Oub'lá

Holy Nothing

“Temos uma relação cada vez mais simpática com o estúdio. É aquela coisa de acabar de jantar e, em vez de ir ver a novela, vamos para o estúdio”

 

Apanhamos os Holy Nothing naquele período sempre complicado para as bandas: a passagem do primeiro para o segundo disco. Há dois anos Nelson Silva, Pedro Rodrigues e Samuel Gonçalves editaram Hypertext e estão agora a meio do processo de criação do sucessor. Vão medindo o pulso às novas canções a partir da relação que criaram com as do primeiro disco. Passos pequenos, mas ousados, até agora: uma nova canção, “orelhudíssima”, chamada “Speed of Sound” a dar o mote e a deixar água na boca para um novo álbum que ainda não tem data para ser lançado. “Acho que estamos a meio caminho, mas esta também não é uma resposta muito certa, porque, na verdade, podemos chegar ao Porto e rasgar metade do trabalho já feito e começar de novo”, diz Pedro Rodrigues, vocalista dos Holy Nothing.

 

 

Sei que têm feito alguns concertos nos últimos tempos – e há mais na calha. Editaram, há um par de semanas, um novo single – “Speed of Sound” – mas ainda não há disco. Em que andam a trabalhar?

Pedro Rodrigues [P.R.] – Andamos, obviamente, a compor o nosso segundo trabalho, o segunda de longa-duração. É um álbum que está a ter uma forma de maturação mais longa e, achamos nós, mais direcionada. Nessa “Speed of Sound” já há uma tentativa de depurar algumas coisas que tínhamos tentado fazer no [álbum] Hypertext, mas que não tínhamos conseguido fazer na totalidade. Quem já conhecer bem o tema há-de perceber: há uma depuração sobretudo nalguns elementos das músicas.

Estamos a falar de que elementos? Por exemplo do autotune na voz?

P.R. – É sobretudo uma tentativa de fazer uma introspeção. Perceber o que tinha corrido menos bem. Acho que o Hypertext está bastante consistente, mas pelas reações que fomos tendo, ao longo do último ano e meio – por exemplo, tivemos umas conversas muito interessantes durante o Eurosonic, com alguma malta, que estava a ouvir o disco num espectro completamente diferente, descontextualizado. Foram apontadas algumas críticas: a perceptibilidade das vozes, a ambiência, para que as ideias passassem de uma forma mais concreta. Nunca como crítica pejorativa, mas sim construtiva. Fomos absorvendo todo esse know how para agora, com outra maturidade, começar a construir o álbum novo.

“O que nos interessa, sobretudo, é fazer coisas que ainda não fizemos, mantendo a identidade daquilo que fomos criando”

 

Reparei que há uma grande variação rítmica nas vozes. Começa de forma mais calma, mas acaba a acelerar.

P.R. – É capaz de ser o tema menos frenético, menos dançante, que já lançámos. O verdadeiro risco era esse: lançar um tema mais calmo, que joga entre a tal quase-balada eletrónica, que depois entra ali num momento mais marcado. A ideia perceber se a nossa baliza é mais ampla, que podíamos integrar coisas que, à partida, nunca fizemos. O que nos interessa, sobretudo, é fazer coisas que ainda não fizemos, mantendo a identidade daquilo que fomos criando.

Dizes que é um frenesim, mas é um frenesim aparente. Depois torna-se noutra coisa.

Samuel Gonçalves [S.G.] – É quase a nossa forma de fazer uma balada (risos).

Nelson Silva [N.S.] – O Samuel é do rock. O Pedro é das África e eu sou dos “afters”. Então ’tá tudo ali! (risos)

 

É importante dar ouvidos aos conselhos? Lidam bem com a crítica?

N.S. – Sem dúvida. Olhamos sempre para as críticas para tentar fazer melhor. Mas não estamos presos a nada, e não estamos a fazer um segundo disco a pensar no primeiro, mas sim por prazer e por fazermos aquilo de que gostamos.

S.G. – Essa atenção que damos às críticas – ou sugestões – têm que ver muito com o nosso processo criativo. Desde o início que temos um processo bastante experimental, em estúdio e sala de ensaio, com muitas coisas diferentes, muitas máquinas. E cada ensaio é diferente do anterior. As críticas e sugestões acabam por dar-nos elementos para experimentar e podermos pôr as experiências em prática. As críticas e sugestões são quase o combustível para compor.

 

“O Samuel é do rock. O Pedro é das África e eu [Nelson] sou dos “afters”. Então ’tá tudo ali! (risos)”

 

Acredito que o lado ao vivo seja uma festa, sempre divertido para vocês. E o estúdio é o quê? Um laboratório?

