Esta é uma história que encerra em si: amor e esperança. Melissa de 3 anos faleceu num acidente de viação. Os pais decidiram doar os órgãos da filha e salvar outras vidas. Maria, de 11 anos, foi uma das vidas salvas, ao receber um rim de Melissa. Através de familiares e amigos em comum, as duas famílias conheceram-se. Tornaram-se amigos e hoje mantêm uma relação de grande cumplicidade.
Pedro Fonseca e Gisela conheceram-se quando frequentavam o ensino e, por ironia, andaram à briga por causa de Pedro ter pisado uns livros. Desde então, nunca mais se falaram e, algum tempo mais tarde, acabaram por se reencontrar através de uma amiga em comum que os convidou a ir às piscinas. “Quando vi que era a Gisela não queria acreditar, mas acabámos por falar bem e tornámo-nos amigos. A Gisela tem problemas auditivos desde criança e usa aparelho, mas ela consegue ler os lábios e consegue responder, porque frequentou o ensino especial”, recorda.
A relação baseou-se apenas em amizade durante cerca de 4 anos, até que Gisela percebeu que gostava de Pedro durante uma semana em que esteve de férias com o namorado que tinha naquela altura. Terminou a relação que tinha e revelou o amor que sentia pelo amigo. “Fiquei feliz porque gostava dela há mais tempo. Decidimos começar a namorar. Nesta altura, eu morava com o meu pai e madrasta, pois a minha mãe faleceu quando eu era mais novo. A minha relação com o meu pai sempre foi atribulada e ele ameaçava que me punha fora de casa. Certo dia ele descompôs-me e eu fui viver para casa da Gisela e da minha sogra, com quem tenho uma relação maravilhosa, é como uma mãe”, conta.
O casal juntou-se em 2004 e em 2005 Pedro decidiu comprar uma casa para ambos viverem. Um problema grave de saúde travou o sonho… Gisela descobriu que tinha uma doença de sangue muito grave “Purpura PTT”- púrpura trombocitopénica trombótica, uma doença hematológica grave. Gisela esteve internada bastante tempo, mas conseguiu ultrapassar este problema de saúde. Quando teve alta, o médico explicou que Gisela não poderia ter filhos. “Eu dei-lhe força e expliquei que poderíamos adotar uma criança. Entretanto em 2007 fui trabalhar para França e nas visitas a Gisela acabou por engravidar. Fomos logo ao médico e ela foi acompanhada na consulta de alto risco”, explica Pedro.
Miguel nasceu de cesariana e felizmente o casal cumpriu o sonho de constituir família. Mas Gisela sonhava ter uma menina para poder fazer penteados. O sonho concretizou-se e apesar de mais uma gravidez de alto risco, Melissa nasceu no dia 22 de novembro de 2010. “O meu Miguel é uma criança mais meiga, mais dada, sai ao pai. A Mel era uma menina mais fechada, só dava beijos à mãe e madrinha. Era mais parecida no feitio com a Gisela”, conta.
Até ingressar na pré-escola, a menina esteve aos cuidados da avó materna, Maria Fernanda, que vive com o casal. Melissa era muito apegada à mãe e à madrinha, Raquel, namorada de um sobrinho de Pedro. “Quando a Gisela estava grávida da Mel, convidámos o meu sobrinho e a namorada para serem padrinhos, e ficaram padrinhos de nome, nós nunca a batizámos”, revela Pedro.
Raquel era uma madrinha muito presente e Mel ia muitas vezes passar noites a casa da “Dinha”, que vivia perto.
No dia 9 de maio deste ano, Pedro foi levar Melissa a casa da madrinha para passar o fim-de-semana. No dia seguinte Gisela ia trabalhar, muito cedo, para o salão de cabeleireira e Pedro também ia trabalhar no sábado.
“Perguntei à Raquel o que ia fazer com a Mel no dia seguinte (sábado) e ela disse que iam ao encontro da mãe e da irmã, que se estavam a preparar para ir a pé a Fátima”, diz.
No dia seguinte, quando Pedro estava no trabalho a pôr gasolina numa moto, ouviu o barulho de um embate. “Percebi que tinha acontecido um acidente perto e resolvi ir ver o que se passava. A caminho um conhecido disse que achava que era alguém da minha família pois era um Ford Focus bordeaux, mas não associei a nenhum familiar. Quando cheguei percebi que era a minha menina!”, conta emocionado.
Os bombeiros já estavam no local. O carro embateu num muro e a condutora, Raquel, partiu o pé. Melissa estava inanimada e os bombeiros chamaram uma ambulância, e apenas disseram que Mel estava viva mas que o estado da menina era crítico. “A Raquel estava aos gritos a pedir para salvarem a Mel, eu estava desorientado, fui logo atrás da ambulância com a Gisela, para o Hospital de Santa Maria”, recorda.
Nos cuidados intensivos, o casal aguardou notícias da Mel, mas quando a médica apareceu explicou que a menina estava em morte cerebral e que não se salvaria. “Eu pedi percentagens e ela disse que 99,9999% de que não haveria salvação e logo de seguida perguntou se queríamos doar os órgãos. Olhei para a Gisela, coloquei-lhe essa questão e concordámos sem hesitar”, conta.
