Os ventos que sopram na Ibéria
A REVOLUÇÃO NA PENÍNSULA – DUAS DITADURAS E DOIS CAMINHOS
Os dias 26 e 27 de Setembro de 1975 constituíram o momento mais crítico das relações entre Portugal e Espanha durante a transição dos dois países ibéricos para a democracia. Esses dias foram marcados pelos assaltos aos consulados de Espanha em Lisboa e no Porto, com o ataque a sedes de empresas espanholas, caso da Ibéria e culminaram com o incêndio e destruição da embaixada de Espanha em Lisboa.
Tendo como pretexto o fuzilamento de cinco antifascistas espanhóis pelo regime franquista (dois membros da ETA e três da FRAP), algumas organizações de extrema-esquerda portuguesa convocaram manifestações para junto das representações diplomáticas e consulares de Espanha. Os acontecimentos mais graves ocorreram na Praça de Espanha, com a destruição e o saque do edifício da embaixada, um acontecimento gravíssimo nas relações internacionais.
As responsabilidades por esse ato nunca foram apuradas. Para além de ser considerado um fruto do descontrolo de uma multidão, alguns analistas tomam-no como uma clássica manobra de provocação, em que militantes de organizações de extrema-esquerda foram utilizadas para desencadear acções das forças internas e externas que pretendiam dar origem a uma intervenção punitiva para pôr fim à revolução e a um regime que acusavam de ser pró-comunista e pró-soviético. Outros entendem, pelo contrário, que o assalto tinha por objectivo por parte da extrema-esquerda portuguesa provocar uma reacção espanhola, conseguindo assim, com o apelo ao patriotismo, o apoio popular para a continuação do processo revolucionário que as eleições de 25 de abril, legitimando a democracia parlamentar, tinham posto em causa.
Sem responsáveis que reivindicassem a acção, nos dias seguintes houve da parte de todos os atores políticos portugueses, espanhóis e dos restantes países europeus o bom senso de perceber que estava em causa a paz na península e a estabilidade na Europa. A Espanha retirou os seus diplomatas, mas não houve corte de relações diplomáticas. Existiu a consciência de que o assalto à embaixada era fruto tanto da instabilidade política de Portugal na altura, como da crescente debilidade do regime franquista em Espanha, em que Franco vivia os seus últimos dias.
Estes acontecimentos demonstraram as fraquezas do governo português, que não conseguiu evitar os assaltos e defender as representações diplomáticas, mas demonstram também o crescente isolamento internacional de Franco, que não conseguiu, mesmo com este grave pretexto, obter apoio para uma intervenção em Portugal que eliminasse o perigo de contágio da contestação à ditadura a Espanha, que constituía a grande preocupação do governo espanhol e o seu objectivo estratégico.
A queda da ditadura portuguesa em 25 de abril provocara uma enorme inquietação nas forças que apoiavam o regime franquista. As manifestações em Portugal a favor da revolução, o fim da polícia política, o entusiasmo pelos militares rebeldes, a influência dos comunistas, causaram fortes reacções de defesa no círculo dos apoiantes de Franco, perante a deriva para a esquerda do seu vizinho.
As ditaduras de Portugal e Espanha eram as mais antigas da Europa, a portuguesa surgida em 1933 e a espanhola com a guerra civil de 1936 a 1939, contando desde o primeiro dia com o apoio do regime português de Salazar. O 25 de abril retirava ao regime franquista a segurança de uma retaguarda politicamente familiar e ameaçava colocar em causa a transição muito controlada para um governo aceitável pelas democracias europeias, que estava a ser ensaiada na fase final do franquismo, conduzida por Arias Navarro e pelo príncipe Juan Carlos de Bourbon.
A reacção espanhola à revolução portuguesa começou logo após o 28 e Setembro, com a resignação do general Spínola e o acolhimento que a Espanha deu a elementos do regime derrubado em Portugal. A Espanha não só acolheu como apoiou as actividades políticas desses exilados, que criaram o ELP. O 11 de março de 1975 teve uma participação importante da Espanha na retaguarda da tentativa de golpe e foi a Espanha que acolheu o general Spínola e os seus acompanhantes, que instalaram em Madrid o quartel-general das suas atividades violentas para derrubarem o governo português e inverterem o processo político.
Para os europeus e para os Estados Unidos, o processo político português ameaçava a tranquila transição espanhola para o grupo dos países democráticos. Willy Brant, o antigo chanceler alemão, afirmou que quanto mais à esquerda se situasse Portugal, mais à direita a Espanha se posicionaria. Henry Kissinger expressou-se no mesmo sentido e mostrou-se de acordo em que a experiência portuguesa não deveria de repetir-se no país vizinho.
Ainda em março de 1975, poucos dias após o fracassado golpe do general Spínola, Arias Navarro, o chefe do governo espanhol, reuniu-se com o subsecretário de estado americano, Robert Ingersol, para o sondar sobre a posição dos Estados Unidos caso a Espanha interviesse em Portugal, pois a Espanha considerava um perigo para a sua segurança um regime pró-soviético a seu lado.
Durante a realização da Conferência da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia, realizada em Helsínquia em Agosto de 1975, Arias Navarro e o seu ministro dos negócios estrangeiros, Pedro Cortina, reuniram-se com o presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford e com o secretário de Estado Henri Kissinger, para lhes transmitirem a visão pessimista que tinham da evolução política portuguesa, contrariando a da maioria dos outros dirigentes europeus, que estavam a intervir através do comité Callaghan na política portuguesa, apoiando Mário Soares e os militares do chamado grupo dos nove.
Árias Navarro ofereceu aos americanos as bases militares espanholas para substituírem as portuguesas afetas à NATO e propôs-lhe a Espanha para guardião da Europa. A intervenção militar foi encarada pelo governo franquista, tendo em conta o contágio de uma deriva para o comunismo em Portugal na transição espanhola, mas o radicalismo militar em Portugal não originou qualquer fenómeno similar em Espanha, embora tenham ocorrido encontros entre elementos do MFA e o núcleo dinamizador da Unión Militar Democrática em Espanha.
Na altura do assalto à Embaixada de Espanha voltou a correr em Portugal a notícia de movimentações militares espanholas entre Cáceres e Badajoz e foram muitos os rumores nesse período que davam conta de concentrações e movimentações de tropas espanholas na fronteira, ou da passagem de meios militares norte-americanos pelas bases espanholas. Porém, com excepção das acções terroristas do ELP a partir de Espanha, não se efetivou qualquer ameaça direta vinda de território espanhol e, significativamente, nem sequer o Pacto Ibérico foi denunciado.
Aconteceu neste fim de semana
Tomada de posse do VI Governo Provisório. O almirante Pinheiro de Azevedo, nomeado primeiro-ministro pelo Decreto-Lei N.º 507- A/75, lidera a nova coligação governamental que rejeita a social-democracia como objetivo último. O Decreto-Lei N.º 507-B/75 nomeia o restante governo.
O Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP) assinala o seu quinto aniversário com um comício no Campo Pequeno, em Lisboa.
É publicado no jornal Expresso, um relatório redigido pela Companhia Portuguesa de Eletricidade onde se prevê a construção de uma central nuclear em Ferrel (Peniche).
Bomba do Exercito de Libertação de Portugal (ELP) explode na messe do Estado-maior da Armada, em Cascais, local onde se encontrava o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo.
Manifestação da Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA), em Lisboa.