“Tenho muita confiança e estou preparada para agarrar na minha arma e lutar”, diz Nasik. A sua filha, Shanaz, avisa: “Vamos lutar até à última gota de sangue”.
Os Peshmerga são um grupo curdo armado e de elite, que combate pelo Curdistão e reivindica a criação de um Estado para os seus cidadãos, que estão espalhados por territórios atribuídos ao Iraque, à Síria e à Turquia. Tem mais de 200 000 militantes, onde se incluem homens e mulheres.
Os Peshmerga têm sido uns dos mais duros inimigos do Estado Islâmico, desde que o grupo explodiu na cena internacional no último mês de Junho aterrorizando o mundo com participações em várias frentes de guerra e decapitações de ocidentais.
As raízes do grupo curdo remontam aos anos anteriores a 1920, antes do fim do Império Otomano. Os Peshmerga lutam pela criação do estado do Curdistão. Nas décadas de governação de Saddam Hussein tornaram-se nos guardiões supremos da etnia curda. Foram massacrados com campanhas negativas, tornaram-se vítimas de ataques químicos e de assassinatos. O seu armamento advém, principalmente, da era da União Soviética, onde se incluem Kalashnikovs e tanques russos da segunda grande guerra mundial.
Nas fileiras Peshmerga, ao lado de homens que lutam arduamente pelos seus ideais da criação de um Estado curdo e para não se deixarem vencer por terroristas que matam em nome do Islão, estão várias mulheres. Mulheres de armas.
Com a sua base de treinos situada em Sulaimaniah, as soldadas ocuparam terrenos no norte do Iraque para se prepararem para lutar contra o EIIL (Estado islâmico do Iraque e do Levante, nome anterior do estado Islâmico). As mulheres Peshmerga são de várias origens e estão distribuídas por quatro batalhões.
Por cada batalhão há uma comandante, normalmente com alguma experiência de guerra. Todas as líderes são mulheres, na sua maioria coronéis que, no entanto, desempenham o papel de comandantes.
Oficialmente, o grupo de mulheres que luta pelo Curdistão no Iraque foi criado em 1996 com o objetivo primordial de fazer frente aos apoiantes do regime de Saddam Hussein.
A maioria destas guerreiras tem formação académica. Muitas outras conseguiram formação em institutos ou concluíram estudos que são equivalentes ao ensino secundário. De acordo com uma das comandantes, nenhuma das soldadas é analfabeta. Todas apresentam níveis altos de educação.
Devido aos avanços do Estado Islâmico, os Peshmerga têm sido cruciais na defesa de territórios curdos. As soldadas que treinam no Iraque apresentam para já pouca experiência em cenário de guerra, no entanto, têm demonstrado vontade em lutar contra os inimigos. Dizem estar preparadas para lutar.
Já há registo delas terem participado na defesa de várias cidades iraquianas, ao lado de outros Peshmergas. Daquq, Jalawla, Kirkuk e Khanaqin são alguns do exemplos onde soldadas combatem o grupo jihadista liderado por Abu Bakr Al-Baghdadi.
Quem as treina diz que têm a mesma valentia que qualquer homem e juram vingança ao Estado Islâmico pelas mortes que têm causado em nome do Islão, principalmente a mulheres.
Desde que o grupo radical se tornou mais mediático que o tratamento cruel do EI em relação às mulheres é notícia. Sabe-se que impuseram a mutilação genital, o niqab e o véu como norma de vestuário e os casamentos forçados.
Os treinos dados a Peshmergas dividem-se em duas vertentes: tradicionais e sazonais.
Chelan Shakhwan, pertencente a um dos regimentos de mulheres Peshmerga, conta como é treinada uma soldada Peshmerga.
“Temos dois tipos de treino. Os tradicionais e os sazonais. Em relação aos treinos tradicionais, diariamente começamos com exercício físico por uma hora. A seguir juntamo-nos em seminários sobre matérias militares, políticas e culturais e após o tempo de estudo continuamos os nossos os deveres militares”.
