Casas de amigos e de familiares, igrejas e mesquitas, centros coletivos e escolas, até hotéis e motéis, edifícios abandonados, a própria rua. Acolhem quase dois milhões de pessoas que ficaram sem casa no Iraque, desde Janeiro de 2014, após fugir do EIIL em busca de auxílio e de refúgio. Mas a pressão sobre os locais que os receberam é tremenda.

Sistemas sanitários, energéticos, alimentares, comerciais, de transportes e de comunicações, sobretudo em Dahuk e em Arbil, estão sobrelotados e ameaçam ruir.

As ações armadas e as sabotagens provocam quebras de fornecimento e racionamento de combustíveis e de água potável mas é a presença de quase um milhão de novos habitantes que agrava a pressão.

Em Dahuk, no norte do Iraque, a cidade de Zahko, de 350.000 habitantes, recebeu um influxo de 100.000 pessoas. Mais deverão ser para ali deslocadas nas próximas semanas. O mesmo sucede em Arbil, que recebeu desde junho cerca de 600.000 pessoas, de acordo com a ONU.

Vários novos campos deverão abrir em breve no Iraque, a norte e a sul, para receber estes novos deslocados internos.

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Em meados de agosto a ACNUR, a agência da ONU para os refugiados, reviu em alta as suas projeções para o número de deslocados no Iraque, de 1,2 milhões de pessoas em julho, para 1,45 em agosto. A Organização Internacional de Migração (OIM), que recolhe dados também junto das autoridades locais e de grupos humanitários iraquianos, fala por seu lado em quase 1,7 milhões.

A OIM registou três grandes movimentos de fuga ao longo de 2014 no Iraque. Entre janeiro e maio, terão fugido de suas casas 474.940 pessoas (crise de Anbar). Depois de junho, 836.670 abandonaram tudo, incluindo uma enorme vaga de 307.092 deslocados, retirados das montanhas de Sinjar. Um total de 1.668.306 Pessoas Deslocadas Internamente (PDI).

Esta vaga é a segunda num ano marcado pela violência no Iraque. Desde janeiro, na província de Anbar, os combates entre o EIIL e grupos extremistas sunitas havia já feito fugir mais 450.000 pessoas. Mas a maioria ficou na mesma província, ao contrário do que sucedeu depois de junho.

Milhares de famílias, cristãs, xiitas e yazidis fugiram, tanto da violência armada causada pelo avanço do grupo extremista Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) como da resposta violenta de milícias locais, sunitas e xiitas. Muitas fugiram, duas, três, quatro vezes. Outras voltaram a pegar nas trouxas e a mudar de sítio para se reunirem à família dispersa, reencontrar vizinhos, abrigo, trabalho.

Para as agências humanitárias a crise iraquiana é um pesadelo logístico. A identificação dos locais onde as pessoas se refugiam e o registo das famílias decorre num cenário de constante mutação e ameaça de bloqueio. Em agosto esperava-se conseguir ter em setembro uma ideia do número de deslocados, só este ano, no país.

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Além do abrigo, da alimentação e da água, as agências humanitárias enfrentam ainda a tarefa hercúlea de identificar as famílias e de providenciar novos papéis a centenas de milhares de pessoas que fugiram praticamente só com a roupa no corpo deixando para trás todos os seus documentos. A maioria dos deslocados é originária dos governos-gerais de Anbar, Ninewa e Salah al-Din.

  • Mulher e criança yazidi no campo de Nowruz em agosto de 2014 (foto Reuters)
  • Yazidis em fuga da cidade de Sinjar a caminho da Síria em agosto de 2014 (foto Reuters)
  • Cristão iraquiano de Mossul em Beirute a registar-se como refugiado em agosto de 2014 (foto Reuters)
  • Fila de homens cristãos iraquianos à espera de se registarem como refugiados em Beirute em agosto de 2014 (foto Reuters)
  • Cristãos iraquianos à espera de auxílio humanitário em Mossul em agosto de 2014 (foto Reuters)

Já os governos-gerais com maior número de deslocados são Anbar, Dahuk, Erbil, Kirkuk, Bagdade e Sulaymaniah, acolhendo mais de um milhão de pessoas em fuga. A sua identificação é crucial para se poderem registar, obter assistência humanitária e deslocar-se livremente. Mesmo sem documentação, movimentam-se, dificultando ainda mais o trabalho das agências.

“Desde o final de dezembro de 2013, dezenas de milhares de famílias fugiram das suas casas no governo-geral de Anbar, onde combates entre grupo armados da oposição e as Forças Armadas Iraquianas desestabilizaram a área. No início de junho, à medida que o conflito se expandia, deu-se uma outra imensa vaga de deslocados, quando os grupos armados conquistaram a cidade de Mossul do governo-geral de Ninewa. (…) A ofensiva armada estendeu-se aos governos-gerais de Salah al-Din e Diyala e para sul, causando novos deslocados,” resume um relatório da OIM.

O drama dos deslocados e refugiados no Iraque não é novidade. Entre 2006 e 2008 mais de 1,66 milhões de pessoas deslocaram-se no país por medo de violência sectária, sendo impossível saber se entretanto regressaram ou não a suas casas e em que condições, devido a falta de censos. O país acolhe ainda refugiados da Síria, da Palestina, do Irão e da Turquia. Mas nunca, em apenas oito meses, a situação se tornou tão crítica.

Por Graça Andrade Ramos