Oub'lá

Smartini

“Hoje em dia, só quando os miúdos já estão a dormir é que conseguimos ir ensaiar”

 

Depois de uma ausência de quase uma década, os Smartini – e lê-se “se-martini” – , banda de rock das Caldas da Taipas, em Guimarães, está regresso aos trabalhos de estúdio. Sugar Train foi o disco que editaram em 2007 e que só conheceu sucessor neste ano. Liquid Peace é um EP que serviu para o grupo de João Paulo Duarte, Lourenço Mendes, Patrício Ferreira e Ricardo Costa voltarem a aquecer os amplificadores, a distorcer as guitarras e a puxar pelas rotações de um indie rock com claras referências ao fim da década de 1990, início de 2000. E está tudo bem, tudo em paz, quando as canções são boas.

O primeiro objetivo está agora cumprido: músicas novas, inspiração para outros temas e voltar ao palco. Para 2017, quem sabe, um trabalho mais corpulento? João Paulo Duarte, guitarrista do grupo, explica tudo – incluindo a forma como as famílias destes quatro músicos, pais de família “e bem casados” ajudam no equilíbrio criativo.

O vosso último trabalho de estúdio tinha sido gravado em 2007. Como é que deixaram passar estes quase dez anos?

Andámos na estrada, logo nessa altura até ao final de 2009 e vimos que a vida estava a fugir um bocado ao nosso som (sorri). Como andávamos na estrada, as vidas não eram fáceis e não apareceram novas composições. Decidimos, mesmo, abrandar o ritmo. Estivemos em stand-by, íamo-nos encontrando, mais naquela de escape, e o tempo foi passando, acabando por dedicar mais tempo às nossas vidas, às nossas profissões. Também temos as vidas um bocado definidas e ocupadas.

É quando aparece também a família, não é?

Foi isso. Somos todos pais e bem casados. Foi tudo ocupando o tempo. Se calhar a coisa foi morrendo, mas, mesmo assim íamos marcando uns jantares e depois a ensaiar. Temos uma sala de ensaio para onde íamos ao fim-de-semana. Bom, só com o encontrar um espaço e tempo mais à noite é que começámos outra vez a pegar nas coisas. No ano passado, no início do ano, houve um amigo que nos convidou – que estava sempre a chatear-nos para voltar – que nos convidou para participar num tributo a Lou Reed que aconteceu aqui na nossa terra, a 8 de março de 2014, no Bar N101, onde tocaram mais três ou quatro bandas. Foi com o voltar ao palco que veio outra vez o bichinho, voltámos a criar objetivos e a preparar temas. Quando ensaiávamos, púnhamos a gravar e então criámos um arquivo muito grande de riffs. Acabámos por criar estes quatro temas para pôr isto a andar já.

 

“Termos encontrado um lugar para ensaiar a horas noturnas, que por acaso é a casa do vocalista, o Lourenço, dá-nos outro conforto. Podemos acabar o ensaio à 00h30 e ainda há tempo para nos sentarmos à mesa e abrir uma garrafinha”

 

Este vosso novo EP, Liquid Peace, é como o voltar a meter as mãos na massa, a aquecer os motores dos Smartini? Os quatro temas surgem de forma isolada?

A ideia foi perceber que era isto que queremos outra vez. Foi quebrar a barreira do outro disco que nos deixou receosos, meter qualquer coisa cá fora para até voltarmos à estrada. Foi o que aconteceu: por isso é que são quatro temas de rajada, quatro temas rock.

Mas a palavra “Peace” [Paz] no título pode ser indicador de um estado de espírito que voltaram a encontrar para compor?

Exatamente. O tema “Liquid Peace” fala mesmo do espírito paternal. O líquido é mesmo o líquido amniótico, que é o líquido da paz. O tema recorda o período da nossa infância, que temos como foi o melhor das nossas vidas, em que não tínhamos responsabilidades e preocupações nenhumas, que andávamos sempre de um lado para o outro! E que estamos a recordar agora com os nos nossos filhos, encontrando essa paz que nos faz encarar a música de outra maneira.

