(Quar)antena 3

Dez grandes clássicos do cinema sci-fi

As listas são sempre pessoais, mas todas elas podem ser partilhadas. Esta é uma escolha de dez grandes clássicos do cinema de ficção científica — e, para que não fiquemos apenas pelo século XX, há um representante do nosso tempo aqui entre gigantes. Trata-se de uma escolha pessoal, claro… e nada científica. Nisto das listas, o gosto é quem faz as escolhas, mas o bom destas escolhas é que nos fazem pensar em mais filmes para além destes. Aqui ficam as dez escolhas do Nuno Galopim, arrumadas cronologicamente.

 

Metropolis, de Fritz Lang (1927)

Através dos trabalhos pioneiros de Georges Meliès, a ficção científica morou entre os primeiros territórios de género abordados pelo cinema. Mas foi preciso esperar até 1927 para que surgisse uma longa metragem de ficção científica. Aconteceu com o magistral Metropolis, filme do cineasta alemão Fritz Lang. Produzido pelo Babelsberg Studio em Potsdam, perto de Berlim (o mais antigo dos grandes estúdios de cinema), Metropolis conheceu reações bem dispares por alturas da estreia e, submetido à censura, foi cortado tendo algumas das sequências acabado por se perder. Ao longo dos anos foram feitas várias tentativas de reconstituição do filme, uma delas tendo sido exibida na Berlinale em 2001, numa altura em que o filme era inscrito como património pela UNESCO. Em 2008 uma cópia degradada da versão original de Fritz Lang foi encontrada num museu na Argentina. Através dessa cópia foi possível recuperar e restaurar 95% do filme, que foi assim novamente exibido em 2010.

A ação transporta-nos para uma grande cidade do futuro. Um mundo onde os poderosos e ricos dedicam o tempo ao ócio, cabendo a uma outra parte da população uma vida de quase servidão, feita de rotinas de trabalho mecanizadas, desumanizadas. Enquanto os ricos habitam os altos edifícios, praticam desporto e descansam entre jardins e clubes noturnos, a multidão que trabalha vive em subterrâneos e cruza-se em turnos que mantém ativas as máquinas que fazem a cidade funcionar. A narrativa ganha rumo quando o filho do líder da cidade conhece uma jovem que vive nos subterrâneos (e que por sua vez comanda uma revolta que o poder tenta travar).

A criação visual da cidade – tanto na sua expressão arquitetónica como na definição dos espaços onde evoluem as rotinas de trabalho – é apenas um entre os argumentos que fazem de Metropolis um dos mais importantes títulos dos tempos do cinema mudo e um filme de referência na história de um relacionamento da ficção científica com as visões de cenários distópicos que tantos livros e filmes depois desenvolveram. Profundamente influente, o filme foi citado em diversos momentos (como no teledisco de “Radio Ga Ga” dos Queen) e chegou a ter várias versões, uma delas com banda sonora criada por Giorgio Moroder, em 1984.

 

A Vida Futura, de William Cameron Menzies (1936)

Com ponto de partida no livro The Shape of Things to Come, que H.G. Wells tinha publicado em 1933, o realizador britânico William Cameron Menzies criou em 1935 uma adaptação ao cinema que não só explora as ideias políticas e sociológicas presentes na narrativa como propôs uma visão do futuro (na sequência final do filme) que representou um momento marcante na história do design ao serviço do cinema de ficção científica.

A ação que acompanhamos cruza quase um século, tomando uma cidade ficcional como foco das atenções. Descobrimos Everytown em 1940, em vésperas de uma longa guerra que a isola do resto do mundo e mergulha a humanidade numa era de trevas. Depois de dominada por um déspota, a cidade encontra um caminho diferente quando, em 1970, um emissário de uma civilização de engenheiros e mecânicos que entretanto florescera. E sob esse novo jogo encontramos um mundo diferente, mas ainda vulnerável à força da ignorância, em 2036.

Consta que o próprio H.G. Wells acompanhou de perto muitos elementos da produção. A banda sonora foi assinada pelo compositor Arthur Bliss. E a direção de arte, que teve presença determinante na criação das visões do futuro aqui sugeridas, resultou de um trabalho do artista húngaro László Moholy-Nagy.

