Oub'lá

Ra-Fa-El

“Não gosto de fazer músicas e de ficar com elas para mim”

 

Depois de uma semana em Groningen, na Holanda, o guitarrista dos Glockenwise, Rafael Ferreira, voltou com uma constipação, nariz entupido que apanhou – por acaso – no frio do Eurosonic. O ano de 2017 de Rafinha (para os amigos), começou com o lançamento do primeiro tema a solo do seu projeto de três sílabas, Ra-Fa-El. “Caught By Chance” traz a sua guitarra elétrica sem distorção num ambiente lo-fi, meio dream-pop, que foi desenhando no seu quarto em casa dos pais enquanto esperava que a mãe o chamasse para jantar. Mesmo não tendo cabimento no universo do rock de Glockenwise, o músico – que desenhou toda a instrumentação da faixa – apoiou-se no talento vocal e lírico do seu amigo e colega Nuno Rodrigues.

É de uma forma descontraída que Rafael nos apresenta este primeiro tomo daquilo que pode vir a ganhar a forma de um EP em breve. Um espaço que quer partilhar com mais gente, com mais amigos músicos e cantores. “m bocado ao género de Probot do Dave Grohl”, ri-se. “Só que mais calminho.”

Apanhaste-nos meio desprevenidos com uma canção nova e com um novo nome para um novo projeto com um nome de três sílabas. Como é que nasce este tema, o “Caught By Chance”?

É como diz o nome da música: por acaso, por surpresa. Fui coleccionando algumas músicas que ia fazer, um bocado como toda a malta que tem bandas, que depois, eventualmente, acabam por fazer um projeto paralelo. Quem tem gosto em compor música vai fazendo coisas e às vezes, embora não encaixem nas bandas a que se pertence, são músicas com que se fica uma ligação e acha-se que merece chegar ao público. Foi isso que foi acontecendo. Fui fazendo algumas coisas e no final comecei a pensar na ideia de montar uma coisa paralela para ir brincando com os temas e sem nenhuma responsabilidade.

Os acordes e os arranjos deste “Caught By Chance” não teriam cabimento em Glockenwise?

Exatamente. É esteticamente diferente, sobretudo neste momento específico dos Glockenwise em que as coisas que estamos a fazer com a banda já são um bocado diferentes daquilo que já fizemos – e muito diferentes deste tema que fiz. É, apenas, uma questão de estética: não havia necessidade de tentar colar aquilo à banda.

 

“Tanto este como outros que fiz – que já tenho alguns gravados, e a ver se começo a partilhá-los – foram quase, na sua totalidade, compostos na casa dos meus pais, em Barcelos. É onde costuma acontecer e sempre numa hora específica: entre as 18h e as 19h30, enquanto estou à espera que a minha mãe faça o jantar”

 

Como é que descreves este tema?

Tanto este como outros que fiz – que já tenho alguns gravados, e a ver se começo a partilhá-los – foram quase, na sua totalidade, compostos na casa dos meus pais, em Barcelos. É onde costuma acontecer e sempre numa hora específica: entre as 18h e as 19h30, enquanto estou à espera que a minha mãe faça o jantar e então acho que as coisas transmitem um bocado aquele sentimento de conforto, mas não muito racional. Acaba por ser um estado de espírito por estar ali. Tanto esta “Caught By Chance” como as outras que fiz trazem esse sentimento de conforto inócuo. Não é bem explicável: é como estar num shopping a olhar para uma prateleira e ao fim de cinco minutos pensares “o que é que estava aqui a fazer” e continuas a andar para a frente (risos). É um ambiente etéreo e confortável que quis passar para a música. Daí o vídeo também ter aquele plano quase estático em que está só uma coisa a acontecer.

Concordo perfeitamente contigo: o conforto da casa dos pais, de estar sentado à beira da cama com a guitarra no colo, com a televisão ligada no “Preço Certo”, sem som, à espera que a mãe chame para ir para a mesa. E nessa altura não convém pôr o amplificador muito alto nem com distorção, não é?

As músicas são todas gravadas comigo sentado na esquina da cama. Nem sequer há espaço para tocar de pé, por isso o género de música acaba por surgir do contexto em si, naquela hora que toda a gente tem em que se simplesmente se está confortável à espera de comer.

 

“Uma parte importante das músicas é vê-las ganhar vida própria com a opinião e com os gostos das pessoas”

 

Mesmo que seja sem grandes pretensões, esta canção é a amostra de algo maior para vir?

Eu gosto imenso de fazer coisas novas, de participar em projetos novos, mas não gosto muito de olhar para isto como “Rafael lança-se a solo”. É um projeto meu, de facto, mas é mais um escape, uma gaveta onde posso ir deixando as coisas que vou fazendo e que não se encaixam noutros projetos. Eu não gosto de fazer músicas e de ficar com elas para mim, porque uma parte importante das músicas é vê-las ganhar vida própria com a opinião e com os gostos das pessoas.

O teu trabalho neste projeto Ra-Fa-El fica-se só pelo lado instrumental?

Sim, os instrumentos são todos gravados por mim, tirando a bateria. Achei melhor convidar alguém com mais estaleca. Eu sei tocar, mas ia dobrar o dobro do tempo, até porque nunca gravei. Tenho a sorte de ter muitos amigos que o fazem muito bem e muito rápido, como é o caso do Pedro Oliveira.

