Entrevistas

Idles

"Nós não perdemos tempo. Estamos aqui para sermos o melhor que podemos ser"

“Nós não perdemos tempo. Estamos aqui para sermos o melhor que podemos ser”

Na semana em que passaram por Portugal para dois concertos, no Porto e em Lisboa, a Antena 3 falou com os Idles sobre a primeira digressão mundial da banda britânica e o processo que levou à criação do recentemente editado Joy as an Act of Resistance, que, para muitos, é o disco do ano em 2018.

Na conversa com o Daniel Belo, registada depois do concerto no Porto e antes do espetáculo em Lisboa, o vocalista Joe Talbot e o guitarrista Marc Bowen falam de música, do Brexit, da vida em digressão, da consciência plena que ajudou os Idles a mudarem de vida e de filmes como Dirty Dancing e Karate Kid.

O som da entrevista, em inglês, não está traduzido, mas segue-se a transcrição da conversa em português:

 

Como correu o concerto de ontem à noite no Porto?

Mark Bowen — Foi absolutamente deslumbrante. Incrível. Um dos melhores públicos que alguma vez tivemos. Eles estavam mesmo com vontade. Foi ótimo.

Joe Talbot — Eu acho que é o melhor público para quem toquei. Muito recetivos, muito apaixonados, respeitadores… Foram incríveis. É mesmo o que tu queres. Todos tomavam conta uns dos outros. Maravilhoso.

 

E como está a ser esta experiência? A primeira digressão mundial. Se recuarmos um ano, estariam à espera de estarem onde estão agora?

JT — Sim. Foi isto que planeámos. Nós não perdemos tempo. Estamos aqui para sermos o melhor que podemos ser, fazendo digressões, tocando para novos públicos e espelhando a mensagem.

 

Falando da mensagem. Senti uma grande diferença entre o primeiro disco, Brutalism, e este. Estou errado se disser que este disco serve mais para construir pontes do que derrubar paredes? Com mais compaixão e sentimentos positivos?

MB — Absolutamente. Este álbum surgiu numa altura das nossas vidas em que começámos a por em prática a nossa consciência plena e essa ideia de construirmos pontes. Percebemos que enquanto socialistas, enquanto amigos ou companheiros, a nossa capacidade de sentir compaixão pode aumentar exponencialmente se nós próprios mostrarmos compaixão primeiro. O álbum é o reconhecimento disso e uma extensão da nossa compaixão a todos os que nos ouvem. A ideia era entrar em diálogo, incentivar partilhas e construir pontes, como disseste. É isso mesmo.

 

Atualmente, muitos músicos preferem construir uma persona e não se mostrar muito, mas vocês mostram tudo neste disco. Falam sobre coisas difíceis que viveram, sobre coisas que nos perturbam a todos. Porque é que tomaram a decisão de se mostrarem desta forma?

JT — Eu fiz isso em todos os discos, nos dois primeiros EP, no Brutalism… Acho que faz parte de uma mudança que operámos na nossa vida antes de fazermos o Joy as an Act of Resistance. A consciência plena surgiu quando eu estava a fazer terapia e tive de aprender a ser mais vulnerável com a minha companheira, com os meus amigos e com os rapazes da banda. Como sempre faço, escrevo sobre as coisas que me rodeiam, num processo de diegese e sinto que era importante discutir e explorar a noção de ser consciente e ser vulnerável como um acto de resistência contra as pressões da sociedade e as pressões de nos termos tornado uma banda mais popular. Decidimos que ser vulnerável, ser ingénuo era um grande passo para mudar a narrativa do que é ser músico, amigo e companheiro.

 

Quero falar sobre os temas que vocês abordam nas letras, mas não é um pouco contraditório ser uma pessoa de consciência plena no nosso mundo e no mundo da indústria discográfica? Não é uma batalha perdida desde o início?

JT — Porquê? Estamos aqui, não estamos? Nós editámos sozinhos o primeiro álbum, pudemos escolher a editora para lançar o segundo, pagamos tudo sozinhos… Ainda temos algumas dívidas porque as receitas da venda dos discos ainda não chegaram mas pagamos as nossas contas, pagamos por este autocarro… Estamos aqui porque chegámos aqui, não por causa da indústria. Trabalhámos e construímos a nossa própria narrativa. É mais difícil, mas é possível fazeres tudo sozinho. Só tens de trabalhar muito, acreditar naquilo que fazes e falar naquilo que acreditas. Trabalha pelas coisas que acreditas, pelas coisas que amas. Faz tudo pelo amor e assim as coisas não se tornam cansativas.

MB — Os tempos estão a mudar. As pessoas estão fartas com os cadáveres inchados da indústria discográfica tal como ela é e querem qualquer coisa diferente, real e honesta. Consegues ver isso em bandas que estão a surgir. Há um ressurgimento da vontade de ser real.

