O caso “RASP-CICAP”


Durante o mês de outubro, o Norte de Portugal foi palco de um dos principais conflitos no interior das Forças Armadas: o caso “RASP/CICAP”. Este conflito teve dois intervenientes principais – Carlos Fabião, chefe do Estado-Maior do Exército (EME) e Pires Veloso, comandante da Região Militar Norte (RMN) – e ainda os militares e civis que tomaram posição. Por um lado, apoiaram a decisão de Pires Veloso, de desativar o Centro de Instrução e Condução Auto do Porto (CICAP) e, por outro lado, manifestaram-se contra a desativação, ocupando o Regimento de Artilharia da Serra do Pilar (RASP) ou apoiando a ocupação desta unidade.


O Porto na Revolução: o caso CICAP-RASP

Inaugurado com o assalto e destruição das dependências das representações diplomáticas de Espanha em Lisboa, Porto e Évora, o turbulento outono de 1975 é marcado por uma sucessão de episódios de crescente tensão que percorrem a sociedade civil mas também, perigosamente, os meios militares. No Porto, os ânimos exaltam-se em torno de duas unidades militares, o Centro de Instrução de Condutores Auto do Porto (CICAP) e do Regimento de Artilharia da Serra do Pilar (RASP), o conhecido “caso CICAP-RASP”, exigindo a intervenção direta do Chefe de Estado-maior do Exército, general Carlos Fabião.

A partir de finais de Julho, continuando a agitação que subia de tom no Norte do país, os episódios sucedem-se tendo inicialmente como mote a contestação ao comandante da Região Militar Norte (Eurico Corvacho), tido como muito próximo do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves. Segundo Dinis de Almeida, vários oficiais “com ligações em Lisboa aos sectores afetos, real ou aparentemente, ao «Grupo dos 9» e ao próprio general Otelo Saraiva de Carvalho”, desenvolvem uma intensa atividade clandestina visando o afastamento de Eurico Corvacho. A decisão de entrar em prevenção rigorosa tomada a 17 de Agosto por vários comandantes de unidades, sem o conhecimento de Corvacho, é o rosto visível da tensão vivida no interior da Região Militar Norte. Enquanto isso, por todo o Norte do país, sucedem-se os ataques a casas de trabalho e sedes do PCP e organizações de extrema-esquerda. Com o país ainda em chamas, Corvacho é ovacionado por uma manifestação promovida, a 25 de Agosto, por comissões de moradores e outras organizações populares do Porto. Corvacho, não conseguirá, no entanto, resistir à queda de Vasco Gonçalves no final do verão de 1975, sendo substituído por Pires Veloso.

O episódio que ficou conhecido como o ‘Caso CICAP-RASP’ começa nos primeiros dias de Outubro quando o comandante da Região Militar Norte, Pires Veloso, ordena a desativação do CICAP. Perante a decisão de o encerrar e licenciar a quase totalidade dos seus efetivos, a 6 de Outubro realiza-se, no Porto, uma manifestação promovida pelos seus soldados com o apoio dos SUV (Soldados Unidos Vencerão). A manifestação, que segundo a imprensa da época foi uma das maiores jamais realizadas nesta cidade, é seguida de um plenário no quartel do RASP, em Vila Nova de Gaia, onde se discutem as formas de luta tendo em vista a reabertura do CICAP. Na madrugada de 7 de Outubro, o RASP é ocupado por soldados que, exigindo o afastamento de Pires Veloso e a reabertura do CICAP, passam a gerir a unidade.

Na sequência destes acontecimentos, verificam-se violentos confrontos junto ao Regimento entre civis e soldados do RASP por um lado e apoiantes do PPD por outro, que promoviam uma manifestação de apoio ao Comando da Região Militar Norte, cujo balanço foi de 60 feridos.

A violência volta às ruas do Porto na noite de 10 de Outubro, com o confronto entre duas manifestações: uma, de partidos e organizações de extrema-esquerda, de apoio ao Conselho Municipal; outra, de apoio ao Governo, ao primeiro-ministro e a Pires Veloso, convocada pelo PS. No final, verificam-se incidentes junto à sede da UDP, de que resultam 57 feridos.

Perante a gravidade da situação e a previsão de que degenerasse numa ampla onda de violência, o Chefe de Estado-Maior do Exército, general Carlos Fabião, viaja até ao Porto para negociar com os amotinados. Depois de uma longa reunião com o comandante do RASP e a comissão de luta nomeada pelos soldados do Regimento, Carlos Fabião anuncia a instauração de um rigoroso inquérito sobre os acontecimentos no RASP e a reabertura do CICAP num outro local. A sua extinção é completamente excluída tanto mais que, como recorda Carlos Fabião na declarações que então profere à imprensa, “aquele quartel foi o primeiro quartel a aderir ao 25 de Abril e a primeira unidade que arrancou para a ação revolucionária […] sendo, portanto, uma unidade histórica”; foi “um quartel revolucionário e será uma unidade revolucionária dentro da cidade do Porto, como garante da Revolução Socialista”. Fabião afirma ainda que não seria aplicada qualquer sanção aos militares que participaram na luta pela reabertura do CICAP.

O problema terá, no entanto, um desenvolvimento diverso, uma vez que as decisões de Carlos Fabião não são cumpridas por Pires Veloso. A manifestação de soldados e civis, apoiada por movimentos de extrema-esquerda, em favor dos militares do CICAP/RASP, realizada a 29 de Outubro, será apenas mais uma prova do mal-estar que se tinha definitivamente instalado na Região Militar Norte.

Fonte: Aniceto Afonso, Carlos Matos Gomes e Maria Inácia Rezola.

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