(Quar)antena 3

Vamos ao cinema com cautela, mas vamos!

As salas abrem no dia 1 de junho. O que vamos poder escolher nesta retoma do prazer de ver cinema em grande ecrã, mesmo com poucos cinemas e a cadeira ao lado vazia? Rui Pedro Tendinha diz-nos o que esperar dos filmes do nosso desconfinamento.

É com calma, cinema de autor e de qualidade que os cinemas abrem. Numa altura em que a maioria das salas prefere abrir em julho, há casos pontuais que preferem retomar a atividade já. Trata-se de uma iniciativa de coragem, sobretudo em Lisboa, cidade onde continuam a surgir notícias de casos de COVID-19. Mas, além de coragem, a atitude desses primeiros cinemas mais independentes acredita numa ideia de que os portugueses não estão reféns dos blockbusters e da indústria americana. Sim, coragem e crença de que há uma vontade do espetador de explorar outros caminhos e aderir ao cinema europeu. Nesse sentido, o Ideal, o Nimas e o Trindade assumem-se como salas pontas-de-lança deste regresso.

 

Se, até 18 de julho, data da chegada de Tenet, o primeiro grande filme que Hollywood tem para estrear após o fecho das salas, não há cinema de teor comercial, há que acreditar que o novo pacote de filmes tem estímulos fortes.

Por exemplo, Uma Vida Alemã, de Christian Krönes, Florian Weigensamer, Roland Schrotthofer e Olaf S. Müller, é uma das primeiras propostas. Um filme documental que se estreia um pouco ao abrigo de um plano de efeméride dos 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial. Um filme-entrevista com uma centenária alemã, Brunhilde Pomsel, a estenógrafa do terrível Goebbels. Cinema do real filmado com o coração nas mãos e capaz de um cuidado estético notável. Uma Vida Alemã é também uma tese sobre os labirintos da culpa alemã.

A Midas Filmes propõe também outro documentário para refletirmos sobre o mal nazi: Quem Escreverá a Nossa História, de Roberta Grossman, análise sobre um grupo clandestino que tentou resistir ao Gueto de Varsóvia, em 1940. Imagens inéditas desse período e entrevistas que visam elucidar um inferno que foi combatido por jornalistas, historiadores e académicos.

Mas o Ideal promete ainda para junho uma pérola do cinema brasileiro: Benzinho, de Gustavo Pizzi, crónica familiar que se estreou mundialmente no Festival Sundance, nos EUA. Cinema brasileiro independente e aferidor das novas fissuras na classe média urbana brasileira.

 

Por seu turno, o ciclo de Buñuel prossegue no Nimas. Um ciclo que desta feita aposta no período mais mediático do cineasta surrealista. As cópias restauradas de A Febre Sobe em El Pao e A Bela de Dia deixam a salivar cinéfilos e iniciados no cinema do mestre.

Será ainda no Nimas que Chistophe Honoré aterra com o seu invulgar Quarto 212, crónica de uma separação. Benjamin Biolay e Chiara Mastroianni são um casal a contas com um problema de infidelidade. A dada altura, ela muda-se para um hotel onde acaba por revisitar a sua vida sexual. Entre o musical e a crónica de costumes, o cineasta de As Canções de Amor tenta reinventar-se.

Xavier Dolan, o menino prodígio do Quebeque, volta de novo aos ecrãs portugueses. Matthias & Maxime é um drama psicológico com Dolan como protagonista. Um caso de amor recalcado entre dois amigos de um grupo de adolescentes que se tornaram adultos. Pressente-se a confissão pessoal do cineasta, mas há algo de requentado nesta proposta queer.

Mais para julho, há tempo para O Paraíso, Provavelmente, do palestiniano Elia Suleiman. Uma comédia física e metafísica sobre o próprio em busca da noção de “casa” fora da Palestina. O burlesco profundo. Premiado em Cannes em 2019.

 

Este retomar das salas promete oferecer a chance de vermos em grande ecrã a mais recente coleção de inéditos da Cinema Bold, lançados nos clubes de vídeo e na Filmin durante o confinamento.

O destaque maior será para Monos, de Alejandro Landes, filme colombiano capaz de colocar a sua audiência num transe sensual. Trata-se da história de um exército de adolescentes algures numa selva da América Latina. Cinema exploratório com um fulgor emocional tremendo, mas da coleção da Bold recomenda-se muito também Rainha de Copas, de May el-Toukhy, e 100% Camurça, de Quentin Dupieux.

Do cinema português, espera-se que Surdina, que nesta segunda-feira tem uma antestreia especial no Trindade, seja um dos primeiros lançamentos. Rodrigo Areias assina uma comédia melancólica acerca de um romance entre duas almas solitárias de Guimarães. Uma pequena delícia embalada pela música de Tó Trips.

 

Na calha, está finalmente a estreia nas longas do ator Gonçalo Waddington, em Patrick, um perturbante relato de um jovem que tenta descobrir a sua identidade depois de ser entregue à sua família de origem, após ter desaparecido desde criança e sido atirado às malhas do tráfico sexual de menores. O cinema de Waddington revela uma precisão narrativa minuciosa e uma carga de choque absolutamente justa. A música de Bruno Pernardas também ajudará a que Patrick se torne num caso de verdadeiro culto.