 

Saltando para os temas que estão presentes nas vossas letras. O Brexit é algo incontornável. Vocês vão ter de viver com isso e ainda não sabem bem o que vai acontecer… Mas o governo de Theresa May já assinou o acordo com Bruxelas e as coisas estão a rolar. O facto de vocês tentarem falar para os defensores do Brexit de uma forma mais positiva já trouxe algum resultado positivo? Já conseguiram ter boas conversas com defensores do Brexit para fazê-los perceber o vosso ponto de vista?

JT — Não. Não, mas também não estávamos à espera disso. Exercitar a nossa consciência plena, sermos proativos, produtivos e com capacidade de sentirmos compaixão não significa que vás conseguir algo com que fiques contente. Só significa que estás contente na tua própria pele e com o que fazes e que estás confiante por ter feito o correto. Isso não quer dizer que obtenhas os resultados que pretendes… Mas não o fazes por razões egoístas, fazes para seres o melhor que conseguires ser. Se acreditas verdadeiramente em políticas de esquerda tens de aceitar que nem sempre vais estar certo. Eu discordo veementemente de tudo o que tem a ver com o Brexit. Na sua base há racismo mal disfarçado e xenofobia que fomentam o medo e o ódio. São ataques aos pobres, aos imigrantes, às pessoas com pouca educação que são manipuladas para tomar decisões sem saberem bem porquê. É injusto e é uma vergonha, mas isso não significa que eu passe a atacar as pessoas porque não concordo com elas. O que faço é ouvir e tentar percebê-los para que pelo menos algumas pessoas no país estejam numa posição de conhecimento. Eu consigo pelo menos perceber porque é que as pessoas tomaram essas decisões e é a partir daí que se constrói um futuro melhor. Se eu simplesmente as afastar, fechar a porta e disser: “vai-te lixar, és estúpido”, nada vai acontecer. Só vou criar conflito e isso não vai melhorar a minha vida e certamente não melhora a vida deles.

MB — Eu acho que isso também é importante. O nosso público não é composto de defensores radicais do Brexit. Nós até podíamos fazer uma canção para essas pessoas mas elas não vão ouvir porque no geral não prestam atenção à nossa banda. O que nós fazemos é falar com as pessoas que ouvem a nossa banda e dizer-lhes que aquilo que melhor que confrontar essas pessoas, chamá-las de racistas e massacrá-las por causa da decisão errada que tomaram é entender que as pessoas querem mudanças no país, perceber o que está errado e encontrar melhores soluções, oferecer algo diferente do Brexit, ouvir as pessoas que estão anseiam pela mudança. Assim talvez consigamos chegar a resultados positivos. O nosso papel é fomentar essa discussão com as pessoas que nos ouvem do que ter uma discussão acesa com alguém que defende posições mais extremas.

 

Mas, apesar disso, continuam a tentar chegar ao tipo que vive na praceta sem saída, agarrado ao seu ecrã de 50 polegadas. Falar com ele e não o afastar.

JT — Sim, claro. Temos de manter a mente aberta ao que dizem os dois lados do debate.

 

E os exemplos que vocês dão, por exemplo na canção “Danny Nedelko”. Porque é que escolheste o teu amigo como metáfora para todos os imigrantes que boa parte dos ingleses não aceitam?

JT — A ideia da canção surgiu porque nós combinámos cada um escrever uma canção sobre o outro, não tanto porque eu decidi escrever uma canção sobre os imigrantes. Eu nunca tenho um tema em mente quando vou escrever uma canção. Fazemos a música e depois eu afasto-me para a ouvir até que surja uma ideia. Foi assim que aconteceu.

 

Eu não sei se vocês dão muita importância às listas de melhores álbuns do ano, mas vocês entram em muitas e em algumas até ocupam o primeiro lugar. É coisa que vos interesse? Como é que encaram estas escolhas?

JT — É interessante. Não podemos ignorar o que se passa à nossa volta. As reações ao álbum têm sido muito positivas. É claro que nem toda gente vai gostar porque é música e o objetivo é esse, mas é interessante perceber que se tornou muito popular mas não significa nada em relação ao que vamos fazer a seguir. Tem de ser assim porque de outra maneira estamos a perder. Não podemos permitir que a situação afete a nossa motivação. Tem de afetar a nossa perspectiva porque estamos no meio disto – somos mais populares, estamos a tocar em salas maiores, o Brexit vai mesmo avançar e as pessoas estão a pôr-nos no topo das listas. Tudo coisas que tens de ter em conta mas temos de nos manter motivados para o que é a verdade, que já existia antes deste álbum e antes do Brutalism: Tens de fazer o que gostas que é escrever boas canções. Não tem nada a ver com chegar ao topo de uma lista mas aceitar isso é uma coisa bonita. É ótimo. Sabe bem. Mas não andamos à procura dessa gratificação. A única gratificação que eu quero é para mim, para ele e para minha companheira.

