Nasceu para baralhar as estatísticas.

Tem uma cromossomopatia única no mundo e os médicos não lhe davam mais que umas horas de vida, dois dias no máximo.

Maria tem 15 anos. 

Ana soube que alguma coisa não estava bem às 27 semanas, numa ecografia de rotina. Aparentemente, o bebé tinha parado de crescer. Mandaram-na ficar em casa em repouso absoluto e pediram vários exames.

Foi então que começaram a desconfiar de um problema genético. Até que chegou o veredito: uma cromossomopatia que não é rara, é única no mundo.

Ana Rebelo tinha 25 anos na altura e passou-lhe tudo pela cabeça. Para Maria, que nasceu para contrariar as estatísticas, uma cromossomopatia era pouca coisa. “’Disseram-nos que ela tinha o coração hipoplásico [o lado que bomba sangue demasiado pequeno para o fazer funcionar] e que iria viver, no máximo, 48 horas. Entrei em stop.”

A interrupção da gravidez foi discutida. Mas na data prevista, na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), “a Maria nascia, depois de um parto difícil”. A mãe foi aconselhada a não ver o bebé para não criar laços ou expectativas, além de que não se conhecia exatamente a extensão das malformações. As primeiras horas foram uma eternidade…

Maria acabaria por ser operada ao coração já com um mês.

Pelo meio, hipertensão pulmonar e uma hérnia do hiato, que provocava refluxo e a fazia deitar fora o que comia. Quando chegou aos cinco meses pensaram em operar. “Queriam mandá-la para casa com uma sonda gástrica, mas eu não aceitei, porque eram os pais que tinham de a colocar. Um tubo que se enfia pelo nariz e se errarmos o alvo perfuramos um pulmão e matamos a criança. No hospital é feito por médicos e enfermeiros. Foi operada e aos sete meses veio para casa.”

Finalmente em casa e a ganhar peso, as coisas não ficaram por ali. Depois do terceiro dia, ao mudar-lhe a fralda, Ana reparou numa massa branca dentro do olho. “Pensei: estou louca, já estou a ver coisas. Marquei uma consulta no oftalmologista, levei-a de urgência e mal ele a observou viu logo. Sentou-se e nem foi preciso dizer nada. Encaminhou-a para o IPO – Instituto Português de Oncologia, e depois foi marcar a viagem para a Suíça, Lausanne – é lá que os olhos têm mais hipóteses de se salvar. Entretanto entrou em paragem cardíaca e em vez de dez dias ficou um mês e meio na  Suíça. Veio medicalizada para Portugal e foi outra vez para Santa Marta. Ao contrário do que estávamos à espera, quando vieram os resultados das análises ficámos a saber que teria de fazer quimioterapia – seis ciclos.”

Foi nesta altura que Ana soube que estava grávida do Tomás, que tem uma diferença de 19 meses de Maria. “’Fiquei feliz porque não calha duas vezes à mesma pessoa. E infeliz porque me disseram que não podia estar com a Maria ao colo por causa dos químicos. Mas tudo se gere.” E tudo se geriu. “Isto é tão disparatado que me lembro de me chamarem ao Hospital de Santa Marta, a mim e ao meu marido, e pensar que por fim ia ter notícias da Maria, quando o médico chega ao pé de nós, muito sério, e diz: queria falar convosco por uma questão.”

Maria foi vivendo sempre a prazo, primeiro umas horas, depois umas semanas, depois uns meses. “Mas os prazos foram aumentando, já não me diziam que era mais uma semana ou até ao dia seguinte.”

Ana ficou na maternidade apenas as primeiras 24 horas após o nascimento de Maria. “Eles queriam que eu ficasse, mas ela já lá não estava, tinha sido transferida. Assinei um termo de responsabilidade e fui para casa.” Ao quarto mês já trabalhava. “Fui eu que pedi à minha entidade patronal para voltar a trabalhar, porque pensei que ia ficar maluca, sempre sob uma carga tão negativa. Ia todos os dias de manhã ao hospital dar-lhe o pequeno-almoço, dar-lhe banho, ia trabalhar, voltava para almoçar com ela, regressava para o trabalho e voltava ao hospital no final do dia.”

Num dia normal Ana passava cerca de seis horas no hospital. A partir do ano e meio tudo começou a correr melhor. Mesmo assim, Ana lembra-se da relação cúmplice do Tomás com Maria. Afinal, chegaram os dois a casa quase ao mesmo tempo.