P.R. – Tem vindo a equilibrar-se. No início, se calhar, tínhamos aquela posição que acho que a maior parte das bandas terão: o estúdio como um mal necessário, porque temos que gravar um disco, mas o que gostamos mesmo é de tocar ao vivo. Continua a ser um pouco assim, mas na verdade estamos a criar uma relação cada vez mais amigável com o estúdio. Estamos num processo de criação e gravação que se mistura: gravamos grande parte das coisas num estúdio em casa do Nelson, portanto estamos a trabalhar, praticamente em casa. É uma relação cada vez mais simpática com o estúdio e agora estamos a trabalhar com o Pedro Rompante, que além de nosso produtor e técnico de som é roomate do Nelson, e portanto há uma relação de quase círculo fechado…

É um processo de criação caseira.

P.R – É aquela coisa de acabarmos de jantar e, em vez de irmos ver a novela, vamos um bocado para o estúdio. (risos)

“As máquinas são o mais analógico possível, para tentarmos usufruir do fator imprevisibilidade. Dar a vertente mais orgânica e mais humana possível às máquinas, tentamos fazer em estúdio”

 

Este novo tema, “Speed of Sound”, é uma boa apresentação do que vai ser o próximo disco?

P.R. – Gostava de dizer que sim, mas estamos naquele eterno esquema de composição – e o Samuel falou há pouco de experimentação. O que o álbum é hoje, ou a imagem que temos do disco hoje, pode estar completamente implodida – ou explodida – daqui a dois meses. Mas há uma coisa que este tema transmite: uma absorção de algumas ambiências ou influências musicais um bocado distantes do Hypertext e que começam a abranger um conjunto de referências que acho que terão que ver com este novo álbum.

Quais são essas referências?

P.R. – Nós, por norma, quando falamos de referências, só baralhamos as pessoas. Ouvimos todos música bastante diferente e a verdadeira mestria daquilo que é Holy Nothing está nesta tentativa de conseguir balizar as coisas, reequilibrar gostos e referências. Daí a tal ideia do Hypertext, a hiperligação de referências. Acho que essas hiperligações são agora inúmeras, mas distantes das que eram o outro álbum. Creio que “Speed of Sound” revela essa ambiência, sente-se uma conexão mútua entre coisas muito recentes e outras dos anos 1970 – mas não vou dizer nomes!

Parece que hoje em dia as máquinas com que vocês trabalham servem de ponte entre as décadas de 1970 e 1980 com os dias de hoje, não é?

N.S. – Também ajuda que haja hoje uma fusão e uma liberdade maior para conseguir representar isso de outra maneira. Consegue sentir-se isso na música eletrónica. Funciona quase como laboratório, sim.

P.R. – Envergando por esta ideia do laboratório de sintetizadores, tentamos excluir ao máximo o computador da composição musical. Ou seja: as máquinas são o mais analógico possível, para tentarmos usufruir do fator imprevisibilidade. Dar a vertente mais orgânica e mais humana possível às máquinas

 

“Fomo-nos apercebendo que, para chegar a um objetivo, os períodos de maturação são maiores. Por isso não vale a pena forçar o lançamento de um produto no imediato. É preciso compor, gravar, voltar a ouvir, regravar, produzir, remisturar… este processo leva tempo”

 

Em que ponto está a criação do sucessor de Hypertext? O disco já tem nome?

S.G. – O disco, para já, ainda não tem nome. Acho que estamos a meio caminho, mas esta também não é uma resposta muito certa, porque, na verdade, podemos chegar ao Porto e rasgar metade do trabalho já feito e começar de novo. Não estamos a compor com grande compromisso, então também é-nos difícil balizar o ponto em que estamos.

P.R. – É uma questão de processo de maturação. Fomo-nos apercebendo que, para chegar a um objetivo, os períodos de maturação são maiores. Por isso não vale a pena forçar o lançamento de um produto no imediato. É preciso compor, gravar, voltar a ouvir, regravar, produzir, remisturar… este processo leva tempo.

E como vão ser os próximos meses dos Holy Nothing?

P.R. – Vamos tendo um conjunto de concertos consecutivos. Temos o Bons Sons, já confirmados, a meio de agosto. Também o Cais à Noite, na Costa Nova (Aveiro) a 26 de agosto. Não queremos ter uma tour muito apertada, em termos concertos constantemente, mas também não perder a estrada porque isto faz-nos bem.

Entrevista: Bruno Martins