 

O Dia em Que a Terra Parou, de Robert Wise (1951)

Num tempo em que as histórias que surgiam nas pulp magazines tinham habituado uma nova geração de aficionados da ficção científica a ler sobre visitantes de outros mundos que aqui chegavam não pelas melhores intenções, e o cinema se preparava para uma era de igual expressão de aventuras com invasores em produções de baixo orçamento que surgiram em quantidade durante as décadas de 50 e 60, uma história diferente, com uma visita também ela diferente gerou um episódio maior na história desta cinematografia. Com ponto de partida no conto “Farewell to the Master” (1940), de Harry Bates, O Dia em Que a Terra Parou (no original, The Day the Earth Stood Still) chegou ao grande ecrã pelas mãos de Robert Wise, o mesmo autor de filmes como Amor Sem Barreiras (1961) ou Música no Coração (1965), mais tarde, o responsável pela realização da primeira expressão do universo Star Trek no cinema, com O Caminho das Estrelas (1979), e presidente da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences entre 1984 e 87.

O filme coloca-nos na capital norte-americana, que recebe a visita de um disco voador que aterra não muito longe da Casa Branca. Da nave emerge Klaatu, um alienígena de aparência humana que é contudo ferido por uma bala de um soldado “nervoso”… Em resposta, o robô Gort liquida os militares presentes. Ferido, aprisionado, e tratado num hospital, Klaatu diz trazer uma mensagem urgente. Mas escapa da zona vigiada e, procurando diluir-se entre a população, encontra um quarto numa casa de hóspedes. Entre um caso romântico que emerge e uma perseguição que se intensifica, a presença de Gort volta a fazer-se notar, acabando por ser apresentado como uma nova estirpe de robôs destinados a combater a violência. Na verdade, Klaatu chegara à Terra com uma mensagem pacifista, avisando-nos sobre as consequências de uma eventual tentativa da humanidade levar para o espaço a conduta agressiva e violenta que conduz a sua vida na Terra.

A mensagem pacifista e a visita de paz de Klaatu e Gort fez deste filme um pólo de diferença entre tantas aventuras com invasores espaciais que fizeram a história do cinema de ficção científica de meados do século. Tornado um ícone, o filme não só é um dos espaços mais citados em Marte Ataca!, de Tim Burton, como gerou mesmo um remake (claramente menor) em 2008. A banda sonora foi assinada por Bernard Herrmann.

 

Planeta Proibido, de Fred M. Wlicox (1956)

Num tempo em que muita da produção de ficção científica se apresentava na forma de aventuras de produção “económica” com ataques de alienígenas e discos voadores como condimento mais habituais, a grande produção que a MGM apresentou em 1956 mostrava algo diferente. Sob realização de Fred M. Wilcox e um orçamento de quase cinco milhões de dólares, a primeira grande super-produção do género na era do cinema sonoro transporta-nos para o século XXIII e para longe da Terra.

Com argumento de Irving Block e Allen Adler, O Planeta Proíbido acompanha a missão de uma nave terrestre a Altair IV, um mundo distante, em busca do destino de uma missão ali lançada 20 anos antes e da qual encontraremos apenas um sobrevivente, a sua filha e um robô (Robby, The Robot) que se transformaria num ícone sci-fi. Com eles surgem ainda ecos de um povo há muito desaparecido, da tecnologia que deixou e de expressões afinal bem vivas da sua memória.

Visualmente cuidado, acompanhado por uma banda sonora eletrónica assinada por Louis e Bebe Barron (que representa mesmo um marco na história dos pioneiros na utilização destas novas sonoridades), é um evidente percussor de muitas das ideias que a ficção científica visitaria depois, nomeadamente o universo Star Trek, que nasceria dez anos depois.

 

2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick (1968)

É difícil superar 2001: Odisseia no Espaço, sendo praticamente unânime apontá-lo como o melhor filme de ficção científica de todos os tempos. O perfecionismo, a visão e o poder na indústria de então de uma figura como Stanley Kubrick são apenas alguns dos muitos fatores que contribuíram para fazer deste filme um marco na história do cinema. Apesar dos mundos e fundos levantados para produções como Metropolis (nos anos 20) ou Planeta Proibido (nos anos 50), nunca antes uma produção desta envergadura tinha sido colocada ao serviço de um título do género. E só o claro investimento (técnico e artístico) permitiu a Kubrick um semelhante feito, ainda hoje sem par na história da relação da ficção científica com o cinema. Importante desde o inicio do projeto foi o entendimento e a capacidade de trabalho conjunto entre o realizador e o escritor Arthur C. Clarke, que, a partir de ideias de alguns contos seus, desenvolveu o argumento ao mesmo tempo que escrevia o livro. Literatura e cinema em diálogo, portanto.

