“Pão, com farinha, água e fogo te levantas”
Ana Moreira, 30 anos, sabe de cor o verso de Pablo Neruda. Há cerca de seis anos deixou Lisboa, cidade onde nasceu e foi viver para Penha Garcia, no concelho de Idanha-a-Nova onde reabriu um dos fornos da aldeia. A padeirinha, como é carinhosamente tratada por alguns dos habitantes de Penha Garcia, fez a licenciatura e o mestrado em Escultura na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa. Até 2009, a história de Ana não era diferente da de muitos jovens portugueses com formação superior: trabalhou temporariamente a recibos verdes, distribuiu panfletos publicitários, fez outro curso (de esteticista) para ter mais alternativas, recebeu o ordenado mínimo num supermercado.

Desde pequena que a mãe de Ana, Margarida Moreira, passava as férias de Natal e de verão na aldeia. Lembra-se de ir à horta, de ordenhar as cabras e de ver matar o porco. Quando regressava a Lisboa, despedia-se de Penha Garcia comovida. Em 2009, Margarida (a mãe) teve um problema de saúde e foi obrigada a fazer uma pausa no trabalho como assistente dentária. O processo de divórcio que se arrastava há alguns anos chegou ao fim e Margarida sentiu que “precisava de paz”. Pela mesma altura, Ana acabava um estágio profissional no concelho de Idanha-a-Nova e a ideia de regressar a Lisboa não lhe agradava. Numa noite, na casa onde viviam, em Alcântara, decidiram que precisavam de mudar de vida.

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“O que vamos fazer? Porque não pão?”
E assim foi! Hoje, Ana e Margarida passam os seus dias entre quatro paredes. Quando não estão a fazer pão ou bolos, vendem os seus produtos aos turistas. O forno está, por isso, decorado para funcionar como uma loja provisória de produtos artesanais. Ana e Margarida gostavam de cozinhar, mas nunca foram para além do “bolo de iogurte aos domingos à tarde”. Na aldeia de Penha Garcia, não houve muita vontade para as ajudar.

A tia Alice foi um caso diferente. Ajudou-as desde o início. Deu-lhes as receitas das broas de mel, dos borrachões e dos bolos de centeio que durante toda a vida cozinhou para as bodas da aldeia. 

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Entretanto, Ana foi convidada para dar aulas uma vez por semana na Faculdade de Belas Artes. Mas Ana decidiu de imediato que o forno não fecharia portas. Tem uma ligação inexplicável à terra. Já não se imagina de novo em Lisboa.

Com a chegada da Páscoa, Ana não tem mãos a medir no forno. “Fazemos os folares, a tradicional bica dos afilhados que as madrinhas costumam oferecer aos afilhados nesta época e também os bolos de festa que são os borrachões, bolos de leite, bolos de azeite, broas de mel que se fazem durante a altura pascal, o folar ou afolar é o bolo que ocupa um maior destaque dentro das oferendas cerimoniais que ocorrem durante este período.

“Aqui sempre que se faz pão faz um sinal da cruz antes de o pôr a fintar. E a Tia Alice até sabe uma reza antiga para que a fornada saia bem, no fundo para que seja abençoada.”

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Josefina, 80 anos, recorda bem outros tempos. Apesar de ser a proprietária do forno não é  perita em doçaria contudo conhece as tradições de outros tempos. “Hoje todos comem bem mas na década de 40 os mais ricos comiam canja, cabrito assado ou ensopado, e tinham arroz doce na mesa bem como farófias e depois todo o tipo de bolos secos. As mesas pobres tinham sopa de grão com carne de porco e depois havia os bolos secos.”