A letra deste “Caught By Chance” foi escrita pelo Nuno Rodrigues. Também te atiras ao lado da escrita ou não queres aventurar-te nesse capítulo?

Embora não seja uma música de Glockenwise, neste caso o processo acaba por ser como uma música da banda: eu fiz o instrumental e o Nuno acaba as coisas com a letra e a voz. Agora não me vejo muito interessado em escrever, porque é uma coisa que nunca tive nem vontade nem necessidade de fazer.

E cantar?

Não sei. Acho que não nasci com essa benção (risos). Faz-me muita confusão ouvir-me a cantar sozinho. Tenho que passar um bocado esse estigma. Talvez tente um dia mais tarde. Eu não quero estar a forçar eu a meter a minha voz só para que no final possa dizer que fui eu que fiz tudo. Se a música não ganhar com isso, seria só uma questão de ego.

 

“Cantar? Acho que não nasci com essa benção. Faz-me muita confusão ouvir-me a cantar sozinho. Tenho que passar um bocado esse estigma. Talvez tente um dia mais tarde tente. Não quero estar a forçar eu a meter a minha voz só para que no final possa dizer que fui eu que fiz tudo”

 

Como é que vês este lado a solo a crescer? Com mais convidados, mais músicos para partilhar contigo este projeto de Ra-Fa-El?

O objetivo é ir desafiando gente diferente e depois testando e ver até que ponto é que as coisas acabam por resultar ou não. A piada do projeto é mesmo ser uma coisa sem grande responsabilidade, juntar um conjunto de amigos e conhecidos que fui fazendo ao longo destes anos todos e ter esta coisa de me armar em compositor e convidar umas pessoas para fazer umas letras e cantar. Ou eu fazer a letra, mas passar sempre a voz a outra pessoa. A base serei eu fazer os instrumentais e convidava outras pessoas para cantar. Um bocado ao género de Probot do Dave Grohl (risos). Mas mais calmo.

Esta canção foi feita em Barcelos, em casa dos teus pais. É aí que tens passado mais tempo?

Agora nem tanto. Tem sido mais na casa onde estou a viver com a minha namorada, em Guimarães. A minha semana é por aqui, por Guimarães, mas vou quase todas as semanas ao Porto ensaiar, e depois também Barcelos, claro.

Tens 25 anos. Recorda-nos aqui como é que nasceu o teu interesse pela música? Ainda vem antes dos Glockenwise?

É difícil distanciar o início da minha relação da guitarra com os Glockenwise. Estão, de facto, muito ligados e são acontecimentos muitos próximos. Comecei a tocar com uns 14 anos e a banda começou quando eu tinha 15! Mal sabia tocar guitarra – e todos mal sabíamos o que estávamos a tocar – e já tínhamos uma banda cheia de vontade de ir tocar. Foi tudo meio em cima do joelho e essa pressa e vontade toda acabou por moldar aquilo que foi a vida da banda, mas também a nossa vida enquanto artistas.

Havia muita música lá em tua casa? Ou era mais as trocas de discos entre amigos?

Em casa tenho a sorte de o meu pai ouvir música e saber tocar guitarra. Foi ele, até, que me ensinou os primeiros acordes. Mas daquilo que me recordo melhor, a vontade de ter uma banda surgiu mais da curiosidade de perceber que havia malta que ia a sítios e voltava com histórias para contar. Essa foi a minha primeira vontade, nem teve nada a ver com música, para dizer a verdade. Por acaso foi com banda, porque se fosse com outra coisa qualquer, nesta altura nem era músico só porque queria passear, jantar longe e dormir fora.

 

“O objetivo é ir desafiando gente diferente e depois testando e ver até que ponto é que as coisas acabam por resultar ou não”

 

Achas que até certa altura ficaste preso a uma estética muito fechada em Glockenwise? E foi por isso que também quiseste experimentar estes outros acordes que agora vamos descobrir?

Acho que sim. Normalmente, o que acontece nas bandas, é que as pessoas juntam-se com uma estética na cabeça e formam o grupo. Nós foi completamente ao contrário: juntámo-nos, por acaso deu uma cena e fomos atrás dela, ouvindo bandas. Lembro-me de ter 15 ou 16 anos, estar a tocar no intervalo grande da escola secundária em Barcelos e terem vindo ao pé de mim e dizer: “Foi altamente! Vocês parecem Iggy Pop!” E eu: “Muito fixe! Mas quem é o Iggy Pop?” Não fazia ideia, nem percebia que género é que estávamos a praticar. Aliás, aconteceram-nos coisas que nunca pensámos na vida: tocar em festivais, editar discos, ir à Holanda, fazer tours europeias…

O teu sonho acabou por se cumprir, Rafael. Também queres levar este teu projeto Ra-Fa-El aos tais sítios e voltar a casa para contar histórias? Há um lado ao vivo neste projeto?

Tenho bastante vontade de pôr isto a tocar ao vivo. Estou só a tentar perceber a melhor forma de o fazer. É uma questão de tempo.

Quando é que poderás lançar o disco?

Para já, com os temas que tenho gravados, estou a pensar lançar só um EP, com quatro ou cinco músicas numa cassete e disponibilizar online. A parte boa de estar a fazer esta coisa é de não ter grande responsabilidade – é estar mesmo à vontade para fazer as coisas na boa.

Entrevista: Bruno Martins