Oub'lá

Fugly

“Fazemos música para podermos ter o gozo de ter bandas com amigos e pela diversão”

 

Rotações no máximo e pé na tábua: os Fugly espetam-nos na cara histórias de uma geração ao ritmo de um entusiasmante e veloz punk/surf rock com guitarras e baterias cheias de bojarda. São histórias da geração Y: Millennial Shit. É o nome do segundo trabalho de estúdio da banda que Pedro Feio (mais conhecido por Jimmy) reuniu em 2015, no Porto, quando percebeu que tinha canções para escrever e tocar, apesar de dedicar o seu tempo a fazer o som de concertos para outras bandas de amigos – os The Lazy Faithful, por exemplo.

Dois anos depois de Morning After e de muitas aventuras na estrada – e em “masmorras de sex shops” – aparece Millennial Shit, vidas de uma geração inteligente, formada, que combate estigmas, que tem acesso a toda a informação, mas que não consegue sair de casa dos pais antes dos 30; ou que tem de partilhar uma casa com mais quatro pessoas para poder ser independente. Claro que também há copos, noites longas e acordar em sítios estranhos. É este disco que vai levar os Fugly de volta à estrada. Hoje, dia 9 de fevereiro, apresentam o disco no Maus Hábitos, no Porto; amanhã, dia 10, tocam no Damas em Lisboa. A digressão segue depois pelo país fora, como nos contam agora Jimmy e Rafa Silver.

Millenial Shit é o vosso segundo trabalho de estúdio, dois anos depois do EP Morning After. O que é que aconteceu aos Fugly durante esses dois anos?

Jimmy – Aconteceram muitos concertos, de Norte a Sul do País. Demos um concerto também em Espanha, muito engraçado, em que dormimos numa sex shop.

Rafa – Aliás, na masmorra de uma sex shop.

Querem explicar? Como é que é a masmorra de uma sex shop?

Rafa – Tem muitos brinquedos!

Mas tipo Transformers?

Jimmy – Não! Entras numa sala e, se calhar, nunca viste tantas pilas na tua vida.

Rafa – De borracha! Lembro-me que tinha lá um kit qualquer de Fifty Shades of Grey, de iniciação… e máscaras!

Claro, para esconder segredos. Essa terá sido uma das muitas aventuras dos dois últimos anos. Essas viagens, concertos e diversão enquanto banda – e não falo especificamente das masmorras de sex shops – marcam a criação e construção de novos temas?

Rafa – Não só isso, mas acaba por motivar a continuação do trabalho. Queremos mais experiências deste género.

Jimmy – E não tem propriamente que ser em masmorras! Mas nós fazemos música um bocado para podermos ter o gozo de ter bandas com amigos, pela diversão.

Rafa – Muitas vezes mais do que a música e concertos, o que prevalece são as pessoas que se vão conhecendo.

 

Estes dois anos também marcaram a sonoridade deste novo disco. O que é que se pode ouvir neste Millenial Shit?

Jimmy – A ideia for dar um bocadinho de seguimento ao que já tínhamos feito. E tentar simplificar um bocado a coisa.

Rafa – No EP, e não que tenha resultado mal, tínhamos músicas com ideias muito condensadas, então aqui tentámos separar as coisas, ter mais calma…

Jimmy – Quisemos fazer músicas mais pequenas, apesar de termos uma música grande lá no meio [“Inside My Head”]. Este disco tenta ir mais direto ao assunto; tentámos tirar os floreados e torná-lo uma coisa curta e grossa. Depois foi tentar ter uma melodia de voz mais… interessante.

 

“Quisemos fazer músicas mais pequenas. Tenta ser um disco mais direto ao assunto; a tirar os floreados; tenta ser uma coisa curta e grossa. E tenta também ter uma melodia de voz mais interessante”

 

É mais pop?

Jimmy – Sim, mais em formato de canção. A voz, no EP, e por culpa minha (tinha muita vergonha de cantar), estava lá mais para o fundo. Eu escondia-me atrás da guitarra e não trabalhei muito bem a parte vocal. Aliás, quando gravámos o Morning After, as vozes foram gravadas mesmo à última, e já quase em desespero.

Rafa – E estavas extremamente constipado! É o segredo do som (risos)

Jimmy – Pois! Desta vez já tinha a voz pensada, a estrutura já feita.

