
“Não quis estragar o encanto do disco ao pensar demasiado nas coisas”
Ellie Rowsell atende o telefone num quarto de hotel em Pawtucket, Rhode Island. É nesta pequena cidade do estado de Rhode Island que os Wolf Alice fazem mais uma paragem na digressão americana que serve para apresentar Visions of A Life, o segundo disco da banda britânica.
Os EUA têm sido paragem frequente dos Wolf Alice nos últimos dois anos. Desde a estreia com My Love Is Cool que a banda de Ellie, Joel Amey, Joff Oddie e Theo Ellis tem despertado a curiosidade: não colocando os Wolf Alice em pedestais, há um descaramento evidente na forma de criar discos, pela diversidade de sons que conseguem cruzam nos álbuns. Do rock carregado e distorcido ao synth pop. Ou malhas gordas e sujas, afunkalhadas.
A partir do hotel de Pawtucket, Ellie — a vocalista e guitarrista — fala desta diversidade. Diz que é produto do défice de atenção próprio da sua geração que rejeita géneros fechados. Recorda também a passagem por Portugal em 2016, quando estiveram no NOS Alive. A dose repete-se em julho do próximo ano, no mesmo local: dia 12 de julho, já com as canções novas deste Visions of A Life.
Vamos começar pelas boas notícias: o vosso regresso a Portugal marcado para 12 de julho, no NOS Alive, no mesmo palco onde se estrearam em 2016. Ainda te lembras desse concerto, Ellie?
Lembro, lembro. Foi um ótimo concerto, gostámos muito. Foi surpreendente, porque nunca tínhamos estado antes em Portugal e mesmo assim havia muita gente a ver-nos. Ainda tive tempo para passar aí em Portugal, para passear pela cidade. Os meus pais foram ter comigo e passaram aí férias.
Boas memórias, portanto. A dar o mote para um regresso a Portugal no verão e já com um disco novo: Visions of A Life. O álbum foi editado em setembro e aparece em várias listas, de várias publicações, como sendo um dos melhores do ano. Era algo que imaginavas quando acabaram de o gravar? Sentiste que tinham um trabalho poderoso?
Eu sei que fiquei entusiasmada e orgulhosa daquilo que estávamos a fazer e acabámos por fazer. Senti que tínhamos ultrapassado o disco anterior e para mim isso era o essencial: fazer algo que sentimos que era melhor do que já tínhamos feito, porque há sempre espaço para crescer.
“Vejo um concerto de rock e quero fazer parte de uma banda de rock, só que depois vou para casa e ouço um grande disco pop e quero escrever canções pop”
Como é que sentiram que tinham ultrapassado o disco anterior? Havia algum plano para este álbum?
Nem por isso. Eu comecei com algumas ideias, mas rapidamente as abandonei e comecei a ir para onde os meus sentimentos me levavam. Pareceu-nos a melhor forma de escrever e compor, sem muitos motivos alternativos, sem pensar para que género ou estilo deveríamos derivar.
Sobre o que é que tiveste vontade de escrever, então?
Eu não me senti só de uma forma. Foi um disco escrito ao longo de dois anos, por isso houve altos e houve baixos. Creio que o disco reflete isso mesmo.
Creio que sim. Aliás, será por isso que se ouve uma diversidade de géneros tão grande?
Isso é o resultado do défice de atenção, feito por pessoas que são facilmente influenciáveis que não conhecem limites! Vivemos num período em que qualquer género é de fácil acesso — seja com a internet ou com os streamings. E nós somos uma espécie de produto desse tempo! Eu vejo um concerto de rock e quero fazer parte de uma banda de rock, só que depois vou para casa e ouço um grande disco pop e quero escrever canções pop. E a minha editora não me diz o que devo fazer, nem me diz para não explorar essas avenidas… e é isso que fazemos. O que espero é que soe a coeso ao longo de todo o caminho. E mesmo que não soe, olha: também não interessa (sorri).
Na altura de produzir o disco e definir o som costumam debater que tipo de som querem? Mais sujo, mais limpo, mais lo-fi ou super-moderno?
Acho que não quis ir à procura de recriar nada. Mas na verdade não refleti muito nisso, apenas deixei acontecer. Não quis estragar o encanto do disco ao pensar demasiado nas coisas. De certa forma, as canções quase que se conseguem escrever sozinhas.
És daquelas pessoas que consegue escrever músicas enquanto estás em digressão?
Tenta-se trabalhar com aquilo que se tem e com as circunstâncias que nos rodeiam. Eu não gravei, mas consegui ir fazendo algumas demos, apontando ideias, para quando houvesse tempo, conseguíssemos canalizá-las da melhor forma possível e torná-las em canções propriamente ditas.
Perguntei isto porque sei que fizeram uma digressão muito extensa com o disco anterior. E fiquei curioso se este seria um disco influenciado por essas viagens longe de casa.
Creio que sim. Quando se escrevem letras pessoais, sobre a vida, acabam por ser reflexo desse tipo de coisas, das viagens, por exemplo. E a minha vida tornou-se muito diferente daquilo que era quando escrevi o My Love Is Cool.
Quando fundaste a banda, em 2010, tinhas 20 anos. Achas que a música e os Wolf Alice têm tido um papel importante no teu crescimento pessoal?
Sim, bastante. Não sei muito bem como responder a essa questão… mas tem sido uma forma estranha de crescimento. Ainda assim, eu não era muito nova quando comecei a banda: andei na escola como uma adolescente normal, deixei a escola para ir ter um trabalho “normal”. Posso dizer que ainda consegui ter uma vida relativamente “normal”… ainda que nos meus “vintes” tenha feito muitas digressões e tenha tido muitos holofotes virados para mim. E isso já não é o que considero normal, por isso talvez me tenha moldado de outra forma.
“Qualquer forma de criatividade e de arte ajuda a dar algum sentido às nossas vidas”
E escrever sobre essas coisa mais fora do normal, fazer canções com isso, ajudou?
Acho que sim. Qualquer forma de criatividade e de arte ajuda a dar algum sentido às nossas vidas. E é bom porque pode ajudar outras coisas.
No meio de tantas emoções, este Visions of A Life parece ser um disco que vem com uma grande carga de raiva neste disco. E não falo só do tema “Yuk Foo”. Concordas?
Sim, toca nisso, ocasionalmente. Mas toca em muitas outras coisas. Não é só sobre estar zangada. É o reflexo do tal período de dois anos em que senti muitas coisas diferentes: há canções sobre pessoas de que gosto, canções sobre pessoas que me irritaram. Há canções sobre morte, navegar pela idade adulta… amor, sexo. São muitas coisas que eu experienciei, mas que, tenho certeza, muitas outras pessoas já viveram.
Têm-te falado dessa identificação com as canções?
Sim, às vezes sim! Sei que não posso falar por toda a gente, só posso falar por mim, mas há coisas que são universais e há temas que tocam especialmente às pessoas, por algum motivo…
Nesta altura tens algum tema preferido?
A “Don’t Delete The Kisses”, talvez porque gosto muito da letra — tem um significado muito grande. Também gosto da “After The Zero Hour” e da “St. Purple and Green”. Nesta altura são as minhas três favoritas.
Entrevista: Bruno Martins