Oub'lá

Black Rebel Motorcycle Club

 

“Este Wrong Creatures talvez não seja tão…. esquizofrénico!”

 

Nem se pense em duvidar do regresso aos discos dos Black Rebel Motorcycle Club. Peter Hayes, Leah Shapiro e Robert Levon Been editam Wrong Creatures, quatro anos depois do último álbum de originais. Sem erros nem dúvidas: os BRMC voltam exatamente como gostávamos que eles voltassem: pesados, negros e distorcidos. Distorcidos e introspectivos.

Peter Hayes, vocalista, fala-nos dos últimos quatro anos da banda, o tempo que passou entre Specter At The Feast e este novo Wrong Creatures. Se o disco anterior ficou marcado por uma perda traumática – do pai de Robert, que era, ao mesmo tempo, um grande amigo da banda – este novo parece encontrar a banda de São Francisco num ponto de maior estabilidade. Ultrapassado o drama neurológico de Leah Shapiro – uma má formação do crânio obrigou-a a um extenso período de tratamento – os BRMC voltaram a focar-se na construção de um disco que dizem ser à moda antiga, de uma banda de rock ‘n’ roll – “porque o rock é hoje muito diferente do rock ‘n’ roll”. É pensado para ser um álbum e não apenas um conjunto de canções que soam bem. “Tentamos criar momentos de altos e baixos para que possa ser interessante tanto para nós como para quem o vai ouvir. Há pessoas que já não querem saber disso, mas nós divertimo-nos a fazê-lo.”

Chamem-lhe um regresso ao passado, se quiserem: Wrong Creatures traz-nos de volta o pós-punk e shoegaze que já tinham feito em 2001, naquele ano em que os BRMC e outros contemporâneos resgataram o rock de um período chocho em que se chegou a gritar a morte do género.

Fizeram-no com canções como “Red Eyes And Tears”, “Spread Your Love” ou “Whatever Happened to My Rock ‘n’ Roll” – esta última, uma pergunta com década e meia que pode encontrar algumas respostas em faixas como “King of Bones” ou “Question of Faith”.

 

Peter, como recordas estes últimos quatro anos na vida dos Black Rebel Motorcycle Club?

Estivemos muito tempo em digressão: foi um ano, mais ou menos, na estrada. Depois houve a operação da Leah [Shapiro, baterista]. Voltámos às digressões depois disso… estivemos muito ocupados. Basicamente foi a vida a acontecer.

 

Quando é que começaram a criar este Wrong Creatures?

O processo, para mim, começa imediatamente a seguir ao fecho do disco anterior. Assim que um álbum está pronto, não dá para mexer mais – que nos sai das mãos – e vai para o público, é a deixa para começar um novo. Tem sido assim que tenho trabalhado ao longo dos anos.

 

Nunca deixas de pensar em canções?

Sim, na maior parte das vezes… eu continuo sempre a tentar escrever uma canção, a tentar perceber se consigo fazer melhor do que da última vez… é um processo contínuo, pode dizer-se: andar sempre à procura de sons e das melhores formas para fazer as coisas. De facto parece que nunca estou satisfeito. Isso pode ser bom, mas também pode ser mau (sorri), porque nos obriga sempre a dar mais, mas também nos mantém sempre a andar sobre areias movediças.

 

Tinhas ideias específicas para este disco?

Acho que como qualquer banda, estamos sempre à procura de não nos repetirmos. Talvez sejamos um bocadinho “velha escola” nesse sentido. Tentamos fazer um álbum como um todo; tentamos criar um álbum de momentos de altos e baixos para que possa ser interessante tanto para nós como para quem o vai ouvir. Há pessoas que já não querem saber disso, mas nós divertimo-nos a fazê-lo. Nós podemos ter 15 ou 20 ideias de canções e podemos puxar muito por uma delas para conseguir acabá-la. Às vezes conseguimos, outras vezes não. No final de contas, aquelas que acabamos são as que entram no disco (risos). Depois se há uma música que é muito similar à outra, vai ser posta de lado e torna-se, eventualmente, num lado B. Andamos sempre para trás e para a frente, a discutir as que entram e as que não entram, mas todas elas hão-de ver a luz do dia de uma forma ou de outra. Hoje em dia podemos pôr online e despachar isso.

 

Dizes que os Black Rebel Motorcycle Club são da “velha escola”. Sentem-se confortáveis com a forma de trabalhar hoje em dia; com a necessidade de ter ou poder ter tudo online?

Depende de como é que vai para a internet… desde sempre que os álbuns arranjaram maneira de chegar às pessoas, independentemente da forma como achas que tens controlo sobre eles. Eu nunca me importei muito: se é mesmo o álbum final que é disponibilizado na internet, que seja. Se as pessoas querem uma versão própria, até com artwork personalizado para uma coleção pessoal, consigo perceber.

 

“Está sempre no nosso sub-consciente não nos afastarmos muito daquilo que somos”

 

Pensaram o disco canção a canção ou a construção foi feita da chamada forma clássica: a pensar numa narrativa completa para este Wrong Creatures?

Como disse: nós tentamos juntar tudo, fazer um disco que contenha em si uma história – ou algo próximo disso. Talvez uma história ou canções que funcionem como personagens. Mas isso depende mais dos ouvintes do que nós, porque há muita gente que não está, necessariamente, à procura de discos desses. Só estão à procura de canções – mas as coisas também foram sempre assim. E por mim tudo bem: consigo respeitar. Se os ouvintes ficam satisfeitos com o que lhes damos, por nós tudo bem (risos).

