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The Beatles: 50 anos do “White Album”

Texto e Locução: Ana Markl | Sonoplastia: Gualter Santos

 

Foi há precisamente 50 anos, a 22 de novembro de 1968, que foi editado The Beatles — mais conhecido como The White Album. A efeméride não poderia passar em branco na Antena 3!

No especial White Album: o princípio do fim ou o fim do princípio dos Beatles, Ana Markl conta as histórias por detrás do disco que melhor exprime a individualidade de cada membro da banda de Liverpool. Para ajudar a refletir sobre o seu legado, Ana Bacalhau, Hélio Morais e João Só dão os seus testemunhos, incluindo cenas de pancadaria e bolhas nos dedos.

 

 

Revelador de uma banda no auge da sua criatividade, o mítico álbum branco dos Beatles inclui uma mão-cheia de grandes canções, das quais muitos outros artistas e bandas depois fizeram versões. Nuno Galopim apresenta cinco dessas versões:

 

▶️  Dear Prudence (Siouxsie and the Banshees)

O ano de 1967 tinha somado episódios de glória, mas também de tragédia à história dos Beatles. O reconhecimento global do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e o impacto da transmissão em simultâneo mundial de “All You Need Is Love” tinham reforçado mais ainda o estatuto da banda. Mas a morte do manager Brian Epstein fazia com que saísse de cena uma força que até aí jogara em favor da coesão do grupo.

O ano de 1968 tinha começado com um foco de atenções na face empresarial dos Beatles. A Apple Corps assumia o controlo de várias atividades e passava a ser a editora da banda, cabendo a “Hey Jude”, single editado em finais de agosto, a honra de ser o primeiro lançamento dos Beatles na nova etiqueta. O single nascera entre as sessões de gravação que estavam a juntar canções para um novo álbum de originais. O trabalho em estúdio, que decorreria entre maio e outubro, acabou por dar origem ao mais extenso e estilisticamente diversificado de todos os discos dos Beatles.

E foi a 22 de novembro de 1968, faz hoje 50 anos, que todas estas canções chegaram aos ouvidos do público. Revelavam-se na forma de um álbum duplo com o título oficial The Beatles, mas que, pelo facto de ter uma capa branca, acabaria conhecido como o álbum branco.

“Dear Prudence” é a segunda canção do seu alinhamento. Foi escrita na Índia, num retiro no início do ano, e teve como fonte de inspiração Prudence, irmã da atriz Mia Farrow, que também ali estava por aqueles dias, no seu caso tendo procurado ultrapassar, pela meditação, uma experiência traumática desencadeada pelo consumo de LSD. A canção conheceu várias vidas. Uma delas, em 1983, pelos Siouxsie and the Banshees, resultou num single de sucesso.

 

▶️  While My Guitar Gently Weeps (Regina Spektor)

Os Beatles partiram para a Índia em fevereiro de 1968. Até abril, viveram, em Rishikesh, um período de retiro durante o qual praticaram formas de meditação transcendental. Procuravam assim escapar, por uns tempos, para longe de tudo e de todos. Mas nem tudo foram rosas… Um após outro, os quatro Beatles acabaram por se ir afastando do retiro. Conta-se que a experiência foi vivida de forma diferente por cada um, e, de todos, parece que George Harrison terá sido o que mais ali juntou experiências para o seu trabalho futuro como compositor. Mesmo assim, todos eles escreveram canções na Índia. Cerca de 40. E muitas delas seriam o ponto de partida para o álbum que ganhou forma nas longas sessões de gravação que tiveram lugar entre maio e outubro, já de regresso a Londres.

O clima de desentendimento e alguma falta de harmonia que caracterizou tanto a etapa final do retiro na Índia como o reencontro dos Beatles em Londres, nos estúdios Abbey Road, ficou registado numa das canções do álbum. Corresponde precisamente a uma das composições de George Harrison e contou em estúdio com a presença de um músico convidado: nada mais nada menos do que Eric Clapton. A canção tem por título “While My Guitar Gently Weeps” e teve edição em single como lado B de “Ob-La-Di, Ob-La-Da”.

“While My Guitar Gently Weeps” é hoje reconhecida como uma das canções de referência entre as composições de George Harrison para os Beatles. Foi já alvo de várias abordagens por nomes como o guitarrista Marc Ribot ou os Phish. Entre as versões gravadas desta canção, conta-se esta, por Regina Spektor, que surgiu na banda sonora do filme de animação Kubo e as Duas Cordas, em 2016.

 

▶️  Blackbird (Maria João e Mário Laginha)

O ambiente entre os quatro elementos dos Beatles não era o melhor quando regressaram da Índia. Durante anos, as histórias que se contavam sobre a gravação do álbum branco davam conta de um disco que era mais o resultado da soma de contribuições criadas em separado do que propriamente a expressão de um trabalho coletivo como banda. John Lennon tinha inclusivamente chegado a comentar este disco como sendo um espaço que juntava as canções de Paul e banda, George e banda, Ringo e banda e ele mesmo… e banda… Uma das revelações que chegam através da série de demos incluídas na reedição recentemente lançada de The Beatles é a de que, mesmo tendo havido momentos de alguma tensão, não deixou de haver, na história deste álbum, episódios felizes de ensaio e de trabalho. Momentos nos quais, juntos num estúdio, os quatro elementos dos Beatles viveram um ambiente de partilha e entusiasmo que se julgava ausente deste processo.