“Nos treinos sazonais, iniciamos os seminários por volta das 5 da manhã. Depois aplicamos o conhecimento teórico em treinos em cenários de guerra e aprendemos a mexer em todos os tipos de armas ligeiras e pesadas. Somos divididas em grupos especializados, cada um especializado num tipo de arma. Estes exercícios são liderados por oficiais masculinos e têm lugar em escolas militares ou localizações especiais de treino muito diferentes daqueles em treinamos todos os dias”, concluiu Shakhwan.
Desconhece-se o número exato de quantas mulheres Peshmerga existem. Seiscentas estão registadas como recrutas, no entanto, não há maneira de as contabilizar. Pensa-se que estão na ordem das centenas, senão mesmo milhares.
Ao lado das soldadas Peshmerga lutam outras guerreiras curdas: as do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão). Ozlem é uma dessas guerreiras. Toda a sua vida lutou, sempre em favor dos curdos. Após o massacre da minoria Yazidi dirigiu-se para a cidade de Makhmour, onde se encontravam doze mil curdos refugiados. Na cidade, esperou pela chegada do EI e durante 76 horas lutou contra os jihadistas. Dos combates, lembra o desprezo dos terroristas pela vida: “Normalmente queremos salvar a nossa vida mas estes homens não. Estavam em pé, expostos ao perigo e a disparar contra inimigo”.
Uma das comandantes Peshmerga, Nahida Ahmed Rashid fala com orgulho das soldadas que forma para lutar contra o Estado Islâmico.
“Para mim, é uma grande honra fazer parte de um estado moderno que permite a todas as mulheres lutarem pelo seu país. No entanto, quando vou para campos de batalha não posso dizer nada ao meu marido e filhos, para não os deixar preocupados”, disse a comandante.
“Gostamos de receber exatamente o mesmo tratamento que os homens mas continuamos a ter outras responsabilidades pessoais, como tratar da família. Por isso, penso que ser uma mulher Peshmerga é uma responsabilidade muito maior e mais difícil”, continuou.
“Como lutadora Peshmerga é minha obrigação ir para o campo de guerra e lutar. No entanto, não se trata de algo vinculativo para os civis, mas as pessoas sentem-se tão perturbadas pelo o que o Estado Islâmico está a fazer, que também querem lutar para os poder parar”, concluiu.
Em Kobani, duas soldadas curdas sírias lutaram e tentaram resistir às investidas dos jihadistas. Com plena consciência do que lhes aconteceria se caíssem nas mãos do Estado Islâmico, Ceylan Ozalp (19 anos) e Arin Mirkan (mãe de dois filhos) escolheram o seu próprio destino, quando perceberam que não conseguiriam contar a força do grupo terrorista. Em vez de se submeterem a torturas, violações, vergastadas e decapitações, ambas as combatentes colocaram termo à própria vida. Ceylan com a última bala de que dispunha na sua arma e Arin fez-se explodir, numa ação inédita utilizada por um soldado curdo. As duas mulheres são hoje consideradas “mártires” pela sua luta.
Independentemente da situação em que vivem são muitas as mulheres que querem defender aquilo em que acreditam. Sabe-se que uma das soldadas, de apenas 24 anos, está grávida mas recusa-se a deixar de treinar com o restante batalhão.
A soldada Peshmerga afirma que prefere lutar, estando grávida ou não, porque esse é o seu dever. Tem mais vontade em combater do que proteger o filho que está para nascer. Diz querer fazer algo pelo seu país.
Apesar de só agora se tornar mais explícita a participação de mulheres como parte integrante dos Peshmergas, este caso não é novidade para os curdos.
Desde sempre, mulheres têm tentado lutar pelo Curdistão mas muitas vezes disfarçadas de homens. Quando a sua entrada em grupos armados foi permitida, muitas foram as guerreiras que se juntaram para lutar contra os inimigos, no entanto, tiveram sempre outras tarefas que não combater. Ajudaram soldados com cuidados médicos e tarefas administrativas e de comunicação.
Diz-se que este pode ser um dos grandes pesadelos para o Estado Islâmico: ser morto por uma mulher. Um rebelde sentirá medo de morrer em combate atingido por uma pessoa do sexo contrário, pois, se tal acontecer, não entrará para o céu nem terá 72 virgens à sua disposição no paraíso.
Por Inês Geraldo