 

Sobre o vosso método. Vocês começaram a trabalhar em Joy as an Act of Resistance quando acabaram o Brutalism. E agora?

JT — Já começámos o terceiro disco.

 

E como tem sido equilibrar as digressões com a escrita do novo disco?

JT — Dormimos muito, damos espaço uns aos outros, comemos muita porcaria… Comemos tanto açúcar… (risos)

MB — Ao início tínhamos grandes ideias, íamos comer comida super-saudável e fazer uma dieta cetogénica e beber smoothies verdes.

JT — Trouxemos uma misturadora Nitro Bullet para a digressão… Tentámos… Eu estou a exagerar porque é engraçado, mas a nossa intenção era estarmos sempre saudáveis, fazer yoga de manhã… Mas a realidade – e esta é uma coisa importante que devemos voltar a fazer – é que nós nos preparámos muito para a digressão, sobretudo mentalmente. No início da tournée a minha saúde mental estava melhor que nunca. Estou sóbrio há sete meses… Bebi um par de cervejas, não vou mentir, mas no geral nunca bebi mais que uma cerveja… Estou na melhor relação em que alguma vez estive porque o meu comportamento mudou… Estava num sitio muito bom mentalmente e em boas condições físicas… Nunca vou entrar no Baywatch – ora aí está mais uma referência arcaica que não sei porque me passou pela cabeça. Também não vou participar no Love Island… Enfim, preparámo-nos e estávamos em grande forma, tanto eu como os rapazes, e o Joy as an Act of Resistance documenta a nossa transformação em pessoas melhores. Para nós, para os nossos companheiros, para as nossas famílias. Eu estava no auge do meu alcoolismo e o Lee ainda luta com isso, apesar de ter melhorado… Mas apesar de toda a preparação sucumbimos, sobretudo eu, e voltei a beber muito… Não todos os dias, de vez em quando, mas isso é mau porque não quero voltar a consumir álcool. Só como porcarias, comida má, acordo às duas da tarde porque estou exausto mas a minha saúde mental é boa porque mantenho a minha consciência plena. Não me tenho portado mal, só uma ou outra vez, mas a vida em digressão toma conta de ti, por isso devo dizer que percebo que as pessoas que não tenham tido um período como este que nós tivemos devem ter tido muito trabalho para conseguir melhorar. É uma loucura. Eu não preciso de violinos, não é o trabalho mais duro do mundo como o da minha companheira que é enfermeira, ela sim trabalha no duro. Eu não trabalho no duro, mas mentalmente esta é uma vida estranha de se viver… Acordas num sítio novo que não chegas a ver porque tens trabalho a fazer…é uma instabilidade constante e isso tem um preço. Mas é bom. Eu não estou preocupado. Nós estamos todos bem, com muita vontade de regressar a casa, mas acredito que as pessoas que sofrem mais que do nós com problemas de saúde mental acabem por sofrer muito nesta vida. Não conseguiriam passar três meses seguidos na estrada. É de loucos.

 

Vão aproveitar esta pausa para descansar e recuperar forças.

JT — Sim. Mal chegue vou direto para o ginásio. Tenho que melhorar a minha aparência porque estou com um aspeto assustador e como me vou casar em breve tenho de começar a ser saudável outra vez.

 

Uma nota para uma curiosidade que tenho. Estava a ler um faixa-a-faixa do disco que fizeste para a NPR e vi lá duas referências ao filme Dirty Dancing. Porquê?

JT — Porque adoro. É um bom filme. Cresci a ver esse filme e o Karate Kid… Gosto dos três. O primeiro é o melhor, o dois é bom e o terceiro talvez seja o segundo melhor porque ele é o mais mauzão de todos.

MB — E o que pensas do remake, com o Jackie Chan?

JT — É porreiro, bom filme de sábado à tarde. Mas a referência serve para ilustrar o que um homem deve ou não gostar de acordo com a Bíblia da masculinidade que não existe. É algo bizarro de que gosto e que é nostálgico. Até nesse filme os clichés de género são problemáticos… Logo a começar com o facto der ela se chamar Baby. É só um filme de que eu gosto, que sei que vai incomodar algumas pessoas e eu gosto de incomodar as pessoas. Especialmente pessoas estúpidas.

 

Uma última questão… A frase “love yourself” que repetes na música “Television”. Podemos olhar para essas duas palavras como sendo a síntese da mensagem que vocês querem passar com este disco?

JT — Sabes que no outro dia fizeram-nos uma pergunta semelhante… perguntaram qual seria a letra que sintetiza o álbum e eu respondi “love yourself”. Foi exatamente isso que fizemos. Aprendemos a amar-nos a nós próprios e queremos criar um sítio seguro – metafórica, ideológica e literalmente – onde as pessoas possam chegar, sentir-se seguras e serem elas mesmas.