Do 25 de Abril de 74 ao 11 de Março de 75


Entre 1974 e 1975, diversos acontecimentos marcaram a sociedade portuguesa. Entre os quais, o apelo do general António Spínola à "maioria silenciosa" a 28 de setembro, sem sucesso, que originou a sua demissão do cargo de Presidente da República, dois dias depois. A 11 de março de 1975, uma tentativa falhada de golpe de estado deu origem a uma viragem substancial do processo revolucionário, que teve o seu epílogo nos acontecimentos de 25 de novembro de 1975.

 

DO 25 DE ABRIL DE 1974 AO VERÃO QUENTE DE 1975

A sociedade portuguesa foi submetida a um longo período de constrangimentos até ao 25 de Abril de 1974. Com o derrube do Estado Novo pelos militares iniciou-se um novo tempo para os Portugueses. Os novos valores trazidos pelo 25 de Abril, em especial a Liberdade e a promessa de instauração de um regime democrático, deram a todos a oportunidade de participar na construção de uma nova sociedade. Mas, como sempre, os períodos de mudança, se trazem consigo a possibilidade de ascender a mais progresso, também proporcionam a emergência de conflitos mais ou menos extensos.

As dissidências no seio do MFA e na sociedade portuguesa foram crescendo depois do 25 de Abril, acabando por convergir nos acontecimentos do 28 de setembro de 1974, em que o general Spínola, então Presidente da República, apelou à “maioria silenciosa” para que manifestasse a sua oposição ao processo revolucionário.

Ultrapassado este confronto com o afastamento do general Spínola e a nomeação do general Costa Gomes para a Presidência da República, a agitação social não deixou de se acentuar, vindo a atingir novo ponto de rutura em 11 de março de 1975.

O período de tensão que se seguiu ficou conhecido como “Verão Quente” e culminou com as movimentações militares de 25 de novembro de 1975 e a vitória definitiva dos que pretendiam um sistema político segundo os padrões europeus, baseado em eleições democráticas e na vontade popular.

Neste excecional período de menos de nove meses ocorreram profundas transformações da sociedade portuguesa, às quais poucos ficaram imunes. De facto, quer através de movimentos espontâneos motivados por problemas imediatos relacionados com as mais diversas carências sociais, quer mobilizados em grandes manifestações resultantes do seu enquadramento sindical ou partidário, as pessoas e os grupos sociais tiveram oportunidade de exprimir posicionamentos e patentear crescente consciência dos princípios e dos valores em jogo. E se esta participação crescente se deve realçar como um fenómeno novo no quotidiano dos portugueses, muito especialmente se deve referir, dentro deste período, a mais extraordinária e concludente manifestação do povo português — o ato eleitoral da Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975. Este ato eleitoral é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada, como realização máxima das promessas contidas no Programa do MFA, ato culminante de um processo democrático prosseguido apesar de todas as vicissitudes, e um ponto de partida das mais virulentas polémicas em torno da assumida oposição entre o processo democrático e o processo revolucionário. Aliás, a partir de 11 de Março, as forças intervenientes no processo político vão situar-se mais nitidamente em relação àqueles dois processos: enquanto as forças de esquerda mais radicais, incluindo o PCP, fazem prevalecer a importância das conquistas revolucionárias, tomando como programa um contínuo avanço da revolução, embora evidentemente com diversas orientações práticas, outras forças, especialmente lideradas pelo PS e pelo PPD, defendem, acima de tudo, a continuação do processo democrático e, portanto, a realização de eleições e a adequação do modelo de sociedade aos resultados eleitorais.

As forças de direita, cada vez com menos espaço no espectro político aceite pela revolução, vão, por um lado, organizar a oposição violenta a todo o processo de transformação, e, por outro, apoiar as forças políticas defensoras da realização de eleições. Elas esperam poder desempenhar um papel importante junto das populações rurais e mesmo das pequenas cidades, por forma a revelar a fraca implantação, nessas áreas, das forças que privilegiam o processo revolucionário.

Contudo, pela especificidade da situação portuguesa, onde as Forças Armadas, através do MFA, desempenham um papel de relevo, as prioridades de cada projeto são transferidas para o interior do MFA, vindo este a transformar-se no lugar privilegiado de confrontação. Não é pois de estranhar que se acentuem no seio do MFA algumas correntes principais, que traduzem o espectro ativo da sociedade portuguesa.

Desenvolvem-se, em paralelo, vários campos de luta. Em primeiro lugar, uma contínua tentativa de movimentos sociais autónomos que, quase sempre a breve prazo, são assumidos pelas mais diversas organizações políticas, raramente se conseguindo libertar dessas tutelas. Em segundo lugar confrontam-se grandes blocos sociais, ora obedecendo a uma espiral de empenhamento social, ora obedecendo a estratégias traçadas pelos comandos dos grupos e dos partidos políticos. Finalmente os conflitos repercutem-se por toda a sociedade, alastrando a todas as instituições: a família, a Igreja e, evidentemente, as Forças Armadas. Nada nem ninguém fica ao abrigo da agitação social.

Fonte: Aniceto Afonso, Carlos Matos Gomes e Maria Inácia Rezola.