As idiossincrasias nos movimentos populares e partidários


Por um lado, os movimentos populares, partidários e associativos existentes em Portugal ficaram marcados por uma enorme diversidade que teve o seu expoente em 1975. Reconhecidos e agrupados como de esquerda e/ou de extrema-esquerda, é de assinalar influências marxistas-leninistas, trokisistas, entre outras.. Por outro lado, também no espetro da direita, vários foram os partidos e os movimentos que surgiram ou foram definindo a partir de 1974: os monárquicos, os liberais e a direita e a extrema-direita.


Para além da democracia formal – os movimentos populares e as suas organizações

No 25 de Abril, as organizações de extrema-esquerda estavam distribuídas por três grandes grupos.

Os marxistas-leninistas, que resultaram da dissidência de Martins Rodrigues do PCP, que dará origem à Frente de Ação Popular e Comité Marxista-Leninista Português – FAP/CMLP. Desta origem comum chegarão ao 25 de abril de 1974, depois de várias dissidências e reconstruções a AOC e o PUP, dissidências de Partido Comunista Marxista-Leninista, PCP-ML; a União Democrática Popular, UDP, resultante da fusão de duas organizações para reconstrução do Partido Comunista (m-l). Ainda no grupo dos marxistas-leninistas existia o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, MRPP, com origem na Esquerda Democrática Estudantil.

Os trotskistas estavam organizados na Liga Comunista Internacional, LCI, e no PRT, Partido Revolucionário dos Trabalhadores; os guevaristas, adeptos da luta armada para o derrube da ditadura tinham criado o Partido Revolucionário dos Proletários/Brigadas Revolucionárias, PRP/BR e, em parte, encontravam-se também na Liga de Unidade e Ação Revolucionário, LUAR, de Palma Inácio.

O Movimento de Esquerda Socialista (MES) surgiu imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 e resultou da articulação política de sindicalistas, militantes do catolicismo progressista, intelectuais de diversos sectores e de quadros do associativismo académico, alguns dos quais vinham assumindo posições conjuntas em documentos e acções de agitação política no período anterior à Revolução. Muitos tinham-se envolvido nas lutas oposicionistas contra a ditadura, com destaque para o movimento que, em 1969, concorreu às eleições para a Assembleia Nacional, sob a sigla da Comissão Democrática Eleitoral (CDE).

Estes partidos e organizações tiveram uma acção marcante no período revolucionário na agitação e na organização de movimentos populares. Alguns deles participaram nas eleições para a Constituinte, em 1975, tendo a UDP conseguido eleger um deputado, o operário da Lisnave Américo Duarte. Essa eleição provocou o esvaziamento dos outros partidos marxistas-leninistas. Já o MES só recolheu 1% dos votos e não elegeu qualquer deputado, apesar da significativa presença entre os oficiais milicianos que prestavam serviço militar no período da Revolução, tendo alguns dos seus militantes assumido posições de influência no seio do MFA.

Durante o período mais intenso da revolução, estas formações seguiram caminhos diversos, mas procuraram algumas pontes de entendimento entre si, excepto com os maoistas do MRPP, da AOC e do PUP.

Algumas estiveram na origem dos momentos mais tensos da revolução, como foi o caso da prisão de 400 militantes do MRPP em 28 de Maio de 1975, numa resposta ao sequestro do oficial dos comandos africanos da Guiné, Marcelino da Mata, por elementos daquela organização que depois o entregaram à assembleia de soldados do Regimento de Artilharia de Lisboa.

No entanto, durante o período mais agitado do verão quente, a maioria das organizações da extrema-esquerda associaram-se ao grupo de militares do MFA que ficou conhecido como Grupo do COPCON, que propunham soluções de poder popular distinto, tanto da democracia liberal do tipo ocidental, do grupo promotor do “documento dos nove”, como dos gonçalvistas, apoiantes do primeiro-ministro Vasco Gonçalves e próximos do Partido Comunista. A 12 de agosto surgiu o Documento do COPCON, inspirado pelas organizações PRP/BR, MES e UDP, «Autocrítica revolucionária do COPCON e proposta de trabalho para um programa político», uma alternativa ao “Documento dos nove”, acusado por eles de rejeitar muitas das conquistas dos trabalhadores, e de se ter transformado «num paliativo de direita».

Para fazer frente às movimentações das forças que na época lideravam a reacção ao processo revolucionário e a contestação ao V Governo Provisório, algumas destas organizações criaram a 25 de agosto de 1975 a FUR, Frente de Unidade Revolucionária, inicialmente com a designação de Frente de Unidade Popular FUP, integrando o PCP, que a abandonaria no dia 28 de agosto, do MDP/CDE, do MES, da FSP – Frente Socialista Popular, da LUAR, da LCI e do PRP/BR.