Dividido em três partes, mais um epílogo, o filme trata no fundo da constatação de um primeiro encontro entre o homem e formas de inteligência extraterrestre. Numa primeira sequência somos transportados para África, nos tempos da aurora da humanidade, num tempo em que um grupo de símios descobre a utilização de objetos como ferramenta (e arma). Já num futuro não muito distante rumamos depois à Lua, onde elementos da base americana encontraram um monólito (ali enterrado há quatro milhões de anos) que transmite um sinal para as imediações de Júpiter e é em tudo igual ao que vimos nas imagens da sequência de abertura. Na mais longa (e terceira) sequência acompanhamos uma missão a Júpiter que parte em busca do destino das emissões do monólito, mas aí a história desvia o seu foco de atenções para um espantoso ensaio sobre a relação do homem com a máquina.

Se o deslumbramento das imagens é um dos argumentos maiores em favor de 2001: Odisseia no Espaço (e convém aqui realçar o trabalho de efeitos visuais de Douglas Trumbull), a verdade é que, mesmo com um final intrigante e mesmo difícil de explicar, também a força narrativa e literária da história criada por Arthur C. Clarke lança novas ideias, fazendo deste filme uma obra maior em todos os sentidos. A música — usando elementos de gravações de obras de Richard Strauss, Johann Strauss, Katchaturian e Ligeti — é outra das características mais marcantes do filme. De resto, é impossível ver 2001 sem, daí em diante, associar o “Danúbio Azul” de Strauss a uma bela dança sideral para nave e estação espacial em plena órbita terrestre.

 

Solaris, de Andrei Tarkovsky (1972)

Um dos grandes clássicos do cinema de ficção cientifica dos anos 70 chegou do lado de lá do que era então a “cortina” de ferro, juntando um dos mais visionários autores do cinema russo à escrita de um dos mais importantes autores de literatura sci-fi europeia. Baseado em Solaris, romance que Stanislaw Lem havia publicado em 1961, o filme de Andrei Tarkovsky é um drama psicológico em grande parte passado a bordo de uma estação espacial, revelando um sentido de focagem nas personagens e no tempo pouco habituais nos universos do cinema de ficção científica. Com música original de Eduard Artemyev (e uma peça de Bach), Solaris foi distinguindo em Cannes (em 1972) com o Grande Prémio do Júri e o FIPRESCI. Na URSS, o filme esteve em cartaz continuamente durante mais de dez anos e adquiriu um estatuto de culto.

Com ponto de partida na Terra (com a visita de um psicólogo/astronauta a casa dos pais), o filme transporta-nos para as imediações do planeta Solaris, um mundo diferente coberto por um oceano que há muito está sob estudo. A estranheza de mensagens recebidas da estação espacial em sua órbita motivam a missão deste psicólogo, que ali encontra uma tripulação claramente “alterada” e pouco cooperante, um dos três elementos a bordo tendo-se suicidado. Mais estranho será contudo o reencontro com uma figura feminina que aparenta ser a sua mulher, falecida alguns anos antes…

Os universos da literatura de ficção cientifica não se cruzaram muitas vezes com os do cinema, representando a abordagem de Tarkovsky à escrita de Lem um dos mais importantes exemplos desses (raros) diálogos. Admirador da obra literária do polaco, Tarkovsky começou por redigir um argumento que centrava parte significativa da ação na Terra, a evolução do projeto conduzindo-o contudo a uma mais marcante presença dos espaços da estação espacial em órbita do planeta Solaris como cenário para uma história que, mesmo assim, procura focar interesses algo distintos dos que o livro propunha. Para Lem esta era sobretudo uma narrativa sobre a dificuldade (ou mesmo em ultima instância a impossibilidade) de comunicação — neste caso, com extraterrestres. Tarkovsky, mantendo linhas determinantes da narrativa intactas, procurou por seu lado a exploração mais profunda das personagens, em particular a do protagonista e da “presença” do reencontro com a sua mulher

 

Encontros Imediatos do 3.º Grau, de Steven Spielberg (1977)

O ano de 1977 representa um ponto de viragem na história do cinema de ficção científica. Por um lado, acolhe a estreia de A Guerra das Estrelas, de George Lucas. Por outro, assinala também a chegada aos grandes ecrãs de Encontros Imediatos do 3.º Grau, filme de Steven Spielberg que, depois de O Tubarão (1975), o estabelece como uma das novas grandes forças do cinema norte-americano. O filme materializou o que era um projeto já com alguns anos do realizador, que queria experimentar o espaço da ficção científica e surge numa época em que, talvez como consequência de uma cultura gerada pelos filmes de série B (e menor) dos anos 50 e 60, o interesse pelos OVNI gerava dúvidas generalizadas sobre se estaríamos ou não sós no universo. O próprio título refere um conceito levantado por “ovniologistas”: um encontro imediato é aquele em que existe, além do contacto visual com um alienígena, um momento de comunicação.

