Oub'lá

You Can’t Win, Charlie Brown

Foto: Vera Marmelo

Marrow é uma explosão, mas vem com uma paleta de cores bem definida”

Já desde a semana passada que podemos escutar o novo disco dos You Can’t Win, Charlie Brown. Marrow é o nome do terceiro álbum do grupo de Afonso Cabral, Salvador Menezes, Luís Costa, David Santos, Tomás Sousa e João Gil. Por serem tantos, e pelas dificuldades naturais de conciliar agendas – às vezes até para conseguirem estar juntos para ensaiar é uma confusão – sentámo-nos à beira do vocalista Afonso que nos falou da nova forma de trabalhar do grupo.

O grupo tem hoje uma sala de ensaio própria, o que fez com que a composição através das transferências de ficheiro via e-mail, tão habituais nos dois primeiros discos, tenham sido postas em suspenso. Marrow, que significa “medula”, traz-nos uma banda mais espevitada, mais enérgica, festiva e distorcida. Os “Charlie Browns” vêm ligados à corrente e se a Lucy não se põe a pau vai acabar por ser ela a chutada em vez da bola de futebol. Para tirar a limpo hoje à noite, no concerto de apresentação de Marrow no Lux.

Foram quase três anos desde o lançamento de Diffraction/Refraction. O que é que aconteceu nos You Can’t Win, Charlie Brown entre esse disco e este Marrow? Conversaram muito sobre o que gostariam de fazer no futuro?

Estranhamente não houve assim muitas conversas. Estávamos um bocadinho, todos, com a mesma sensação que teríamos de fazer uma mudança mais radical do que a que tínhamos feito até agora. E isso foi uma coisa natural, porque do primeiro para o segundo disco houve uma continuidade muito mais notável do que há agora, em parte porque havia músicas que já vinham de trás e prosseguiram. Apercebemo-nos todos de que, nesta altura, já não tínhamos muito para ir naquele caminho.

Como é que perceberam isso? Já não vos soava bem?

Não, aquilo soa bem! A questão é que sentimos que esgotámos as ideias para aquilo. Já não sai. Sentes que estás a reciclar e isso não nos interessa para nada. É sempre bom estar um bocadinho fora de pé. Por isso decidimos, ao sentir isso, que íamos mudar radicalmente a forma de fazer canções: nos outros discos foi muito mais uma coisa que partia de um indivíduo da banda que tinha tudo, praticamente, construído. Na altura trocávamos emails em que se mandavam arranjos. E aqui tentámos ao máximo fazer as músicas na sala de ensaios, os seis juntos – ou os que pudessem estar. Isso cria uma dinâmica diferente e acaba por ser um processo de criação novo, se calhar, até mais normal. Esse ponto de partida diferente ia dar-nos algo de novo.

Exige um grande compromisso entre todos.

Exige. Exige gerir calendários muito bem, porque somos seis pessoas com vidas completamente diferentes uns dos outros, com empregos e/ou outras bandas. É sempre complicado. Mas há um fator muito importante: pela primeira vez na nossa história temos uma sala de ensaios nossa onde está já tudo montado, podemos ir e começar a tocar – é no HAUS. Isso deu-nos um outro à-vontade para fazer um disco desta forma. Alugar uma sala de ensaios, ou estar na garagem de alguém, só o tempo que se perde a chegar, montar, ligar… quando chega a altura de trabalhar, já se está farto daquilo. A sala deu-nos uma liberdade nova. E depois também seria interessante mudar todo o processo de gravação: em vez de ser nos estúdios 15A da Pataca gravámos lá no HAUS. Nos estúdios da Pataca tínhamos sempre quase um tempo quase infinito para estar a gravar e a mexer e desta vez não queríamos isso.

Queriam mais pressão?

Exatamente: ter tudo definido na hora de entrar no estúdio, onde estivemos 15 dias, gravámos e ficou tudo feito. Mantivemos a mistura, que foi feita pelo Luís Nunes, só para não estarmos a mudar tudo de uma só vez! Foi esta a forma que arranjámos de suscitar uma criatividade diferente.

 

“É um disco um bocado mais extrovertido. O facto de termos estado os seis juntos a compor e a tocar faz com que as coisas nos deem “mais pica”, que sejam mais imediatas ao vivo”

 

O que é que essa alteração, meio radical, trouxe de novo aos YCWCB? Estão mais ousados?

Não sei bem. É um disco um bocado mais extrovertido. Por termos estado os seis juntos a compor e a tocar faz com que as coisas nos deem “mais pica”, que sejam mais imediatas ao vivo. Enquanto estás a trabalhar num ambiente mais solitário, em casa, estás a pensar unicamente no disco. Aqui queríamos coisas que fossem mais imediatas. Aliás, a ideia original era mesmo estarmos os seis, em estúdio, a gravar ao vivo. Mas isso também já era ir longe demais, porque as músicas não se prestam a isso. O Quim Albergaria, que passava lá pela sala quando estávamos a gravar, disse-nos: “Eu gosto dos vossos discos, mas parecem discos mais virados para vocês. E estou a ouvir estas músicas e parecem músicas mais viradas para fora.” Achei muito interessante que ele tenha dito isso, porque é verdade: pode não ser consciente, mas é verdade.

