Ator, encenador, produtor, dramaturgo, apresentador de televisão e escritor, Virgílio Castelo, 71 anos, é um dos maiores talentos da sua geração. Acaba de publicar o seu terceiro romance, “Haja Deus, se Deus quiser” encerrando uma trilogia começada com “O último navegador” (2008), seguida de “Depois do divórcio” (2014), mas não vai parar de escrever: “O que me está a acontecer, à medida que envelheço e quando tenho agora mais tempo e vontade, é dar mais espaço à escrita. Apesar da poesia, que escrevo desde os 19 anos, ficar na gaveta, porque é uma poesia clássica, podia ser escrita no Séc.XVI, com os sonetos, as oitavas, etc. E não é isso que as pessoas querem ler agora”. Mas na arte do romance diz-nos que vai continuar, depois desta trilogia.
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“Haja Deus, se Deus quiser” é o terceiro romance de Virgílio Castelo, encerrando uma trilogia começada com “O último navegador” (2008), seguida de “Depois do divórcio” (2014), disse o ator, autor e ficcionista, em entrevista à agência Lusa, acrescentando que os dois primeiros romances eram “uma tentativa de reflexão sobre Portugal” e “sobre o amor”, respetivamente, temas que, tal como o do novo livro, sempre lhe levantaram interrogações.n“Se calhar, são os temas que nunca consegui resolver, que nunca consegui perceber”, observou, ressalvando que “a questão da morte é talvez a inquietação mais profunda e com menos resposta”.
O ‘plot’, a trama para o novo romance surgiu-lhe em 1978, quando ainda era estudante de teatro em Estrasburgo. E “no meio das preocupações pessoais sobre Deus e as religiões”, pensou que “devesse ser engraçado criar uma situação em que haveria uma ausência de Deus”.
“Por Deus estar um pouco cansado de uma permanente inovação do seu nome em vão, que é o que me parece que aqui existe e já existia nessa altura”.
A ideia de alguém chegar ao céu para ouvir o juízo final e Deus estar ausente pareceu-lhe “uma boa ideia”. Difícil foi desenvolver a narrativa, ficando quarenta anos em espera.
Há perto de cinco anos assistiu a uma conferência sobre Fernando Pessoa e teve “uma espécie de epifania” ao perceber que o autor de “Mensagem” era a personagem indicada para chegar ao céu e Deus ter desaparecido.
Imaginou o céu como “um grande escritório, onde estão todos os santos, teólogos, papas, padres e beatos a preparar os processos individuais [de cada morto], para depois os submeterem a Deus”, a que aliou o facto de o escritor ter sido também “um empregado de escritório por excelência”.
“Chegar ao céu e deparar-se com um escritório vazio seria completamente absurdo. Deus não estar lá, ainda pior”, disse a propósito da obra editada pela Guerra & Paz, que é também “um pretexto para falar de religiões, filosofias e políticas, temas que não são propriamente leves”.
Clark Gable, Luís de Camões, o imperador romano Constantino, Pedro, simbolizando o primeiro Papa português (João XXI), Tartufo, nome da personagem-título da peça de Molière, Hermes e Ísis, deuses da mitologia grega e egípcia, são algumas das personagens do romance no qual Fernando Pessoa parte em busca do criador perante o pânico que ameaça céu, terra e universos paralelos, face ao desaparecimento do criador.
“Crente” de que “há mais coisas entre o céu e a terra do que a filosofia consegue explicar”, afirmou, citando uma fala da tragédia “Hamlet” de Shakespeare, o autor “tem apenas uma certeza quase absoluta”: “a de que a física quântica vai explicar aquilo que as religiões não conseguiam explicar até agora”. Só não sabe daqui por quanto tempo, como concluiu.