Delfina de Jesus é uma senhora de 58 anos que nasceu em Angola. Para fugir à guerra e às más condições existentes no país onde vivia, fugiu para Portugal juntamente com alguns retornados, em 1976.

Chega ao nosso país com uma filha pequena e um filho bebé que morreu pouco tempo depois. Quatro anos depois, o marido abandona-a. Estabelecida na aldeia onde hoje vive, em Maçãs de D. Maria, a 33 km perto de Pombal e de Tomar, teve de criar sozinha as suas duas filhas.

Respeitada, admirada e acarinhada por toda a comunidade, Delfina foi sempre uma mulher de trabalho e um exemplo de honestidade. Nunca negou qualquer trabalho, por mais duro que ele fosse, com o intuito de dar o melhor às filhas, para lhes possibilitar estudos e educação. Tem trabalhado quase sempre no campo, na agricultura.

Há 22 anos, e na sequência de um acidente trágico de viação, envolvendo pessoas da sua aldeia, um homem perdeu a mulher e um filho, Delfina ofereceu-se para tomar conta de uma menina de 2 anos e do irmão mais velho que ficaram órfãos de mãe. Tânia tem hoje 24 anos e uma profunda ligação com a Delfina, sua mãe adotiva. Por seu lado, Marco, com 33, não a chama de mãe porque cresceu com a sua mãe biológica mas tem uma grande gratidão e carinho por Delfina. Está mais longe, emigrado na Suíça.

Quanto às duas filhas de sangue, hoje são independentes e estão bem encaminhadas na vida. A mais velha (41 anos) vive na Suíça e a mais nova (37) em Pombal. De cada uma delas, tem um neto. Mas sofre com o facto de não poder visitar a Maria da Conceção, a filha mais velha, e o neto, tal como o filho adotivo Marco que também já tem um filho, e todos a viverem na Suíça. Isto porque está limitada a só poder viajar dentro de Portugal e, para fora, só tem autorização para ir a Angola.

Tudo isto se deve ao facto de não ter conseguido trazer de Angola qualquer tipo de documentação. Assim sendo, perante o Estado português não pôde provar a sua origem angolana nem requerer cidadania portuguesa, nem sequer obter um passaporte para viajar livremente.

Um absurdo, para quem vive em Portugal há praticamente 40 anos! Delfina tem número de identificação fiscal, desconta para a Segurança Social, tem cartão de eleitora, paga IMI da sua casa e até foi fiadora quando uma das filhas adquiriu casa.

Dizem-lhe que para obter a tão desejada nacionalidade e o passaporte terá de ir a Angola procurar um documento que comprove a sua nacionalidade. Mas, além de não ter dinheiro para a viagem e a estadia que pode ser demorada numa situação desta natureza, ninguém lhe garante que consiga efetivamente encontrar documentos e familiares próximos vivos.