Desde quarta-feira dia 17 de setembro, o avanço do Estado Islâmico (EI) sobre a estratégica cidade curda de Kobani, no norte da Síria, levou à fuga em massa dos civis.
Os militantes arrasaram à passagem primeiro 20 aldeias curdas, depois 40, 60. Milhares de pessoas que aí habitavam pegaram no que podiam transportar e dirigiram-se o mais depressa que puderam para a fronteira em busca de refúgio na Turquia.
E ali pararam, junto ao arame farpado guardado por soldados. Após 24 horas de tensão à espera de autorização de entrada, só na sexta-feira mais de 3.000 pessoas puderam passar. Sábado o êxodo prosseguiu, com 60.000 pessoas a passarem a fronteira.
A Turquia já tem registados 850.000 refugiados sírios e só aceitou receber esta nova vaga depois de saber que os militantes se aproximavam da fronteira e de Kobani.
“A nossa casa foi destruída. Não temos família, nem nada de nosso. Não temos nada agora. Perdemos tudo”. Ibrahim Halil, um curdo sírio acabado de chegar à aldeia turca de Dikmetas na província de Sanliurfa a 19 de setembro.
Domingo. dia 21, confrontos junto à fronteira, entre curdos da Turquia, que pretendiam entrar na Síria para combater o EI e forças de segurança turcas, levaram ao encerramento da maioria das passagens, deixando dezenas de curdos do lado errado da segurança e impedindo militantes curdos de ir reforçar a defesa de Kobani.
Apenas duas passagens se mantinham abertas no domingo dia 21 de setembro, com as autoridades turcas a dizerem que iriam a partir daí registar todas as entradas.
Kobani, a norte de Raqqa, fica em território tradicionalmente curdo. Aí, as milícias curdas YPK, têm combatido os militantes do Estado Islâmico há mais de um ano, sem auxílio internacional e contando apenas com as suas próprias forças.
Chamam-se YPK ou Unidades de Protecção do Povo e são vistas com desconfiança tanto pelos Estados Unidos, que os consideram apoiantes do governo do Presidente sírio Bashar al-Assad, como pelas autoridades turcas, que receiam apoiar através deles os independentistas curdos turcos do PKK.
Sendo a terceira maior cidade curda da Síria , Kobani domina quilómetros de fronteira com a Turquia . O seu controlo é essencial para o Estado Islâmico continuar a receber remessas de armas, militantes e financiamentos, contrabandeando ainda petróleo e outros bens através da Turquia.
Domingo, a ONG ‘Observatório Sírio para os Direitos Humanos’ (OSDH), com sede em Londres e que recebe relatos de diversos contactos no terreno, afirmava que Kobani estava praticamente cercada pelo EI.
O Estado Islâmico “está a progredir e encontra-se a uma dezena de quilómetros” de Kobani, afirmou na altura Rami Abdel Rahmane, coordenador do OSDH.
Os islamitas têm armas pesadas e carros de combate, contra as milícias curdas que defendem a cidade auxiliadas pelos seus irmãos de armas vindos da Turquia.
Apelo curdo
O presidente da região autónoma do Curdistão iraquiano, Masoud Barzani, apelou à comunidade internacional para intervir e salvar as populações. “Os actos bárbaros e terroristas em Kobani ameaçam toda a nação curda e está a atingir a honra, a dignidade e a existência do nosso povo”, afirmou no seu site do dia 19 de setembro.
“Os terroristas do EIIL (o anterior nome do EI) cometem crimes e tragédias onde quer que se encontram, por isso têm de ser atingidos e derrotados onde quer que estejam”, acrescentou Barzani.
Com uma força calculada em 35.000 homens, o Estado islâmico já controla 40% da Síria, no leste, incluindo as províncias de Raqqa e de Deir el-Zor, junto à fronteira com o Iraque.
Além dos territórios que controla na Síria, o Estado Islâmico ameaçou, executou e perseguiu milhares de pessoas no seu avanço pelo norte do Iraque desde junho. A maioria eram cristãs e yazedis. Mas até muçulmanos xiitas e sunitas conheceram a sua crueldade se recusaram converter-se ao tipo de Islão defendido pelo grupo extremista.
O drama curdo em Kobani ecoa o das populações yazidis iraquianas, encurraladas no monte Sindar pelo avanço do Estado Islâmico, em julho. Foi necessária uma intervenção humanitária por via aérea , liderada pelos EUA, para salvar milhares de pessoas, sobretudo mulheres, crianças e idosos.
Do mesmo modo, as populações xiitas da região de Amerli, no norte do Iraque, que aguentaram durante dois meses o cerco dos militantes do Estado Islâmico, só foram salvas após uma operação militar de milícias xiitas e soldados iraquianos, apoiados por ataques aéreos norte-americanos e por uma operação humanitária internacional.
A resistência xiita acabou por se tornar um símbolo da luta contra os extremistas do EI.
Por Graça Andrade Ramos