enfrentar a nível interno.

A vigilância e acompanhamento de cada um dos combatentes ou emigrados jihadistas é aliás praticamente impossível. A única possibilidade de reacção é estender a responsabilidade de vigilância e de informação até ao nível de polícias e estruturas municipais alega mesmo um estudo dos serviços holandeses de informação e de segurança.

Nos limites

Enquanto a própria natureza da militância implica que muitos dos combatentes estrangeiros encontrem a morte, dezenas de outros regressam, colocando aos serviços nacionais o problema do que fazer com eles e de como os julgar.

Em finais de 2014 calculava-se que o número de combatentes estrangeiros na Síria e no Iraque (nem todos aderentes a organização do Estado Islâmico) ultrapassasse os 12.000, entre eles cerca de 3.000 de países ocidentais.

Destes, entre 400 e 800 serão franceses, 500 britânicos, 550 alemães, 300 suecos e 250 belgas. Os contingentes de outros países europeus serão menos significativos mas isso não significa que não tenham de se envolver na luta contra a radicalização islâmica.

A 11 de dezembro de 2014 o procurador-geral federal da Alemanha, Harald Range, admitia que os seus serviços estavam quase bloqueados devido ao aumento em flecha de casos de radicais islâmicos investigados, de 2013 para 2014.

Em 2013, os serviços federais investigaram cinco entre oito casos suspeitos, mas em 2014 este número aumentou praticamente 10 vezes, com 80 casos suspeitos e 46 investigados e considerados graves. Os serviços regionais investigam por seu lado mais 100 casos.

“Estamos no limite das nossas capacidades”, afirmava Harald Range, acrescentando que a Alemanha se encontra “na encruzilhada do terror jihadista” e que há uma enorme vaga de casos pendentes.

Um enxame

Todos os serviços europeus de segurança estão a estudar a nova ameaça que pareceu surgir do nada, de um dia para o outro.

Uma das novidades da nova propaganda jihadista identificadas no relatório dos serviços holandeses de informação em finais de dezembro, é a forma profissional de agir dos recrutadores para evitar chamar a atenção das autoridades e manter-se nos limites da legalidade.

Redes sociais e de media ensinam aos recrutas como proceder, desde como fazer explosivos até viajar mentindo às autoridades, dizendo que vão a um casamento ou de visita à família.

O uso das redes sociais na internet também se alterou e, em vez de existir um líder a enviar mensagens aos seus seguidores, a interatividade é agora horizontal. Centros múltiplos implicam que as mensagens sigam de muitos para muitos, acelerando o processo de radicalização.

A nova dinâmica do movimento jihadista assemelha-se a um enxame, descentralizada, veloz e fluída. Os seus membros agem autonomamente e todos têm uma ideia clara onde querem chegar. São características que tornam o movimento mais forte e mais flexível e simultaneamente dificultam a acção das forças de segurança que, tipicamente, só conseguem atingir indivíduos.

Mulher gra-bretanha 24 maio 2011

Montra numa rua de Birmingham, Reino Unido, a 24 de maio de 2011 (Reuters)

Um novo perfil

O perfil dos jihadistas mudou igualmente nos últimos anos. No seu relatório publicado a 4 de dezembro de 2014, os serviços de informação holandeses (AIVD) dizem que esta é a primeira geração que cresceu com as redes sociais. Na Holanda, a maioria dos radicalizados são homens de cerca de 20 anos, muitas vezes holandeses de terceira e quarta geração de ascendência marroquina.

Também não são ignorantes nem criminosos, muitos têm cursos superiores. E não são apenas combatentes a viajar para a Síria mas antes famílias inteiras, com a intenção de viver no país. Muitas mulheres viajam sozinhas com intenção de se casarem com um combatente do EI.

Uma caracterização que parece estender-se a todos os países europeus.

Em Portugal, a morte de um jovem de Sintra em combates na Síria, nas fileiras do Estado Islâmico foi notícia dias depois do ministro dos Negócios Estrangeiros ter lançado a polémica ao admitir a existência de 10 a 15 portugueses, de ambos os sexos, nas fileiras do Estado Islâmico, muitos dos quais “queriam regressar”.

O AIVD, afirma que, há 10 anos na Holanda, existiam poucas redes de radicais islâmicos, na sombra e dormentes, que se ficavam sobretudo pela retórica e raramente passavam à acção.

O papel das forças de segurança era então relativamente simples, argumentam os mesmos serviços, passando por identificar o suspeito e falar com ele para o convencer a mudar de ideias, um método com bastante sucesso, argumentam.

