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Os prazeres de uma rentrée redentora

Num verão com pouco cinema novo de qualidade, reposições estimulantes e salas quase vazias, é tempo de projetar o que vem aí a seguir. Segundo Rui Pedro Tendinha, são filmes com uma variedade saudável, mas à espera de que Tenet e as campanhas para tirar o medo das pessoas de ir às salas façam efeitos. Neste elenco da rentrée, cabem Wes Anderson, Sofia Coppola, Antonio Campos, Bill Murray, Léa Seydoux ou Russell Crowe, bem como muito cinema português.

 

On the Rocks, de Sofia Coppola (outubro; Apple TV+)

Regresso de Bill Murray à câmara de Sofia Coppola para um conto sobre o amor de um pai playboy por uma filha trintona e em crise conjugal. Diz-se também que é uma carta de amor à cidade de Nova Iorque, mas seguro é que as subtilizas de humor remetem diretamente para o tom de O Amor É um Lugar Estranho.

Faltará Scarlett Johansson, mas a aposta na filha de Quincy Jones, Rashida Jones, pode ser um surpreendente trunfo naturalista. Uma pena não poder ser visto em sala.

 

Ordem Moral, de Mário Barroso (10 de setembro)

O cinema português a apostar aos poucos em episódios verídicos do nosso passado. Mário Barroso, cineasta de Um Amor de Perdição, apostou na história de Maria Adelaide Coelho da Cunha, dona do Diário de Notícias em 1918 e acusada pelo marido manipulador de comportamento de doença mental depois de um caso com um motorista bastante mais novo do que ela.

Maria de Medeiros é extraordinária na pele da protagonista, mas há outros méritos: reconstituição de época impecável e um enredo em que quase tudo bate certo. Tem tudo para ser um êxito transversal de grande público.

 

Sempre o Diabo, de Antonio Campos (16 de setembro; Netflix)

Um conto negro gótico pelas mãos de Antonio Campos, o realizador de Simon Killer e Depois das Aulas. A história de um jovem que tenta proteger a família numa cidade do Midwest infestada de sinistras personagens. Um thriller existencial a que a Netflix terá dado luz verde em parte devido à reunião de um elenco de primeira: para além do protagonismo de Tom Holland, The Devil All the Time tem nomes como Robert Pattinson, Bill Skarsgård, Sebastian Stan, Haley Bennett e Mia Wasikowska. Presume-se que possa ser um acontecimento no streaming; se não fosse a pandemia, seria agora um dos filmes fortes dos festivais pós-verão.

 

Mulan, de Niki Caro (15 de setembro; Disney+)

O filme que pode (e vai) mudar a indústria americana de cinema. Em vez de a vermos no grande ecrã, a nova versão de Mulan, clássico da animação da Disney agora em imagem real, é convertida para os ecrãs de streaming na estreia da Disney+ em Portugal. É o primeiro blockbuster da História a ter um lançamento deste género. Sabe-se que o filme da neozelandesa Niki Caro foi caríssimo e pensado para ter um impacto no grande ecrã — o conto de uma guerreira que esconde a condição feminina para combater numa batalha gigante a fim de salvar o pai.

Mulan poderá ser um hino #MeToo para uma nova geração. Basta rezar para que tenha alma…

 

Os Conselhos da Noite, de José Oliveira (17 de setembro)

Bela surpresa que vem de Braga. Um realizador estreante lança-se a um dispositivo de exploração de um tempo perdido. O tempo é a Braga da sua juventude, uma cidade que outrora teve uma noite e uma magia agora perdidas. Os Conselhos da Noite é uma viagem de reconhecimento a uma cidade com um carisma único através de um jornalista que regressa aos locais da sua juventude depois de descobrir que tem uma doença incurável.

José Oliveira evita melodramas e convoca uma dolência e saudosismos trabalhados com uma respiração muito própria. Nesta romaria saudosista, nem falta a presença de Adolfo Luxúria Canibal, figura incontornável da noite bracarense.

 

O Bando de Ned Kelly, de Justin Kurzel (15 de outubro)

Numa altura em que Lisboa teve a reposição de Ned Kelly (1970), de Tony Richardson, com Mick Jagger, esta nova temporada traz-nos um dos filmes mais sonantes do último Festival de Toronto. Justin Kurzel pega em George MacKay (1917) e transforma-o no delinquente mais famoso da Austrália. Uma visão punk rock de um mito contada com uma força e um dispositivo visual de encher o olho. No elenco, ainda há espaço para encontramos Russell Crowe, Charlie Hunnam e Nicholas Hoult.

 

The French Dispatch, de Wes Anderson (15 de outubro)

O filme mais esperado da temporada. O regresso de Wes Anderson, naquilo que se espera ser uma homenagem ao espírito da imprensa. Cinema de design, feito com o habitual bom gosto do cineasta de Grand Budapest Hotel e Os Tenenbaums: Uma Comédia Genial.

Uma série de jornalistas americanos alimentam histórias para um jornal situado numa imaginária cidade francesa. Personagens extremas, situações absurdas e mal-entendidos constantes. Wes Anderson à procura de uma ideia de comédia que muitas vezes será física. Tilda Swinton, Bill Murray, Timothée Chalamet, Frances McDormand e Owen Wilson são alguns dos craques.

 

O Fim do Mundo, de Basil da Cunha (17 de setembro)

O cinema desalinhado de Basil da Cunha está de volta. E de volta está o bairro que conhece bem: a Reboleira onde branco não entra e em que os códigos de honra são uma sociedade à parte. Tal como em Até Ver a Luz, há um sentido prático de cinema invulgar. O bairro e os seus habitantes não são explorados como figuras sociológicas. A câmara e o coração do cineasta estão lá dentro.

História de regressos e vinganças, O Fim do Mundo é um gangster movie que se vê com um prazer dos diabos. Não é de espantar que tenha tido privilégios de competição oficial em Locarno…

 

O Ano da Morte de Ricardo Reis, de João Botelho (24 de setembro)

Alegoria que tem como pano de fundo o aparecimento do Estado Novo, O Ano da Morte de Ricardo Reis marca o regresso de João Botelho às adaptações literárias, neste caso do romance aclamado de José Saramago.

O Ano da Morte de Ricardo Reis, filmado num preto e branco de luxo, foi feito para combater os novos populismos que assolam a nossa sociedade e é a história de um português que regressa do Brasil depois de muitos anos lá e se instala num hotel de Lisboa. Neste caso, Ricardo Reis, heterónimo de Pessoa.

Botelho parece jogar cada vez mais com os formalismos das sombras e da luz. Victoria Guerra, Catarina Wallenstein e Chico Diaz são os nomes que marcam o elenco. Tal como Os Maias: Cenas da Vida Romântica, deveria ter estratégia de digressão pelo país com sessão seguida de debates…