Trata-se uma sonoridade claramente rock, a fazer recordar o fim de 1990 e início dos anos 2000. Foi um som que vos acompanhou e que agora resgatam para 2016?

Uma das perguntas que nos fazem é a diferença entre aquele período do início de 2000 e o de agora. Mas nós não sentimos grandes diferenças, para dizer a verdade. A diferença pode estar só no método de gravação, que na altura foi mais cuidado, com mais pistas. Depois quando íamos para palco e nos ouviam ao vivo, diziam-nos que não tínhamos nada a ver com o disco, que éramos mais fortes, mais rock, mais visceral. Se calhar, por causa disso, procurámos gravar mais em live act, todos juntos em estúdio e o resultado demonstra mais o que já éramos ao vivo.

 

“Como andávamos na estrada, as vidas não eram fáceis e não apareceram novas composições. Decidimos, mesmo, abrandar o ritmo. Estivemos em stand-by, íamo-nos encontrando, mais naquela de escape, e o tempo foi passando, acabando por dedicar mais tempo às nossas vidas”

 

Acabaram por se reconhecer de outra forma: a naturalidade do vosso som estava naquilo que são ao vivo e não naquilo que são em estúdio.

Nós admitimos que não somos ratos de estúdio, todos ligados à tecnologia. No primeiro trabalho, se calhar, não espelhámos aquilo que somos, mas mais por nossa culpa. E até pode ter passado a haver esse receio: será que quando fizermos outra coisa vai resultar? Agora estamos felizes porque resultou mesmo.

Qual é o próximo passo que querem dar?

Neste momento estamos numa fase de concertos e a notar que estamos a chegar à forma que já tivemos ao vivo! Mas nas nossas cabeças já se começam a definir coisas novas, até porque é essa a ideia de qualquer músico. Mas nós só somos músicos a partir das 22h30! (risos) Temos trabalhos, a família, e hoje só quando os miúdos já estão deitados a dormir é que conseguimos ir ensaiar!

Mas o que é que mudou nas vossas vidas para agora terem tempo para ensaiar? Os quase dez anos que passaram também foi tempo de os miúdos crescerem e as mulheres ficarem mais compreensivas?

Isso tudo! As vidas estabilizaram um bocado. Mesmo a nível familiar. À exceção do Patrício, baterista – que foi pai outra vez – os nossos filhos já nos dão um bocado mais de sossego. E termos encontrado um lugar para ensaiar a horas noturnas, que por acaso é a casa do vocalista, o Lourenço, dá-nos outro conforto. Podemos acabar o ensaio à 00h30 e ainda há tempo para nos sentarmos à mesa e abrir uma garrafinha. Só mesmo com a vida estabilizada e antes nunca tínhamos tido essa possibilidade.

 

“A ideia do EP foi perceber que era isto que queremos outra vez. Foi quebrar a barreira do outro disco que nos deixou receosos, meter qualquer coisa cá fora para até voltarmos à estrada”

 

É outra paz líquida! Esse conforto pode vir a traduzir-se no rock do próximo disco?

Talvez. Este EP não quer dizer que iremos fazer, daqui para a frente, um rock mais upbeat. Também temos ideias mais lentas. Se calhar tivemos a necessidade de pôr estes quatro temas cá fora com mais raiva para agitar. Mas nunca dissemos que irá ser sempre assim.

E como é que se relacionam com as canções de há dez anos?

Claro que ainda temos de pegar nesses temas mais antigos para fazer os concertos, mas sentimos a necessidade de lhes vestir qualquer coisa diferente. Não os descaracterizar, mas pôr-lhes uma pulseira aqui e outra acolá, mais para aproximá-los aos temas novos.

Entrevista: Bruno Martins