2019

Isilda Sanches

2019 foi um ano disperso, uma tendência que, aliás, marca toda a década e tem pairado como uma sombra ameaçadora nos balanços de final de ano. Como escolher os melhores, quando se conhece apenas uma ínfima parte? O excesso de oferta é um facto no séc. XXI e, perante a impossibilidade técnica de conhecer e avaliar tudo (mesmo tendo posição privilegiada! ninguém chega a todas, não há vidas suficientes para isso…), mais vale assumir as limitações e escolher o que nos fala mais ao coração, ou desafia a cabeça, ou faz mexer o corpo.

2019 foi mais um ano de muita musica e musica diversa, mas também de muita musica a soar indistinta, porque, na era do algoritmo, é difícil escapar a fórmulas e hoje em dia elas são várias e quase sempre infecciosas.

Continua a excitação com o passado e a sua eterna citação, a mistura de linguagens tornou-se padrão, a musica “esquisita” está cada vez mais normalizada, o hip hop continua a mostrar o jogo com mais trunfos e o jazz renasceu com aura quase pop. Houve mais continuidade do que ruptura.

2019 não foi ano de grandes álbuns, mas alguns conseguiram ser mais do que colectâneas de canções e fazer-se valer, ou pela exploração de um conceito, ou pela simples inspiração que os torna especiais e dignos de atenção continua. Os álbuns, na verdade, já não são o que eram — na era do streaming, poucos “perdem” tempo a ouvir álbuns inteiros e a maior parte dos artistas parece ter consciência disso.

Uma palavra especial sobre o caso português. Em álbum, EP ou canção, este foi mais um ano fértil e feliz para a produção nacional que tem revelado sinais de vitalidade vindos de todos os cantos e sob todas as formas possíveis. Há razões para estarmos satisfeitos com nós próprios.

Esta foi alguma da música que mais me entusiasmou em 2019…

 

Álbuns Nacionais

Montanhas Azuis — Ilha de Plástico
DJ Nigga Fox — Cartas na Manga
Sensible Soccers — Aurora
Branko — Nosso
Stereossauro — Bairro da Ponte
Glockenwise — Plástico
Slow J — You Are Forgiven
DWART — Electricidade Estética
Maria Reis — Chove na Sala, Água nos Olhos
David Bruno — Miramar Confidencial

 

Álbuns Internacionais

Chris Korda — Akoko Ajeji
Young Marco — Bahasa
Wilson/Tanner — II
Greg Foat, James Thorpe — Photosynthesis
Vanishing Twin — The Age of Immunology
Kim Gordon — No Home Record
Fontaines D.C. — Dogrel
The Comet Is Coming — Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery
Sampa the Great — The Return
Nick Cave & The Bad Seeds — Ghosteen

 

Canções Nacionais

Branko, Dino D’Santiago — “Tudo Certo”
Stereossauro, Ana Moura, DJ Ride — “Depressa Demais”
Lena d’Água — “Hipocampo”
Mirror People, Da Chick — “Drinks Promise Better (SaiR Remix)”
Glockenwise — “Dia Feliz”
Papillon — “Camadas”
AMAURA — “EmContraste”
Fábia Maia — “BarcelonaParis”
White Haus — “Bodies”
MEERA — “Think Straight”

 

 

Canções Internacionais

Anderson .Paak, Smokey Robinson — “Make It Better”
Special Request — “Vortex 164 (Sully Remix)”
$hit and $hine — “Take You Some Time”
Toro y Moi — “Ordinary Pleasure”
!!! — “Slow Motion”
Criolo — “Etérea”
Little Simz, Cleo Sol — “Selfish”
Young T & Bugsey, Aitch — “Strike a Pose”
The Chemical Brothers — “Got to Keep On”
Courtney Barnett — “Everybody Here Hates You”

 

 

Outros nomes portugueses que fizeram diferença: Silvestre, DJ Firmeza, Puto Tito, Moreno Ácido + Diogo, Sr Dubong & Cedric Miller, Hélder Russo, Ondness, Niagara, Co$tanza…

Outros nomes internacionais que merecem sublinhado: Tutti, Andy Stott, Barker, Mark de Clive Lowe, Jonnine, Floating Points, Kate Tempest…

Superlativo pessoal de 2019: Conhecer, entrevistar e ver ao vivo Suzanne Ciani! (Festival Semibreve)

Imagens em movimento: Já vi mais e melhores séries em anos anteriores, mas Chernobyl, Euphoria, Russian Doll, e Years and Years sobressaíram e conseguiram prender-me (outras, não…é fácil desistir de ver uma coisa e passar à seguinte, com o fluxo de oferta actual), tal como o “Striking Vipers” (esse episódio mais do que os outros) da ultima temporada de Black Mirror. Em filme, ficou marcada uma comédia com camadas significado e mensagens sérias: Parasitas, de Bong Joon Ho.

Fricção Cientifica: 2019 foi o ano em que foi decretada a Emergência Climática e em que foram descobertos mais exoplanetas, alguns deles com sinais de existência de vapor de água. Não será caso para pensarmos que mudar de planeta é opção, estamos muito longe disso, mas as perspectivas para este em que vivemos não são as melhores. A maior parte das noticias de ciência teve, este ano, um tom sombrio e muito peso negativo das estatísticas: sobre poluição, degelo, subida dos nível das águas, variações de temperatura, produção alimentar e energética relacionada com emissões de carbono, doenças, projecções de futuro em geral… 2019 foi o ano em que abriram os primeiros bares de oxigénio em Nova Deli, como resposta à falta de qualidade do ar na cidade, e também o ano em que foi oficialmente anunciado que Jacarta, a capital da Indonésia, vai ter que ser relocalizada porque está a afundar. Não é a única cidade do mundo a afundar-se mas é a que o faz mais rapidamente, a uma velocidade de cerca de 25 cm por ano! Ainda assim, há sinais de esperança. A ciência pode ajudar-nos a perceber o está errado e fornecer ferramentas para encontrar alternativas – mesmo que isso envolva quase sempre alguma fricção.