Em 2003, al-Bagdadi era ainda um pregador de 32 anos. Chamava-se Ibrahim Awwad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarri e reagiu como tantos outros à invasão do Iraque por tropas americanas. Sob o nome Abu Du’a aderiu às forças armadas da jihad, especificamente ao grupo fundado e dirigido pelo jordano Abu Musaf al-Zarqawi (em baixo).
A prioridade da agenda de al-Zarqawi foi inicialmente o derrube da monarquia jordana mas a sua luta abrangia também a influência norte-americana e ocidental no mundo islâmico. Considerava mesmo a democracia como anti-islâmica. No final dos anos 90 do século XX, al-Zarqawi envolveu-se com a al Qaeda para treinar combatentes jordanos no Afeganistão, acabando por formar ali o seu próprio campo de treinos, especializado em venenos. No Afeganistão lutou ao lado dos Taliban e da al Qaeda, de quem recebia financiamento embora sem partilhar agendas nem obedecer a ordens. As ligações a Osama Bin Laden eram mesmo tensas. Em 1999, formou o Jama’at al Tawhid al-Jihad (Organização para o Monoteísmo e Jihad) um grupo jihadista de cariz salafita. Zarqawi acabou por estabelecer-se no Iraque e, antes e depois da invasão norte-americana em 2003, geriu a entrada dos mujahedin no país através da Síria, tornando-se de facto o coordenador das suas actividades no Iraque. Em 2004, al-Zarqawi jurou finalmente vassalagem a Osama Bin Laden, juntando-se nominalmente à al Qaeda. O seu grupo passou então a ser conhecido como a Al Qaeda no Iraque, AQI, sendo atribuído a Zarqawi o título de ‘Emir da al Qaeda no país dos dois rios’.
O grande alvo do grupo de al-Zarqawi no Iraque era, de início e especificamente, o exército dos Estados Unidos, que o reconheceu como principal responsável pelos inúmeros ataques e atentados que sofreu em solo iraquiano. A ONU foi igualmente atacada, tendo sido Zarqawi o responsável pelo ataque contra a sede das Nações Unidas no Iraque que, em 2003, vitimou o enviado especial do secretário-geral da ONU ao Iraque, Sérgio Vieira de Mello.
O grupo decapitou igualmente vários reféns ocidentais, alguns dos quais, como os americanos Nick Berg e Owen Eugene Armstrong, em 2004, terão sido executados pelo próprio Zarqawi.
Em 2005, al-Zarqawi enviou uma carta à liderança da al Qaeda, detalhando um plano em quatro fases, incluindo expulsar as tropas americanas, estabelecer um estado islâmico, entrar em guerra com os vizinhos seculares do Iraque e envolver-se no conflito israelo-palestiniano.
Nesse mesmo ano, o líder anunciou guerra aberta também à população iraquiana xiita, após uma ofensiva governamental contra rebeldes sunitas em Tal-Afar, incitando à guerra sectária. Uma estratégia criticada pela al Qaeda mas que demostrava que a organização de Bin Laden pouco podia fazer para influenciar a sua alegada filial iraquiana.
A maioria dos atentados da AQI eram perpretados por bombistas suicidas e visavam bases militares e concentrações de tropas, americanas e iraquianas, e de milícias xiitas. Os bairros xiitas em Bagdade e cidades xiitas no sul eram igualmente alvo de ataques, assim como peregrinos xiitas. Fizeram milhares de vítimas em todo o país.
Em 2005, os serviços de informação norte-americanos afirmaram estar na posse de uma longa carta do vice-líder da al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, na qual este criticava as ações da AQI que atacavam mais as populações xiitas do que o inimigo ocidental, sublinhamdo o mal estar e divisões que isso causava entre os muçulmanos. A existência da carta foi negada veementemente mas, mais tarde, o mesmo al-Zawahiri criticou publicamente as acções de ‘hipócritas e traidores’ que existiriam nas fileiras da al Qaeda.
Nesse período Abu Du’a ainda não captava atenções internacionais. Apesar de detido pelas tropas americanas, foi libertado. Em outubro de 2005 as forças norte-americanas anunciaram simplesmente a sua morte num ataque aéreo na fronteira com a Síria – uma notícia errónea como depois se viu.
O ano do EII
2006 foi um ano determinante para a AQI e para a jihad no Iraque.
Em janeiro, o grupo tentou ganhar ascendência sobre outros rebeldes nacionalistas seculares sunitas, formando o Conselho da Shura dos Mujahedin (CSM) sob a liderança de Abbu Ayyub al-Masri, mas sem grande sucesso.
A 7 de junho um avião F-16C norte-americano despejou 230 Kg de explosivos sobre uma casa-refúgio a norte de Baquba, numa operação conjunta norte-americana e jordana. Al Zarqawi morreu no ataque.
Apesar desse revés, em 12 de outubro, o CMS, quatro outras fações jihaditas e representantes de várias tribos sunitas, juraram fidelidade mútua e prometeram livrar da opressão os sunitas do Iraque, além de restaurar a glória do Islão.
No dia seguinte declararam o estabelecimento do Estado Islâmico no Iraque (EII ou ISI na sigla inglesa) numa área que incluía os seis governos-gerais maioritariamente sunitas no Iraque. Intenções rejeitadas por outros grupos jihadistas, seculares ou nacionalistas, dentro e fora do Iraque.
Os dois homens fortes do EII foram então nomeados. Um foi o Emir designado, Abu Abdulah al-Rashid al-Bagdadi (que muitos consideram ser apenas uma personagem fictícia, já que se lhe desconhecem quaisquer dados biográficos – e que nada tem a ver com Abu Bakr al-Bagdadi, que virá a nomear-se califa), o outro foi o delfim de Zarqawi, Abu Ayyub al-Masri (em baixo), ministro da Guerra num gabinete com 10 membros.
As táticas violentas e cruéis prosseguiram nos anos seguintes, incluindo contra a população civil. Terá sido nesse período que Abu Du’a se rebaptizou como Abu Bakr al-Bagdadi, subindo nos escalões de comando.
Em 2010, uma nova operação militar, desta vez com auxílio de tribos sunitas iraquianas, provocou oficialmente a morte a Abu Abdulah al-Rashid al-Bagdadi e a Abu Ayyub al-Masri, em Tikrit.
Abu Bakr al Bagdadi assumiu então a liderança do EII. E saiu do anonimato.
Por Graça Andrade Ramos