Mais tarde, os problemas passaram a ser outros. “Não há qualquer sinal de ligação entre uma criança diferente e a sociedade, que não está preparada para a receber, para a incluir.

Com a ajuda da Fundação LIGA, a Maria esteve na escola Tartaruga e a Lebre e no Jardim de Infância de Telheiras depois. “Nessa altura ainda havia apoio de educadora de ensino especial, agora já não há nada. Tive de arranjar um colégio, bati a todas as portas, fui a todas as escolas, e ninguém tinha vagas. Todos tinham, mas ninguém a queria. Até que descobri que ia abrir uma escola nova, o Colégio Oriente, e fui lá inscrever os meus filhos, que então já eram três.

A relação não começou nada bem e tive de os ameaçar de que mandaria fechar a instituição porque me diziam que a inscrição da Maria estava mal feita. Mas tudo se resolveu, hoje funciona às mil maravilhas e a Maria está mais que integrada. “Eu não me preocupo com absolutamente nada, tudo é partilhado, tenho reuniões com a psicóloga que a acompanha e faz o processo dela, falamos com a direcção, tenho uma equipa de terapeutas que é exterior a trabalhar dentro do colégio e que sou eu que pago, mas a que eles abrem a porta, e desde então têm incluído mais meninos e corre tudo muito, muito bem.”

Mas Ana Rebelo sabe o que é ter de fazer valer os seus direitos, os direitos de Maria, dar-lhe uma vida plena. “A inclusão em Portugal é uma realidade muito difícil de encontrar, mas estes 15 anos ensinaram-me que uma criança com problemas tem de ter médicos por trás e tudo o resto é melhor se ela puder partilhar normalmente. Eu não tenho um curso de mãe de deficiente, os meus filhos não têm curso de irmãos de criança deficiente, os professores também não precisam de ter curso de professores de aluno deficiente. Claro que tem de haver equipas, e aí sim, o Estado tem de dar apoio nas escolas públicas. Não faz sentido haver inclusão até ao seis anos e de repente, a partir daí, não haver mais nada a não ser unidades de multideficiência em que põem crianças deficientes a viver com deficientes. Se aprendemos por mimetização, quando temos oito crianças com deficiência o que vai acontecer é que vão repetir os comportamentos umas das outras. Isso não é bom, não é saudável.”

E por isso Maria está sempre bem. É uma miúda serena, carinhosa e que transmite muita calma às restantes crianças da turma. Está inserida na pré, nos cinco anos, no ensino regular, e é um deles. Em tudo. No Centro Helen Doron do Parque das Nações, está a aprender inglês e já diz muita coisa, como “I love you”. “Os amigos vão para casa e dizem aos pais: A Maria ontem não conseguiu fazer uma coisa e hoje a primeira coisa que fez foi tentar outra vez. Agora vejo que não fomos ensinados e temos medo do desconhecido. Por isso em breve vou lançar este projeto para mostrar à sociedade que estas crianças não são umas coitadinhas. O objetivo é abrir mentalidades, através de uma campanha nacional dinâmica, que vai apontar caminhos e soluções.”

Dos três irmãos, é a que tem mais atividades extracurriculares, tirando as terapias. A Ana pode pagar e sabe isso. As suas despesas mensais são, no total, perto de 5 mil euros. Até Setembro de 2013, Ana foi responsável por uma multinacional em Portugal e trabalhava quase 17 horas por dia para conseguir pagar as contas, até ao dia em que o pai morreu e ela decidiu despedir-se. Hoje tem a sua empresa, trabalha que se desunha, mas tem tempo para pensar.

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O Projeto www.amaedamaria.com

“Esta é uma causa que me diz muito, pois há 15 anos nasceu a Maria e vivemos esta realidade da sociedade não inclusiva em Portugal, mas sem quaisquer dramas pois a Maria é com toda a certeza a mais feliz dos meus três filhos.”

Desde aí tem uma enorme vontade de avançar com um projecto que ajude a sociedade Portuguesa a evoluir no sentido dos benefícios da inclusão de crianças deficientes.

O que vamos encontrar neste blogue são histórias reais da vida da Maria, imagens e vídeos inspiradores do seu quotidiano e de todos aqueles que com ela se cruzam, que estão perto, vivem e crescem a seu lado. Partilhas e conteúdos comentados e desenvolvidos por outros pais ou pessoas interessadas, que se produzem no desenrolar da interação diária do blogue. Artigos no âmbito da inclusão desenvolvidos por personalidades e entidades reconhecidas pela opinião pública.