Dois rins, coração e fígado foram retirados de Mel para salvar quatro vidas. Pedro e Gisela acreditam que a missão de Mel era vir ao Mundo para salvar outras vidas. Esta família – pais e avó – ficou destruída com a morte de Mel, mas não os impediu de ter um ato de grande altruísmo: doar os órgãos da menina.
“A Mel era uma menina muito grande e a médica até veio confirmar a idade dela por pensar tratar-se de uma criança de 7 anos”, diz.
Pedro questionou a médica sobre as vidas que Mel ia salvar, que lhe explicou que não podia revelar identidades, mas, sim, pôr ao corrente se os transplantes correram bem. “Quero contar a minha história para mostrar a tantos outros pais que passam ou já passaram por esta mesma situação que doar os órgãos dos nossos meninos é sempre uma dádiva de Deus e um pedaço deles que fica neste mundo físico”, explica.
No dia 11 de maio de 2014, domingo, deu entrada no Hospital de Santa Maria, a pequena Maria de 11 anos, para receber um transplante de rim. O transplante correu bem e a compatibilidade era como se de um familiar se tratasse: o rim era da Mel.
Ana Ribeirinho, mãe de Maria, percebeu que o acidente que tinha vitimado Mel no dia anterior era de uma menina de Benavente. Ana foi para a Internet pesquisar e depressa percebeu que era coincidência a mais, e que o rim de Maria era proveniente da pequena Mel.
As famílias acabaram por entrar em contacto, através de amigos e familiares em comum e já se encontraram duas vezes.
“Eu vi a Maria a brincar no quarto da Mel e aquece-me o coração saber que está ali um pedacinho da minha Mel. Não olho para a Maria e acho que é a Mel, nada disso, fico feliz por aquela menina linda de 11 anos ter sido salva pela minha filha”, diz Pedro.
Os pais de Maria não hesitaram em ir ao encontro da família Fonseca, apresentar a filha e agradecer o ato altruísta que tiveram quando decidiram doar os órgãos.
A Maria é uma menina lutadora que também encerra em si uma história de sobrevivência que a mãe relatou:
“A Maria foi sempre um bebé muito desejado. A gravidez foi planeada, às 26 semanas de gestação numa ecografia de rotina foi-nos dado a conhecer que a Maria tinha Spina Bífida e Hidrocefalia. O prognóstico não foi animador, diziam que a Maria ao nascer ficaria paraplégica e deficiente mental, alguns médicos até disseram que ela só viveria 2 dias! Foi-nos proposto a interrupção da gravidez, a qual foi rejeitada de imediato, e ainda disse a uma médica, “se a Maria tiver um acidente com 12 anos e ficar numa cadeira de rodas também a deito fora???”
A gravidez prosseguiu sempre em desespero e sobressalto sem saber o dia de amanhã.
A Maria nasceu às 36 semanas, com 2,930kg e 47,50cm. Vinte e quatro horas depois foi submetida à sua primeira cirurgia , o encerramento do mielomeningoncelo que durou cerca de 8h, para desespero dos pais e avós que aguardavam do lado de fora do bloco operatório. Aos 15 dias de vida colocou um Shunt ventriculoperitonial, por prevenção de uma possível Hidrocefalia. Com um mês foi finalmente para casa , mas ao fim de 24 horas voltou para ser submetida a mais uma intervenção por o Shunt estar mal colocado, a partir daí a Maria esteve sempre internada quinze dias no hospital, 24 a 48h em casa, devido às infeções de repetição. Foi-lhe diagnosticado então uma duplicidade uretral no rim esquerdo, por um ureter saía urina pelo outro fazia refluxo e voltava ao rim.
A Maria é uma menina que pelo tempo que esteve internada e pelo seu sofrimento, é muito inteligente, nunca chumbou um ano. É ela que nos dá força para viver, porque tem sido uma verdadeira lutadora…
A função renal da Maria vinha a piorar a cada dia e, como não queriam que a Maria fizesse hemodiálise, nem diálise peritoneal, fizeram logo exames de compatibilidade para lhe doar o rim, tendo ficado certo que iria o pai dar o rim à Maria. No dia 5 de maio foram à consulta de cirurgia e a Maria entrou para a lista de transplantes. No dia 6 foi tirar sangue para as tipagens e, oficialmente, na quarta dia 7 entrou na lista. No domingo, dia 11, de manhã receberam o telefonema a dizer que tinham um rim para a Maria. A Maria tem 11 anos e pela primeira vez depois do transplante começou a brincar, a ouvir música e a ser uma criança, cresceu em peso e altura e está feliz.
Tem 11 aninhos, 28 cirurgias, 34 anestesias gerais, é uma vencedora.
“Toda a doença da Maria envolveu muito a família e muitas vezes é dificil dar atenção aos dois da mesma maneira, mas somos uma familia hoje em dia muito mais feliz. O dia 11 de maio do ano passado uniu as nossas famílias para sempre”.