Em 2013 isso acabou. Em poucos meses, várias centenas de holandeses partiram para a Síria, surpreendendo as autoridades. Internamente haverá ainda milhares de simpatizantes do Estado Islâmico.

“Porque é que vão tantos?”

No final de 2014 o procurador-geral federal da Alemanha assumia-se preocupado e intrigado com o fenómeno da radicalização. “Porque é que vão tantos?”, perguntava, resumindo a perplexidade de milhares de europeus.

“Preocupa-me a velocidade à qual as pessoas se estão a radicalizar ou são radicalizadas. Enfrentamos um fenómeno que necessita uma estratégia abrangente de prevenção”, afirmava Range. “Ainda sabemos pouco sobre os seus motivos mas com cada caso aprendemos mais”.

A preocupação de Range é transversal a todas as autoridades europeias. O certo é que, em 24 meses, muito do que se sabia sobre o movimento jihadista mudou.

Para o AIVD, o islão salafita mudou de discurso devido à presença de imãs estrangeiros que se estabeleceram no país e que passaram a pregar uma radicalização violenta que atrai sobretudo os jovens muçulmanos e empurra outros imãs locais a imitarem o discurso, sob pena de perder seguidores.

Foad e a foto da irma de 15 anos que fugiu para a Siria, 6 10 2014 Christian Hartmann Reuters

Foad, francês de origem marroquina, mostra a foto da irmã Nora, de 15 anos, que saiu de casa em janeiro de 2014 para ir para a Síria e se recusou a acompanha-lo quando ele a foi buscar. Foad acredita que ela esteja ameaçada de morte caso abandone o grupo jihadista onde vive.

Os pregadores aprenderam com os seus colegas na Grã-Bretanha e na Bélgica a manter-se dentro dos limites da liberdade de expressão, evitando ser detidos por incitamento ao ódio, provocando dentro de limites legais. Colocam assim questões sérias aos limites a impor à liberdade ideológica.

Outra vítima da luta contra o islão radical poderá ser a livre circulação nos 25 países abrangidos no espaço Schengen, pelo menos para certos indivíduos. A liberdade de expressão, sobretudo através da internet e nas redes sociais. poderá ficar também em causa.

O problema dos combatentes de origem europeia que se juntam a organizações terroristas e que regressam à Europa é aliás o primeiro ponto mencionado na nova Estratégia de Segurança Interna da UE para 2015-2019. A comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeus propunha nesse sentido uma resolução a debater em plenário na terça-feira dia 16 de dezembro e votada no dia seguinte.

O estudo do AIVD, identificava cinco pontos de ação para o Governo Holandês enfrentar o problema e que poderão vir a estar na base de qualquer programa europeu para prevenir o aumento da radicalização.

Cinco pontos de acção

O primeiro, a redução de risco, recomenda a revogação de passaportes e a vigilância de movimentos de indivíduos potencialmente perigosos através das fronteiras.

O segundo, a intervenção das autoridades quando existem preocupações graves quanto ao risco de circulação, especialmente o que envolver crianças.

A terceira prioridade é identificar e desencorajar recrutadores e leva-los à justiça quando possível.

O quarto ponto, prevenir a radicalização, é possivelmente o mais complicado de conseguir, de acordo com o AIVD. O Governo holandês, recomenda o estudo, tem de trabalhar com a comunidade islâmica e usar todo o poder e conhecimento da comunidade.

Por fim, monitorizar fóruns online é vital, assim como notificar fornecedores de sinal para abater sítios mal sejam utilizados para espalhar ideologia radical.

Milhões de muçulmanos na Europa têm procurado estigmatizar a retórica salafita extremista da organização Estado Islâmico, afirmando que ela não reflecte o Islão. As suas comunidades estão entre as mais afectadas pela radicalização e pela emigração de fiéis.

Campanha no Reino Unido

Usar por outro lado a internet para lutar contra o jihadistas é outro passo, considerado no Reino Unido, onde a responsável pela Administração Interna, Theresa May, anunciou uma proposta de lei para forçar empresas de internet a reter dados de Protocolos de Internet e endereços IP a utilizadores individuais, de forma a reforçar a segurança nacional.

A Scotland Yard reconhecia estar extremamente preocupada com o risco de ataques de “lobos solitários”, afirmando que evitar este tipo de atentados era extremamente difícil e obrigava a polícia a reagir “com extrema rapidez”.

Em novembro, a Grã-Bretanha começou a preparar uma campanha nacional de consciencialização da ameaça terrorista, através da qual a polícia irá tentar obter apoios a nível local para prevenir atentados. Reuniões de informação em escolas, aeroportos e centros comerciais estão incluídas na campanha.

 

Por Graça Andrade Ramos