O que é que mudou para ganhares essa confiança?

Jimmy – Foram os concertos, sem dúvida. Foi a experiência de tocar o EP ao vivo que me deu confiança… Lembro-me que para fazer um soundcheck, a testar microfones, era super-tímido: “Um-dois… um-dois… som”; e agora não tenho vergonha nenhuma de cantar, mesmo que o sítio esteja cheio de gente.

E só precisaste de dois anos!

Jimmy – (risos) Sim, mas com bastantes concertos. Passámos por muita coisa e isso obrigou-me a chegar à frente.

 

Millennial Shit é uma referência à chamada geração Y, a geração das pessoas que nasceram entre o final dos anos 80 e 2000. De que forma é que essa geração e as suas histórias aparecem no disco?

Rafa – Se quiseres, o disco centra-se numa personagem – que não tem um nome, propriamente – que relata os problemas dos “millenials” e tentar ver a luz ao fundo do túnel, porque não é, de todo, uma geração perdida. Ainda que tenha alguns defeitos.

Jimmy – É uma crítica, mas em que tentamos dar os dois lados da moeda: uma geração que vive com problemas de emprego precário; que anda sempre a saltar de estágio em estágio e que não tem emprego fixo; que não sai de casa dos pais até terem quase 30 anos… e no entanto – o outro lado da moeda – têm acesso à informação toda, à tecnologia toda e mesmo assim estamos presos no limbo em que não sabemos para onde vamos! Ao mesmo tempo, esta geração já desmistificou uma série de tabus: a homossexualidade, os vegetarianismo, o direito dos animais… e tantos outros temas que eram muito controversos, de discussão difícil e que se tornaram vulgares.

E que personagem é essa?

Jimmy – É uma pessoa da normal, da nossa idade que enfrenta os problemas do dia a dia e que está, ao mesmo tempo, dentro de um romance. E muitas mais coisas comuns à nossa geração: sair à noite, apanhar uma bebedeira, às duas por três está-se metido na casa de alguém sem saber o que se está a fazer…

 

“Lembro-me que para fazer um soundcheck, a testar microfones, era super-tímido: “Um-dois… um-dois… som”; e agora não tenho vergonha nenhuma de cantar, mesmo que o sítio esteja cheio de gente”

 

É uma geração que vive com os problemas da precariedade, com os traumas das realizações pessoais, com o facto de se sair de casa dos pais já mais velho e mesmo assim ter de ir de ir dividir habitação com mais três ou quatro pessoas… mas ao mesmo tempo é uma geração tão informada, com tanto disponível, mas que não consegue ter quase nada… O que é que isso desperta nas canções: raiva, velocidade, revolta…?

Rafa – É um misto disso tudo. Também desperta proximidade com as pessoas, porque há partida também há mais proximidade com a mensagem que é transmitida. E depois é curtir à volta dos problemas.

O primeiro EP, Morning After, foi definido como um trabalho sobre ressacas e a forma como se lida com elas. Já lidam melhor com as ressacas? Vejo-vos hoje, pela manhã, a beber um suminho e um cafezinho…

Jimmy – Tem que ser! Mas, opá, eu acho que está cada vez pior!

Rafa – Por isso é que as evitamos cada vez mais! (risos)

Jimmy – Fala por ti! Mas custa cada vez mais estar de ressaca, ainda que às vezes saiba bem. Sobretudo se no dia seguinte der para encomendar uma pizza e ficar em casa a ver Netflix…

Este Millennial Shit foi gravado nos Adega Studios, em Rio Tinto. Acredito que irem gravar um disco a um sítio chamado “Adega” não ajuda muito às resscas…

Jimmy – O sítio chama-se assim porque tem por lá uns alambiques. Mas agora mudámos de espaço.

Rafa – Sim, mas esse estúdio começou por ser mesmo uma adega. Agora já não é uma adega, mas o nome mantém-se.

Jimmy, os Fugly são uma criação tua. Foste tu que convidaste alguns amigos para virem tocar contigo. Recorda-nos lá o que é que quer dizer “Fugly”?

Jimmy – Fucking ugly.

Rafa – “Feio pa caraças!”

Jimmy – Eu conheço o Rafa há muitos anos porque andámos na mesma faculdade. Ele tocava – e toca – nos Lazy Faithfull. E para trabalho de fim de curso – de Produção e Tecnologias de Música, na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Porto, pedi para gravá-los. Depois começou a falar-se de uns concertos deles e acabei por ir fazer som… e acabei por ir.

