Há um conjunto de princípios que não sendo exclusivos da medicina familiar, representam uma visão global, um sistema e uma abordagem de valores que a tornam diferente das outras especialidades médicas.
1 – O médico de família compromete-se com a pessoa e não com um conjunto de conhecimentos, técnicas especiais ou grupo de doenças. Este compromisso tem duas vertentes, o médico está disponível para qualquer problema de saúde em qualquer pessoa de qualquer idade ou sexo, sem se limitar a um problema de saúde definido. O compromisso não tem prazo, não termina com a cura da doença, o fim do tratamento ou a incurabilidade da doença. O compromisso é assumido quando a pessoa se inscreve na sua lista e está saudável, antes de surgir qualquer problema de saúde.
2 – Depois de exercer durante alguns anos, o médico de família interessa-se pelos seus doentes de um modo que transcende a doença de que eles possam sofrer. Esta relação duradoura no tempo torna a relação médico doente particularmente importante na medicina familiar. Doenças com pouco interesse em si como “doenças” tornam-se interessantes porque ocorrem numa pessoa conhecida.
3 – Procura entender o contexto da doença. Muitas das doenças observadas em medicina geral e familiar não podem ser entendidas se não forem vistas no seu contexto pessoal, familiar e social. A importância do contexto pode ser comparada à peça do puzzle que só tem significado quando encaixada no seu lugar próprio. Quando o doente é internado num hospital, grande parte do contexto da doença perde-se ou desaparece.
4 – Encara todo o contacto com os seus doentes como uma oportunidade para a educação para a saúde, e prevenção. Os seus doentes são vistos como população em risco. Os clínicos pensam mais em termos de indivíduos doentes do que grupos populacionais. Os médicos de família têm de pensar em ambos, o que significa que um doente que não tenha sido vacinado ou que não tenha controlado a sua pressão arterial preocupa-o, tal como um doente que venha à sua consulta de vigilância de saúde infantil ou para tratamento da hipertensão. Isto significa um empenho em manter os seus doentes o mais saudáveis possível e conscientes da sua doença, quer venham ou não, à consulta.
5 – Este médico deve ser, e considera-se a base de uma rede comunitária de centros de apoio e prestação de cuidados de saúde. Todas as comunidades têm uma estrutura de apoios sociais estatais e não estatais, formais e informais. A palavra estrutura sugere um sistema coordenado, mas infelizmente não é esse o caso, muito frequentemente os profissionais dos serviços de cuidados de saúde e sociais, incluindo os médicos, trabalham em compartimentos estanques sem qualquer noção do sistema na sua totalidade. Quando os médicos de família conhecem e conseguem gerir todos os recursos da comunidade em benefício dos seus doentes, podem ser muito eficazes. Para serem eficazes os médicos de família têm de conhecer a comunidade em que exercem e constituir uma presença visível na mesma, quer lá residam ou não.
6 – Este médico vê os seus doentes no consultório, nos seus domicílios e no hospital, distribuindo o tempo e os locais conforme o tipo de doentes. Em Portugal não estão criadas ainda ligações estreitas entre o ambulatório e os cuidados hospitalares.
7 – O médico de família é um gestor de recursos. Como generalista, o médico do primeiro contacto tem controlo sobre enormes recursos e pode, dentro de certos limites controlar o internamento hospitalar, o uso de exames complementares, de terapêuticas e o envio a especialistas. Em todo o mundo os recursos são limitados… em alguns casos, severamente limitados… É responsabilidade do médico de família gerir estes recursos para o máximo benefício dos seus doentes. O médico de família deve conhecer os recursos existentes na comunidade e que podem ser úteis para o doente como os centros de dia, os cuidados continuados no domicílio, as instituições com internamento, de forma a avaliar com a família o mais adequado para o doente.
8 – O conhecimento que o Médico de Família tem do contexto biopsicossocial de cada um dos seus pacientes, bem como do seu entorno familiar e comunitário, permite-lhe avaliar mais detalhadamente os riscos e os recursos disponíveis e assim planear melhor as suas intervenções, de acordo com a estratificação efetuada.