As canções de Marrow parecem ser mais corpulentas. Desde a composição até à duração dos temas.

Sim, de facto são canções longas, pelo menos para os nossos padrões. São faixas de seis minutos, seis minutos e meio. E isso também foi natural: temos opiniões divergentes dentro da banda. Eu sempre gostei de canções mais longas, o David gosta de canções mais curtas. Neste caso, elas faziam sentido assim, longas. E, se calhar, por algumas delas serem mais fruto de ‘jam session’ dá azo a que sejam um bocadinho mais longas.

Achei interessante que um single como “Pro-Procastinator”, uma canção que fala sobre os dramas da procrastinação, acabe por ter seis minutos e meio.

Então, é mesmo assim. Não a queríamos acabar (risos).

Também são profissionais da procrastinação na música?

Somos um bocadinho. Somos capazes de estar naquele processo durante vários anos. Se não impusermos um prazo, uma meta, aquilo não vai acabar. Lembro-me que faltava menos de um mês para irmos para estúdio gravar e havia imensa coisa por fazer, que havia pessoal na banda a dizer que não ia dar, que tínhamos de adiar as datas. E havia quem dizia que se não tivéssemos este prazo, dali a dois meses íamos estar exatamente no mesmo ponto. E a verdade é que nesse mês avançámos tanto como nos cinco meses anteriores. Sim, somos procrastinadores: mas talvez nem seja assim tão mau. É tempo em que se está a arrumar as ideias e não a passá-las logo para o papel, para a fita ou para o computador. Ficamos a a arrumar as coisas para que depois seja mais fácil de trabalhar.

 

“Apesar de passar por continuar a passar por vários ambientes acaba por ser o disco mais coerente que já fizemos”

 

É complicado fazer a gestão de seis personalidades e de seis agendas?

Acho que já foi mais difícil. Nesta altura já estamos tão habituados a trabalhar juntos – claro que podemos sempre discordar de algumas coisas – mas também iríamos discordar se fossemos dois. Felizmente estamos numa banda em que não há problemas de egos e, portanto, a gestão é pacífica.

Foste tu que escreveste as letras e as histórias deste Marrow?

Da maior parte delas sim – tirando duas, acho eu. Para mim, mais do que propriamente pensar numa história, o processo faz parte do lado musical. Quando nasce uma canção, por alguma razão, eu canto qualquer coisa por cima que nem sequer são sons ou palavras. Há certas métricas que têm de encaixar ali, certas sílabas. Depois vou ouvindo, apanho uma ou outra palavra e tento pensar em histórias que poderiam surgir a partir dessa palavra.

As histórias no disco são mais fruto da tua imaginação do que da tua auto confissão?

Sim, é muito mais tentar contar uma história, qualquer coisa. A maior parte vem da cabeça e não do estômago (risos).

Nunca usaste a música para fazer a expiação de pecados e desilusões

Não! Sou um bocado envergonhado nesse aspeto. Há quem faça isso como uma espécie de terapia, mas eu sou demasiado envergonhado para me expor tanto nas canções.

 

“Por termos estado os seis juntos a compor e a tocar faz com que as coisas nos deem “mais pica”

 

A imaginação protege-te?

Sim! Mas não quer dizer que não haja ali uma ou outra coisa subjacente, mas não é o principal.

Amanhã vão apresentar este Marrow ao vivo no Lux. Como é que o espetáculo está a ser preparado? O facto de as canções já terem sido tão bem preparadas para a gravação faz com que agora seja mais fácil?

Em algumas canções consegue ser mais imediato. Noutras não tanto. Já tocámos algumas canções ao vivo e tem funcionado muito bem. Tem dado uma grande pica porque, lá está, ter as guitarras elétricas atrás de ti, ter os amplificadores ligados a debitar barulho ajuda a sentir um bocadinho mais de força. Há alguns elementos de estúdio que ainda vamos ter de adaptar, mas já não temos de adaptar tanto.

Essa é uma das vantagens de ter uma banda com muita gente: as possibilidades aumentam muito. Como se fossem seis pessoas a pintar um cenário.

Sim, mas, por outro lado, queres ter sempre mais! Se desse para ter uma orquestra e um naipe de sopros e um coro tínhamos tudo. É algo que nos passa várias vezes pela cabeça, mas requer outros orçamentos.

Na capa de Marrow vemos uma explosão de cores. É, desde logo, demonstrativo com as vossas intenções para este disco? Um maior rebentamento da vossa parte?

Acho que sim. Uma explosão. Mas se calhar até o disco em que há menos cores. Ao contrário do Chromatic, aqui não há tantas cores. Apesar de passar por continuar a passar por vários ambientes, que é uma coisa que fazemos questão, acaba por ser o disco mais coerente que já fizemos. É bom ser uma explosão, mas vem com uma paleta de cores bem definida.

Afonso Cabral explica a história por trás do nome do disco