Artigos

Festival Forte: techno em castelo medieval

por Isilda Sanches

 

É um dos principais festivais de música eletrónica em Portugal e acontece num local que pode parecer insólito, mas que, na verdade, é simbólico no que diz respeito à história da música de dança entre nós. Foi no Castelo de Montemor-o-Velho, em agosto de 1992, no encerramento do Festival de Teatro Citemor, que os Test Department fizeram o que normalmente se chama “a primeira rave” em Portugal. Na altura, ninguém esperava que a banda industrial britânica transformasse uma edificação medieval numa gigantesca pista de dança; hoje, antes pelo contrário, e o Festival Forte tem muito a ver com essa nova ordem de expectativas.

A edição deste ano do Forte, a quinta, é mais uma vez virada essencialmente para o techno e reforça as ligações ao industrial e às origens mais escuras e musculadas da música de dança. No cartaz, estão alguns dos nomes mais representativos da cena nacional e internacional. Num total de 45 artistas, são mais de uma dezena os portugueses no cartaz, homens e mulheres, DJ, produtores e músicos que atestam sobre a vitalidade do underground da música de dança em Portugal.

2jack4u, a dupla de Cascais Rubina e André, apresentam-se com máquinas num exercício de acid techno que os coloca entre os projetos mais interessantes e enérgicos atualmente por cá. Já o coletivo Desterronics assume-se mais perto da improvisação livre com artilharia eletrónica e tanto pode apontar à pista de dança como ao espaço. Art.Attack, projeto sónico-visual de agitação artística criado por Violeta Lisboa, vai ocupar o Teatro da Vila nos dias 29 e 30 com apelo ao público para entrar e sair à vontade. Early Jacker, identidade paralela de Miguel Torga, ambos disfarces de Hugo Vinagre, é outro dos portugueses no cartaz. Seja sob que identidade for, Hugo já provou ser um dos nossos produtores de música de dança mais eficazes e imaginativos; como Early Jacker, já lançou pela Tribal America. Jerry the Cat não é português, nasceu em Detroit, mas vive em Lisboa há tempo suficiente para o considerarmos português. Tem formação em Matemática e foi professor, mas também é músico. Tocou com Parliament/Funkadelic, foi músico de sessão da Motown, colaborou com grandes da cena de Detroit como Derrick May, Carl Craig ou Moodymann. Desde que vive em Portugal, esteve envolvido com vários projetos, atualmente mais com Gala Drop e Loosers. Da lista de portugueses no Forte, fazem ainda parte Miguel Sá, DJ 2old4school, Apart & Amnesiac, Afonso Macedo, Enko, Marum, Hedonik 2, Tone Hettmann e Caroline Lethô, Carolina Mimoso, DJ e produtora do Algarve, uma das mulheres que mais se tem destacado na nova geração de criadores de música de dança em Portugal.

Apesar da robustez da turma nacional, os grandes argumentos do Forte são internacionais e em vários casos procuram explorar outras dimensões além da sónica. Alva Noto, o alemão Carsten Nicolai, que assinou a banda sonora de The Revenant: O Renascido com Ryuichi Sakamoto e Bryce Dessner dos National, tem uma conceção global de espetáculo e procura torná-lo numa experiência imersiva que combina som e imagem. Pantha du Prince também gosta da ideia de espetáculo “holístico” e vai multiplicar o efeito rítmico com o baterista e compositor norueguês Bendik HK, do coletivo The Bell Laboratory. Neste capítulo multiestímulos, as atenções concentram-se em Drew McDowall e Florence To, que também vão combinar som, imagem e luz na apresentação mundial do espetáculo audiovisual Time Machines, recriação do disco histórico dos Coil, de que Drew McDowall foi membro a partir de 1994. É um dos nomes de culto no cartaz do Forte e está numa categoria única, mas há outros notáveis, como Luke Slater, na pele de Planetary Assault Systems, a espalhar ácido com eficácia desde os anos 90, também com reforço da parte audiovisual no Festival Forte. Monolake, o alemão Robert Henke, tem planos semelhantes na estimulação dos sentidos, mas vai concentrar-se no som, retirando tudo o resto. Há quem diga que é por aqui que passa o futuro dos clubes. Nada para ver, tudo para sentir o som surround em múltiplos canais.

Tal como Monolake, Anthony Child, ou Surgeon, grava desde meados dos anos 90. Lançou o primeiro EP em 1994 e é fortemente influenciado pela cena industrial e bandas como os Coil. Apesar de ser uma referência do universo mais underground da música de dança, chegou a abrir para Lady Gaga. O alemão The Hacker, Michel Amato, também tem raízes no industrial: no final dos anos 80, teve uma banda inspirada em Einsturzende Neubauten, Cabaret Voltaire e Throbbing Gristle, mas deixou o grupo para fazer música sozinho quando descobriu a música de dança. Começou por ser conhecido em parceria com Miss Kittin, foram dupla fundamental no electroclash, mas sempre teve vida própria, apesar de gostar da sombra.

No centro das atenções, continua a produção feminina de música de dança, o que na realidade reflete o número cada vez maior de mulheres a fazer coisas significativas em múltiplas áreas da música eletrónica. Electric Indigo, austríaca, é nesse sentido uma pioneira e ativista: começou em 1989 como DJ em Viena; trabalhou na Hardwax em Berlim, onde desenvolveu a sua ligação ao techno de Detroit; e, em 1989, criou a female:pressure, uma rede de apoio e base de dados de mulheres artistas envolvidas na música eletrónica. Electric Indigo é também compositora, galardoada pelo Ministro da Cultura austríaco em 2012, e faz música para clubes, instalações e também teatro e cinema. Encabeça uma lista de mulheres com atitude e ideias nesta edição do Forte, em que, naturalmente, se destaca a alemã Helena Hauff, um dos nomes mais importantes da cena techno atual. Física, cerebral e desafiante, está à altura de todos os créditos de Top DJ (que, inegavelmente, é!). Lena Willikens também é uma mulher com influência, é DJ e produtora, faz rádio e pertence à família Coméme, de Matias Aguayo. Tem tudo a seu favor. Entre as mulheres do Forte, destaque ainda para a japonesa Yumii, pianista e organista de formação, que faz uma espécie de música meditativa (aberta a eventuais sobressaltos) e pode servir de contraponto num festival que faz justiça ao nome que escolheu.