Quando chegamos, eu e o jornalista Carlos Fino, à capital do Iraque em janeiro de 2003, já sabíamos que o conflito entre americanos e iraquianos poderia rebentar a qualquer momento mas, apesar da animosidade, Bagdade era uma cidade aparentemente normal e alheia aos problemas externos e bélicos que existiam entre os governos iraquiano e norte-americano.
Dois meses depois e após muito braço de ferro diplomático, a guerra entre estas duas nações iniciou-se numa noite amena e pacifica em Bagdade.
A 20 de março de 2003.
Estávamos no quarto 1711 do Hotel Palestina, um dos principais hotéis da margem direita do rio Tigre, transformado no quartel-general dos jornalistas estrangeiros que acompanhavam os acontecimentos no Iraque.
A nossa presença naquele 17º andar, com uma vista magnífica sobre a cidade e o rio, parecia obra do acaso. Nas semanas anteriores tínhamos mudado diversas de alojamento.
Os nossos primeiros quartos tinham sido no hotel Rashid. Mas este foi considerado um alvo devido ao seu uso por militares iraquianos para conferências de imprensa e alojamento. Os jornalistas eram assim usados como autênticos escudos-humanos.
Mudamo-nos por isso para outro hotel, mas este localizava-se junto a uma das torres de comunicações iraquianas, podendo por isso ser atacado, o que nos fez repensar a nossa posição.
Quando uma outra equipa estrangeira vagou o quarto 1711 no Hotel Palestina, foi a nossa grande oportunidade e não a perdemos. Quando se iniciou o ataque americano estávamos ali há poucos dias.
Ainda no dia anterior haviam circulado nos corredores do hotel apostas de que nada iria acontecer apesar das ameaças e ultimatos dados pelos Estados Unidos contra o governo de Saddam Hussein.
Eram cerca das duas da manhã, menos três horas em Portugal, quando o conflito começou. Eu estava em direto, através de videofone, para um programa de Especial Informação que decorria naquele dia na Rádio e Televisão de Portugal, RTP.
Como eu não sabia o que ia suceder estava a filmar a zona governamental de Bagdade em plano geral usando uma pequena handycam que estava ligada ao videofone.
Perguntam-me, uma camera pequena? Porque não a grande? Porque aquela, e não esta, tinha a capacidade de visão noturna, daí as imagens verdes que foram transmitidas.
Subitamente as sirenes ecoaram pela capital iraquiana e pouco depois uma bomba solitária rasgou os céus de Bagdade arrasando um dos edifícios governamentais, situado no lado esquerdo do rio.
Quando a primeira bomba rebentou, com o nervoso a percorrer todo o corpo, tentei não perder o que acontecia diante dos meus olhos.
Longe de imaginar que as imagens do conflito, que estava a captar, seriam as primeiras a ser transmitidas e difundidas mundialmente.
Nos quatro dias (e noites) seguintes, a sucessão de acontecimentos impediu-nos de ir à cama.
Desde essa longa noite, Bagdade nunca mais foi a mesma cidade que eu encontrei quando desembarquei em Janeiro de 2003.
Por Nuno Patrício