Mas já tinhas tido bandas antes?

Jimmy – Sim, mas nada que tivesse durado muito tempo. E quase nem concertos dei com a maior parte das bandas e projetos em que me inseri. Então, comecei a fazer som para os Lazy Faithful, a gostar da onda deles e envolvi-me. Até que comecei a pensar: “tenho umas músicas no bolso, podia falar com esta malta e tentar fazer um projeto.” Falei com o Rafa, mostrei-lhe as músicas e ele disse: “Vamos a isso!”

Rafa – Inicialmente até foi uma coisa sem compromisso.

Jimmy – Sim, mais na palhaçada.

 

As primeiras canções já faziam parte universo punk/garage/surf rock…?

Jimmy – Sim, já estavam um bocado formatadas para esses géneros. Tinha que ser rock e essa era a primeira condição. Aliás, a primeira canção que mostrei ao Rafa foi a “Broken Thought”. E acho que essa música já ditava para onde queríamos ir.

Vocês hoje são um trio, juntamente com o Nuno Loureiro. Mas o Gil Costa e o Tommy Hogg (dos Lazy Faitfull) também pertenceram à banda.

Rafa – O Tommy entretanto teve mesmo que sair porque estava sem tempo – e foi aí que se juntou o Loureiro. E o Gil ainda está, mas começa a ter alguma dificuldade.

Jimmy – Ele está a tocar com uma data de projetos: White Haus, está com o Diron Animal, teve umas datas com os The Last Internationale… Os concertos que puder ir fazendo, faz! Nós gostamos muito do Gil e de tocar com ele e sempre que der, há espaço para se juntar.

Rafa, como é que separas os dois mundos? O dos Fugly e dos Lazy Faithful?

Rafa – São mundos diferentes, sim. Se calhar a atitude inicial é muito idêntica, mas se calhar a nível de composição em Lazy há coisas um bocadinho mais complexas e trabalhadas…

Jimmy – Ei, obrigado!

Rafa – Não!

Jimmy, lá está: não era a complexidade que estavas à procura!

Jimmy – Estava a brincar!

Rafa – As pessoas que se juntaram em Lazy Faithful também têm influências diferentes, principalmente o Tommy, que tem a vertente mais pop e revivalista dos anos 70. Depois juntamo-nos todos e tentamos modernizar as coisas. Mas para mim é muito mais natural tocar em Fugly.

Por ser mais direto ao assunto.

Rafa – Sim, o Jimmy aparece com as ideias e eu consigo formar logo ideias na minha cabeça, às vezes algumas que nem sei executar muito bem e tenho que perder algum tempo. Mas sim, é muito fluído.

 

“O disco centra-se numa personagem – que não tem um nome, propriamente – que relata os problemas dos “millenials” e tentar ver a luz ao fundo do túnel, porque não é, de todo, uma geração perdida. Ainda que tenha alguns defeitos”

 

O que é que está previsto para os próximos tempos em termos de concertos?

Jimmy – Uma data de concertos! Vamos ter as datas de apresentação em Lisboa e no Porto, no Maus Hábitos e no Damas – 9 e 10 de fevereiro. Depois vamos a Leiria, Évora, Braga, Fafa, Vila Real, Coimbra… o País de Norte a Sul. E depois vamos ter uma tournée de três semanas com os Whales, da Omnichord Records – é uma parceria entre a Pointlist, a Omnichord e a Bullet Seed. Marcaram-nos 18 ou 19 datas por Espanha, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália, República Checa….

Rafa – Talvez Polónia… vamos ver se chegamos lá!

E é interessante essa parceria, esse cooperativismo entre editoras. É importante para fazer as coisas andarem, porque sozinho é mais difícil, não é ?

Jimmy – Sim, temos que dar as mãos uns aos outros e ajudar. De costas voltadas e todos a mostrar quem é que tem o “membro maior” (risos) isto não vai a correr bem. E estamos todos pelo mesmo, por isso não faz sentido fazer as coisas de outra forma. Somos o nicho, o que está debaixo da pedra e é importante manter esse sentido de comunidade e entreajuda entre bandas, agências e editoras.

Entrevista: Bruno Martins | Fotografia: André Coelho