A cidade fica 69 quilómetros a ocidente de Bagdade, nas margens calmas do Rio Eufrates. Após uma ofensiva do Estado Islâmico iniciada em janeiro de 2014 em toda a província de al-Anbar, a cidade transformou-se, com o apoio de tribos locais, num reduto do grupo extremista.

O que não significa que este domine toda a região em torno – por exemplo Amiriyat al-Faluja, poucos quilómetros mais a sul, mantém-se sob controlo do exército iraquiano e de milícias tribais locais, apesar dos constantes combates.

Aqui, em Faluja, os jihadistas refreiam o impulso de impor aos cidadãos qualquer mudança drástica de comportamento.

Faluja não conheceu, até agora, as decapitações públicas ou as cabeças humanas espetadas em estacas nas ruas, como sucede em todas as localidades dominadas pelo Estado Islâmico.

Também não assistiu a casamentos forçados entre as mulheres locais e combatentes do grupo, ou à venda, em leilões na praça, de cidadãos até então livres, reduzidos à escravidão ou a tributo simplesmente por serem cristãos ou de outras religiões, como sucedeu no norte do Iraque.

Sem terror

Os combatentes do EI chegaram a Faluja em janeiro e assumiram o controlo “de um dia para o outro” de acordo com antigos residentes. Ainda eram o grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) e nos meses seguintes iriam ganhar terreno sucessivamente ao exército iraquiano, apesar da forte resistência. A falta de abastecimentos e de armamento terá contribuído para o recuo das tropas de Bagdade.

Patrulha sunita nos arredores de Faluja 28 de abril Reuters

Patrulha sunita nos arredores de Faluja a 28 de abril de 2014 (Reuters)

“Nunca tínhamos ouvido falar deles, de repente ouvimos dizer que tinham chegado e no dia seguinte controlavam tudo”, afirma uma antiga professora de Faluja ao correspondente do Sidney Morning Herald, Paul McGeough.

Nos postos de controlo do exército iraquiano viam-se os restos de veículos queimados e homens do Estado Islâmico a pintar os símbolos do grupo nas paredes. Os soldados iraquianos tinham desaparecido.

Para os residentes de Faluja o choque foi grande. “A forma como se vestiam, o nível de higiene, o olhar deles, lembravam-me a Idade da Pedra e muitos eram estrangeiros. Falavam árabe com pronúncias sírias ou outras línguas”, diz a professora, que meses depois fugiu para Bagdade.

Milhares de pessoas abandonaram a cidade e os combates incessantes entre os jihadistas apoiados por algumas tribos e as forças de segurança iraquianas e milícias sunitas locais.

As posses e propriedades daqueles que fugiram foram vendidas em leilão e algumas casas foram demolidas ou ocupadas pelos combatentes do EIIL.

O grupo aceitou partilhar o controlo da cidade com as tribos, no conselho local. E pediu o arrependimento público dos membros das forças de segurança de Bagdade que ainda restavam. A maioria cedeu e entregou as armas. Mas a jovem professora lembra um primo seu, polícia, detido e espancado durante dois dias até “se arrepender”.

Em meados de outubro, um homem foi enforcado. Era um polícia iraquiano que havia permanecido na cidade e foi acusado de espiar para o Governo de Bagdade. Mas foi a exceção que confirmou a regra em Faluja.

Um jugo suave

Em vez de instaurar um reinado de terror, o Estado Islâmico organiza somente manifestações a apelar a declarações de fidelidade – de pouco sucesso -, recolhe o lixo, limpa e pinta ruas, fornece água e energia de forma normal, abastece os mercados de tudo o que os cidadãos necessitam, até com maior variedade do que sob o anterior Governo.

Entregas de gás propano, de gasóleo e de outros combustíveis, a partir de Mossul e de Samarra, são organizadas com regularidade, com preços de revenda superiores em duas ou três vezes, “apenas”, aos praticados no mercado negro de Bagdade.

Apesar de alguns protestos dos combatentes mais ortodoxos, exortações para que as mulheres andem de cara coberta, não circulem nas ruas sem a companhia de um homem ou para que só frequentem a escola ou a universidade se acompanhadas, não são impostas.

Também as barbearias se mantêm abertas e os homens não são obrigados a deixar crescer a barba. Só o consumo de tabaco, de cachimbo de água e de álcool são realmente proibidos. Há apreensões reguladores de tabaco na cidade e os homens do Estado Islâmico queimam-no em público com grande aparato.

Tribos de al-Anbar, o fiel da balança

“As pessoas são anti-EI, não gostam deles. Metade da população (de cerca de 325.000 pessoas) fugiu mas, apesar de agora estarem a regressar às centenas, fazem a vida delas e o Estado Islâmico faz a dele, e não há confrontos”, afirma um habitante, contactado ao telefone pelo correspondente australiano no Iraque.

Durante os últimos dez meses, a população de al-Anbar assistiu a combates intensos entre o exército iraquiano e algumas milícias sunitas e os jihadistas do então Estado islâmico do Iraque e do Levante, apoiados por algumas tribos sunitas locais.

Celebracao do EI em Faluja em carros do exercito iraquiano 20 março 2014 Reuters

Parada do EIIL em veículos capturados ao exército iraquiano, Faluja, 20 de março de 2014 (Reuters)

Os extremistas acabaram por controlar as duas maiores cidades de al-Anbar, Ramadi e Faluja, embora de forma precária.

A contenção do Estado Islâmico em al-Anbar terá raízes históricas recentes. A província, da qual Faluja é uma das principais cidades, é dominada por tribos muçulmanas sunitas, mas muitas delas são avessas ao tipo de extremismo defendido pelos jihadistas.

Durante a invasão e ocupação americana do início do século XXI, o seu apoio foi fundamental para a então Al Qaeda no Iraque (AQI), organização que daria origem o Estado Islâmico.

Os norte-americanos convenceram depois as tribos a voltarem as costas à jihad, pagando-lhes e armando-as para lutar contra os extremistas. A manobra resultou e a AQI perdeu grande parte do seu apoio.

Atualmente, e apesar da relação entre algumas das tribos e o Estado Islâmico se ter renovado até certo ponto, quando o grupo regressou à região em janeiro, não existe nenhuma aliança formal.

A estratégia do anterior primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki, de combater o Estado Islâmico, teve custos colaterais pesados para a população civil de al-Anbar, empurrando as tribos para o apoio aos jihadistas.

A substituição de Maliki por Haider al-Abadi, que já ordenou a suspensão dos ataques e bombardeamentos em al-Anbar, poderá de novo virar a maré dos atuais apoios ao Estado Islâmico.

Un Muayad de Ramadi dispara contra o EI 19 maio de 2014 Reuters

Un Muayad, uma habitante de Ramadi, dispara contra posições do EIIL em 19 de maio de 2014, após ter perdido o marido nos combates contra os jihadistas (Reuters)

Muitos residentes acreditam que algumas das tribos de Faluja poderão em breve virar-se contra o EI.

 

Por Graça Andrade Ramos