 

E que personagens é que podemos encontrar neste Wrong Creatures? Como é que descreverias este álbum?

No último disco dos BRMC, o Specter at The Feast, ouviram-se grandes mudanças nas estruturas das canções. Este talvez não tenha grandes saltos nas canções. Como é que se diz… este talvez não seja tão esquizofrénico (risos), é um pouco mais coeso. Mas isso é mais um acidente feliz (risos).

 

“Este disco talvez seja mais introspectivo e menos de extremos. Mas isso é a minha opinião, para a forma como eu olho para ele”

 

Não sei se é acidente feliz ou não, mas gostei bastante. Acho que traz de volta o peso e a crueza que escutámos em álbuns vossos mais antigos. Houve alguma vontade de voltar a algum período específico do vosso som?

Isso está sempre no nosso sub-consciente: não nos afastarmos muito daquilo que somos. Gosto de pensar que somos uma banda de rock; de rock ‘n’ roll – porque o rock é hoje muito diferente do rock ‘n’ roll. E tentamos não ir para muito longe dessas ideias, mesmo que seja divertido fazer outras coisas. Creio que muito disto está relacionado com a forma como as canções são gravadas. Nós não somos gente de ir para sítios “xpto”, conseguir sacar o “som perfeito”. A maior parte do disco é sempre feito em casa: era assim que fazíamos no início e é assim que fazemos ainda hoje enquanto banda.

 

Não sei se é algo que acontece a todos os músicos ou a todas as bandas. Mas tenho a sensação de que a determinada altura, as bandas tentam divergir da rota e arriscar. É uma espécie de arco em que, mais à frente – depois de andarem a viajar por outras paragens – acabam por voltar ao trilho inicial, às raízes, sem serem tão ousados. O que achas, Peter?

Sinceramente, não sei se nós teremos alguma vez feito algo muito ousado. Não consigo olhar para isso dessa forma (risos).

 

“Se estás a fazer bem o teu trabalho – enquanto ser humano pensante (risos) – não tens grandes hipóteses: hás-de sempre deixar que todas essas coisas afetem aquilo que estás a fazer e a forma como interages com o mundo”

 

Pergunto isto por teres usado, há pouco, o termo “esquizofrénico” para descrever o disco anterior.

O Specter… nasceu de um período de morte na nossa família [do pai de Robert, Michael Been, mentor e produtor dos BRMC]. Havia muitas emoções no ar nessa altura. Sem dúvida que foi um período de extremos: extrema tristeza, extremo ódio, extrema mágoa e também amor… as canções desse álbum estiveram nesse lado mais extremo. Este disco talvez seja mais introspectivo e menos de extremos. Mas isso é a minha opinião, para a forma como eu olho para ele. De qualquer das formas, eu também estou menos extremo enquanto ser humano, ainda que tenha algumas visões mais extremas em assuntos da nossa atualidade, mas não quer dizer que os vá transformar em canções.

 

Este Wrong Creatures também pode refletir a forma como vocês olham para o mundo em que vivemos hoje? Os problemas sócio-políticos um pouco por todo o lado; a igualdade de géneros, as alterações climáticas?

Sim. Se estás a fazer bem o teu trabalho – enquanto ser humano pensante (risos) – não tens grandes hipóteses: hás-de sempre deixar que todas essas coisas afetem aquilo que estás a fazer e a forma como interages com o mundo. Independentemente de seres um pintor, um músico, um cozinheiro, um mecânico ou um escritor. As tuas interacções vão sempre refletir a forma como pensas na tua vida. Mas eu ainda me questiono muito sobre tudo isso que se passa e como reagir a tudo isto: os “porquês” e como é que eu posso viver com tudo isso que nos rodeia.

 

“Eu não quero, nunca, pensar que já tenho uma resposta melhor do que a de alguém. Prefiro continuar a questionar-me: questionar as minhas questões. Porque também temos que saber fazer as perguntas certas para tentar encontrar respostas”

 

Parece toda a gente tem as respostas para tudo, e já toda a gente tem as ideias e opiniões todas muito bem definidas. Tu já tens respostas para essas questões?

Concordo contigo: é esse o perigo. Eu não quero, nunca, pensar que já tenho uma resposta melhor do que a de alguém. Prefiro continuar a questionar-me: questionar as minhas questões. Porque também temos que saber fazer as perguntas certas para tentar encontrar respostas. Nem sei se há respostas, mas é saudável tentar perceber as ideias dos outros.

 

Que “wrong creatures” – criaturas erradas – são estas de que falam no título do disco?

(risos) Somos todos, não achas? O “errado” também é visto como uma coisa má, mas talvez o “errado” seja uma coisa boa! Pelo menos é assim que eu vejo: como algo volátil. Às vezes não me importo de fazer mal as coisas…

 

“You’re never gonna know what leads you in the nights. Just a question of right as you question your own”, ouve-se em “Question of Faith”. É um tema sobre isto de que estamos a falar?

Sim, acho que sim. O reflexo daquilo que se passa no mundo. A forma como nos estamos a comportar face ao que se vai passando.

 

Estiveram pela Europa há pouco tempo, antes do disco sair. Sei que tocam em Madrid no dia 14 de julho… Está previsto virem a Portugal? 

Espero que sim, a ideia é voltar e mostrar as novas canções. É tudo uma questão de sermos convidados! (risos) Temos sempre planos porque queremos ir a todo o lado!

 

Entrevista: Bruno Martins