O filme começa por apresentar uma série de situações em locais bem distintos do globo. Todas elas resultam de fenómenos aparentemente estranhos, algo acabando por ligá-los… Uma equipa de cientistas recolhe e estuda os dados, levantando hipóteses. Mas Spielberg opta por seguir antes duas famílias, cada qual com uma história pessoal de relacionamento com fenómenos invulgares. Visitantes de um outro mundo? Cruzando informações e juntando pontas soltas os protagonistas acabam por seguir rumo a uma antiga chaminé vulcânica no Wyoming. Quem os espera?

Visualmente deslumbrante — fruto de mais um trabalho de efeitos visuais de Douglas Trumbull, o mesmo que esteve com Kubrick em 2001: Odisseia no Espaço — e inteligentemente centrado na exploração das personagens (uma delas interpretada por François Truffaut) o filme junta ainda um elemento adicional determinante: a música. E não apenas pela banda sonora criada por John Williams, já que uma das formas de comunicação que permite a ligação entre os humanos e os alienígenas que nos visitam é mesmo a música.

 

A Guerra das Estrelas, de George Lucas (1977)

Na história da ficção científica, há um antes e um depois de Star Wars. Não pela dimensão colossal da produção, que já antes (e sobretudo com o 2001: Odisseia no Espaço, de Kubrick) se materializara no grande ecrã. Mas pela forma como, desde o início, George Lucas pensou todas as implicações e extensões deste universo aos mais variados produtos e herdeiros, criando assim um novo modelo que desde então ganhou expressão noutros espaços e que garantiu ao universo Star Wars um estatuto não apenas de culto mas de impressionante fenómeno mainstream de dimensão global. O projeto inicial perevia desde logo a possibilidade de projeção de uma narrativa num arco de mais de um filme. Cruzavam-se aqui ecos de velhas narrativas de batalhas, uma dose de misticismo e lendas e uma acção que abarca vários planetas, povos, naves e estações espaciais numa visão em grande escala, definindo o paradigma de referência da space opera.

Primeira parte de uma trilogia original — que teria continuidade direta nos filmes O Império Contra-Ataca (1981) e O Regresso de Jedi (1983) —, A Guerra das Estrelas (título local original para Star Wars) leva-nos para uma história que ocorreu “há muito tempo, numa galáxia distante”. Apresenta-nos ingredientes clássicos na forma de um herói Luke Skywalker (Mark Hammil), o mentor Obi-Wan Kebobi (Alec Guiness), o companheiro de luta Han Solo (Harrisson Ford), a princesa Leia (Carrie Fischer) e o vilão Darth Vader (David Prowse, com voz de James Earl Jones). E junta os robôs C-3PO e R2-D2, figuras que marcarão toda a vida da saga no grande ecrã. A história, em traços largos, revela uma conspiração rebelde contra uma tirania galática, podendo a descoberta dos planos de uma estação espacial gigantesca abrir espaço para um combate na mais clássico modelo David contra Golias.

Com música de John Williams e um trabalho cuidado na criação dos efeitos visuais, A Guerra das Estrelas gerou um fenómeno maior de bilheteira logo em 1977 e abriu espaço a uma focagem de interesse da indústria cinematográfica pelos terrenos da ficção científica. Mais de quatro décadas depois, o universo Star Wars é ainda um corpo vivo e vibrante. Não só gerou vários filmes e uma longa-metragem de animação, como séries de animação para televisão, um sem-fim de videojogos e livros. A saga foi reativada com a aquisição da Lucasfilm pela Disney. Nasceu uma terceira trilogia e, em dezembro de 2019, o nono episódio criou um desfecho “definitivo” para a saga nascida em 1977. Muito se debate neste momento sobre o futuro de Star Wars, mas, para já, parece estar focado em criações para o pequeno ecrã.