Umas mais pessoais, outras talvez afinal nascidas num ambiente de maior partilha, as canções do álbum branco revelam mesmo assim o lote com maior diversidade estilística alguma vez registado num álbum dos Beatles. Talvez por isso mesmo, é também consideravelmente vasta a multidão de músicos que, depois de 1968, têm reinterpretado algumas destas canções — e é entre o alinhamento deste disco que está aquela que será uma das canções dos Beatles de que mais costumam gostar os músicos de jazz.

“Blackbird” é uma canção de Paul McCartney e foi gravada com o mínimo de elementos numa sessão em Abbey Road a 11 de junho de 1968. A linha de guitarra que acompanha a voz foi inspirada, segundo o próprio McCartney, por uma peça de Bach composta para alaúde. A canção somou já várias versões. Uma delas assinada pela dupla portuguesa Maria João e Mário Laginha.

 

▶️  Happiness Is a Warm Gun (The Breeders)

Depois de uma etapa de exploração sónica sob vapores psicadélicos que dominou tanto o álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band como o duplo EP Magical Mystery Tour em 1967, uma das mais evidentes linhas de trabalho exploradas pelos Beatles em 68 devolvia o gume das atenções aos caminhos do rock and roll. Seguiam assim um caminho algo semelhante ao que os Rolling Stones viveram na mesma altura e que os levou do barroco e narcotizado Their Satanic Majesties Request, de 1967, para o rock de Beggars Banquet, de 68. Antes do álbum branco, os Beatles lançaram dois singles nesse mesmo ano. E logo em “Lady Madonna” essa relação mais primordial com o rock ficava evidente. No álbum branco, apesar da diversidade de sonoridades, o rock está bem visível. É uma presença que parte logo da faixa de abertura, “Back in the U.S.S.R.”, e atinge um patamar de intensidade maior no clássico “Helter Skelter”.

Entre as canções rock do álbum, encontramos “Happiness Is a Warm Gun”. É uma canção de Lennon, embora creditada à dupla Lennon/McCartney, e foi gravada numa série de sessões em finais de setembro de 1968, numa altura em que George Martin se encontrava de férias.

É de luxo, o historial de nomes que, ao longo dos tempos, criaram já versões de “Happiness Is a Warm Gun”. Os U2, por exemplo, incluíram a sua leitura no lado B do single “Last Night on Earth”. Tori Amos criou a sua versão para o álbum Strange Little Girls. Mas nós recordamos aqui a abordagem das Breeders, que surgiu em 1990, no seu álbum de estreia, Pod.

 

▶️  Birthday (The Ruby Suns e Esau Mwamwaya)

Apesar das históricas abordagens às canções de Sgt. Pepper’s, desde uma versão histórica de “With a Little Help from My Friends” por Joe Cocker à reconstrução completa do disco pelos Flaming Lips e seus amigos no disco de 2014 With a Little Help from My Fwends, cabe talvez ao álbum branco ser a mais rica fonte de canções dos Beatles das quais outros músicos depois fizeram versões. Uma das mais célebres intervenções sobre as suas canções coube a Danger Mouse, que, em 2004, juntou samples deste disco dos Beatles com outros tirados de The Black Album, de Jay-Z, para criar o seu… Grey Album. Ou seja, o álbum cinzento.

Entre as muitas versões nascidas de canções deste duplo LP dos Beatles, há uma leitura de “Martha My Dear” de Vashti Bunyan na companhia do compositor Max Richter. Ou uma incursão dos brasileiros Pato Fu por “Ob-La-Di, Ob-La-Da”. Ou ainda uma interpretação de “Yer Blues” por Eliott Smith. E também uma versão de “Mother Nature’s Son” de Jack White, que foi apresentada numa ocasião em que o músico atuou ao vivo na Casa Branca, quando Barack Obama era ainda o presidente dos Estados Unidos.

A fechar este conjunto de visitas ao álbum branco através de versões, ficamos com uma das mais inesperadas abordagens já criadas em torno deste conjunto de canções. “Birthday” surgiu numa sessão em estúdio em setembro de 1968 e nasceu de um episódio de parceria entre Lennon e McCartney. Em 2008, ao assinalar os 40 anos do álbum branco, a revista Mojo editou dois discos de versões, aos quais chamou The White Album Recovered. Entre as versões, este “Birthday” surgia num diálogo entre uma banda indie neozelandesa e um cantor do Malawi. Aqui ficam então os Ruby Suns, Esau Mwamwaya e… uma canção dos Beatles.

 

Textos: Nuno Galopim | Locução: Nuno Reis
Sonoplastia: Gualter Santos