No dia 27 de agosto, a FUR promoveu junto ao Palácio de Belém, uma manifestação de apoio a Vasco Gonçalves e a Costa Gomes. Também serão estas organizações, já sem o PCP, que promoverão a organização dos SUV – Soldados Unidos Vencerão – para responder ao crescente poder dos quadros militares conservadores nos quartéis e em todas as forças armadas e à mobilização que a hierarquia militar estava a fazer de antigos militares das tropas especiais, chamando-os para constituir unidades destinadas a repor a ordem e a disciplina tradicionais.

A primeira conferência de imprensa dos SUV realizou-se no Porto, a 6 de Setembro. Apresentaram-se como uma organização clandestina no interior das Forças Armadas. Incluíam não só soldados, como graduados e ex-militares, atuavam no interior dos quartéis com vista a promover a auto-organização política e oporem-se à tomada do poder pelos grupos conservadores.

Decorreram manifestações dos SUV em Lisboa a 25 de Setembro e no Porto no dia 6 de Outubro de 1975. A manifestação popular organizada no Porto em 6 de Outubro de 1975 pelos SUV foi apoiada pela FUR (FSP, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES e PRP), UDP, pelo Secretariado Revolucionário das Comissões de Moradores e outros órgãos de poder popular, reuniu mais de 50.000 manifestantes, entre eles militares do Regimento de Transmissões, do RASP e do Quartel de Chaves, em protesto pelo encerramento do Centro de Instrução de Condutores Auto do Porto (CICAP). Na manifestação foram aprovadas moções de apoio ao CICAP e a exigir o saneamento do brigadeiro Pires Veloso.

O conflito que ficaria conhecido como «do RASP/CICAP» teve início a 2 de outubro de 1975 e constituiu um protesto contra «o saneamento à esquerda» do anterior comandante da Região Militar do Porto, Eurico Corvacho, substituído por Pires Veloso. Este protesto colocou em causa a hierarquia do Exército e congregou o apoio da população, que apoiou os soldados em manifestações junto ao quartel.

A 4 outubro o CICAP foi desactivado por ordem de Pires Veloso e os soldados do RASP, o Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, ocuparam aquela unidade, passando a geri-la de «forma democrática». Na sequência deste acontecimento, verificaram-se violentos confrontos entre apoiantes do PPD, civis e soldados.

As últimas grandes demonstrações de força e de capacidade para influenciarem o processo político por parte das organizações à esquerda do Partido Socialista ocorreram a 16 e a 20 de novembro de 1975.

A 16 de novembro, cerca de 200 mil pessoas manifestaram-se contra a política do VI Governo Provisório, numa acção organizada pelo Secretariado Provisório das Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa e UCP’s do Alentejo, apoiada também pelo PCP e pela FUR. No final da manifestação foi lida uma mensagem do general Otelo Saraiva de Carvalho. A 20 de novembro a FUR convocou uma manifestação pelo avanço do poder popular, durante a qual foi lido o «Manifesto dos Oficiais Revolucionários», que apontava uma saída revolucionária para a crise, recusava os golpes de Estado e propunha o poder popular armado.

O PS, entretanto, organizou comícios em vários pontos do país e, no mesmo dia, 20 de novembro, foi lida na parada do Regimento de Comandos, na Amadora, perante um batalhão de ex-militares contratados, uma moção a exigir ao Presidente da República o afastamento e «a substituição imediata de todos os militares que na prática se revelaram incapazes de servir apartidariamente o Exército e o Povo Português».

O 25 de novembro aproximava-se!

Fonte: Aniceto Afonso, Carlos Matos Gomes e Maria Inácia Rezola.

Aconteceu neste dia
Boatos sobre um golpe de Estado preparado pelo Partido Socialista (PS) enchem as páginas da imprensa.
Lemos Pires, governador de Timor, regressa a Portugal.
Elementos do Centro de Instrução de Artilharia Anti-aérea de Cascais (CIAAC) tentam levantar 3 000 espingardas G3, sendo impedidos por Dinis de Almeida, sob ordem do comandante do Comando Operacional do Continente (COPCON) e da Região Militar de Lisboa (RML), Otelo Saraiva de Carvalho.
Pires Veloso, comandante da Região Militar do Norte (RMN) manda desativar o Centro de Instrução de Condução Auto do Porto (CICAP).
O Partido Socialista (PS) promove uma manifestação de apoio à força dos “comandos”, capitaneada por Jaime Neves, na Amadora.
Em comunicado, o Comando Operacional do Continente (COPCON) mostra intenção de distribuir armas à população “em caso de emergência nacional”.
Reunião de elementos do MDLP no seminário de Braga. Benjamim de Abreu e Godinho são detidos. Participam na reunião ainda Alpoim Galvão, Paradela de Abreu e o cónego Melo.
O Regimento de Artilharia da Serra do Pilar (RASP) é ocupado por militares em protesto contra o encerramento do Centro de Instrução de Condução Auto do Porto (CICAP).