 

Blade Runner: Perigo Iminente, de Ridley Scott (1982)

O ponto de partida foi “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, um conto de Philip K. Dick, no qual o escritor procurara, acima de tudo, refletir sobre o que é, afinal, um ser humano. Numa espécie de projeção para uma Los Angeles futurista do desejo de ser gente que animou Pinóquio, Ridley Scott apresentou em Perigo Iminente a história de um tempo em que o homem criou réplicas de si mesmo para que estas executassem os seus trabalhos, sobretudo em colónias planetárias exteriores. Seres inteligentes, que nascem contudo com um tempo de vida finito e cuja convivência com os espaços reservados aos humanos não é permitida, havendo uma força policial que se dedica a localizar os que tentam fugir. No filme acompanhamos um Blade Runner (assim se chamam esses agentes), na sua missão que prevê o abate de um grupo de replicants que chegou à Terra (e que traz consigo, além do desejo de vida e humanidade, uma também tão humana sede de vingança contra quem assim os criou).

O que fez de Perigo Iminente um clássico maior do cinema de ficção científica não foi apenas o fulgor de uma narrativa que mostra de facto marcas do melhor da literatura do género (afinal o conto onde se baseia é apenas de um dos melhores autores de sci-fi) ou os trabalhos de composição das personagens (destacando naturalmente a figura de Deckard trabalhara por Harrison Ford, mas também a do replicant criado por Rutger Hauer). A banda sonora, de Vangelis, sugere um futuro assombrado. Mas abre portas ao passado (rumo, afinal, a algo a que a direção de arte acabou por definir para a cidade que ali vemos).

A criação da visão desta Los Angeles do futuro é uma das peças fundamentais do filme. A cidade é lúgubre e chuvosa, eternamente movimentada mas no fundo profundamente solitária. Os edifícios evocam formas e tons que convocam memórias do film noir. Um filme projetado quarenta anos no futuro feito ao estilo de há quarenta anos atrás, como descreveu Scott Bukatman num livro sobre este filme. A visão de Ridley Scott, sobretudo pelo seu ritmo lento e caráter ambíguo na forma de apresentar o desfecho, gerou algum desconforto no estúdio e gerou a criação de uma versão “alternativa” para a estreia comercial. O tempo acabaria por eleger este como um filme de culto. E as suas várias versões estão todas elas hoje disponíveis em Blu-ray.

 

Moon — O Outro Lado da Lua, de Duncan Jones (2009)

A estreia nas longas-metragens do realizador Duncan Jones (filho de David Bowie) colocou-nos perante o melhor filme de ficção científica dos últimos anos. Exemplo maior de um registo minimalista e realista que começa a conhecer agora alguma expressão (além de Gravidade, Distrito 9 ou Debaixo da Pele serão outros exemplos), Moon — O Outro Lado da Lua reflete uma visão da ficção científica como uma realidade que não se esgota no arsenal de efeitos especiais convocados à produção. De resto, com um orçamento de cerca de cinco milhões de dólares (coisa de dieta junto de tantas outras produções do género), Moon — O Outro Lado da Lua é um filme que, mesmo muito cuidado na imagem, vive mais das ideias que do aparato visual, aí nascendo mesmo uma identidade mais próxima das demandas habituais na literatura de ficção científica que dos caminhos mais frequentemente visitados por este género nas suas expressões para grande ecrã nos tempos que correm.

A história que acompanhamos em Moon — O Outro Lado da Lua apresenta-nos a figura de Sam Bell (interpretado por Sam Rockwell), um astronauta solitário que se aproxima do final de uma campanha de três anos numa pequena base lunar associada a uma exploração mineira. Por companheiro, Sam tem apenas o robô GERTY, cuja voz é criada por Kevin Spacey. Um acidente no exterior da base leva-o a encontrar, inesperadamente, um corpo em tudo idêntico ao seu, descobrindo ambos serem afinal clones de um Sam original num momento em que, subitamente, as comunicações da base com a missão de controlo ficam inoperacionais.

A procura de um sentido realista para as imagens, que tem como antepassado natural o clássico 2001: Odisseia no Espaço, e a exploração de um espaço de solidão, que transporta ecos do belíssimo O Cosmonauta Perdido, de Douglas Trumbull, fazem deste filme de Duncan Jones um sério herdeiro de referências maiores do género. Estreado em Sundance, valeu alguns prémios ao realizador, nomeadamente um BAFTA e duas distinções nos British Independent Film Awards.