Oub'lá

S. Pedro

 “Tinha que gravar estas canções enquanto tinha lata e enquanto sentia aquilo que estava a cantar”

 

Descobrimos-lhe a voz em 2009, quando se estreou com o primeiro disco dos doismileoito. Pedro Pode foi o vocalista da banda da Maia, com a qual editou dois álbuns. Desde o tal primeiro disco que percebemos que havia nele um grande à vontade de Pode com a escrita das canções e que as palavras não lhe são caras. Os doismileoito podem ter suspendido atividades depois de Pés Frios, mas Pedro não deixou de escrever canções. Pelo contrário: encontrou um estúdio novo, equipou-o e toca de livrar-se de canções de que precisava mesmo de deitar cá para fora. “Nem era com um objetivo de algum dia tocá-las. Era mesmo só para partir para outras coisas”, diz-nos. Canções que tornam Pedro são: S. Pedro, portanto. Fim é nome de disco e o começo de algo novo que ainda vamos descobrir e para o qual temos uma pista: “Só sei fazer canções”, afirma.

S. Pedro vai estar dia 7 de abril no Maus Hábitos, no Porto, e dia 22 de abril no Teatro do Bairro, em Lisboa.

 

Este disco de estreia de S. Pedro foi editado há já uns meses…

Sim. Mas tive de parar porque estive a fazer música para teatro. Foi a primeira vez que fiz e deu-me muito trabalho, mas a minha capacidade de multitasking é mínima e então tive que parar o que estava a fazer com S. Pedro porque não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo.

 Então agora é um novo fôlego para S. Pedro?

Acho que sim. Supostamente pensei que ia ser já no fim do ano passado, mas mudou muita coisa na banda. Vamos fazer agora reapresentação no Porto, em Lisboa e tudo! Agora é que vai ser (risos).

 O texto que acompanha o teu disco diz que tiveste a necessidade “de esvaziar o disco rígido e o hipocampo”. Onde é que estas canções estavam a ocupar mais espaço: no disco rígido ou no hipocampo?

Mesmo no hipocampo. Fisicamente até era no telemóvel, mas pairavam demasiado: estava sempre a pensar nas músicas. Não as conseguia ultrapassar  porque eram melodias que voltavam constantemente. Tinha mesmo que gravá-las e, muito sinceramente, nem era com um objetivo de algum dia vir a tocá-las. Era mesmo só para partir para outras coisas. Eu também estou um bocadinho formatado à canção: só sei fazer canções. De repente estava fácil convidar dois ou três amigos e pôr aquilo a tocar: por que não partilhar? A cena surgiu muito naturalmente.

 

“Acho que nunca tive tomates para assumir o peso das coisas, sabes? Sempre tentei camuflar as coisas. De facto há temas que podem ser mais sérios, uns mais reais outros menos, mas também não queria estar a aborrecer ninguém com um Quim que se mata, e coitado do gajo que queria ser piloto. Se deres um ar mais leve, aquilo é capaz de ser mais tolerável”

 

Porque é que era tão importante para ti gravar estas canções?

Porque estavam quase a passar do prazo, principalmente em termos de significado das letras. A estética é sempre algo que vamos adaptando e ao vivo vamos conseguindo dar sempre um ar novo às coisas. Só que com as letras tenho sempre algumas dificuldades porque comecei a escrever muito tarde, já com os doismileoito, e algumas – não é que sejam infantis – são coisas que já não me fazem muito sentido cantar, então achei que as tinha que gravar enquanto tinha lata, enquanto sentia e percebia aquilo que estava a cantar. E a minha namorada também me “chicoteou” e obrigou a fazer isso. Foi bom: se não fosse ela não tinha gravado. Convém também dizer que, na altura, arranjei um espaço que era uma antiga rádio onde fiz um estúdio. O disco foi a minha primeira experiência nesse estúdio, ainda com pouco material e tentei fazer tudo num domínio mais analógico – não por ser fixe ou estar na moda, mas porque me ia obrigar a fazer as coisas com uma dinâmica completamente diferente em que havia pouco espaço para a edição e repetição dos takes.

 Experimentaste a pressão no estúdio que, certamente, os músicos mais antigos e com que cresceste, também sentiram.

Sim, e apercebi-me que eles tinham que ser muito bons. Não que o meu disco tenha ficado muito bom, mas dentro das minhas capacidades dei o meu melhor.

 

“Não conseguia ultrapassar estas músicas porque eram melodias que voltavam constantemente. Tinha mesmo que as gravar e, muito sinceramente, nem era com um objetivo de algum dia tocá-las. Era mesmo só para partir para outras coisas”

 

Foi um método do qual ficaste fã?

Sim, continuo a trabalhar, maioritariamente, nesse formato nas coisas novas que tenho gravado. Claro que quando trabalhei nas bandas sonoras para teatro não andava com um [gravador] Fostex de um lado para o outro a queimar fita porque não compensava e havia sempre qualquer coisa para alterar. Quando tinha bandas, há muitos anos – de metalada e mais não sei quê – gravávamos também em cassetes com quatro pistas. Não foi uma coisa que me tenha sido muito distante. Neste caso foram só oito pistas e obrigou-me a pensar naquilo que realmente faz falta à música – num estúdio multipistas é fácil uma pessoa perder a cabeça com mais duas pandeiretas e um coro.

O S. Pedro aparece-nos sem truques?

Há truques (sorrisos)! Mas tentei fazer com que tudo fosse sincero, sem ter que fazer muito barulho para chamar a atenção. Mas depois aquilo também começou a ficar algo digno de ser tocado ao vivo e então passei a ter a preocupação de acrescentar uma bateria, um baixo…

 Mas de onde é que vêm estas canções? Em que alturas é que começas a escrever? Cruza-se ainda com o período dos doismileoito?

Eu compunha as músicas – progressão de acordes e o desenho inicial da canção – e as letras em doismileoito. A maior parte destas letras surgiram, na maior parte, ainda na altura dos doismileoito. Até experimentei tocá-las com a banda e foi aí que me apercebi que era estar a forçar uma coisa. Não havia lugar para quatro pessoas nestas músicas de S.Pedro – e eles próprios diziam: “esta não é bem a nossa cara” ou “guarda para ti que se calhar qualquer dia fazes uma cena a solo”. Aquilo foi ficando. Nem me lembro se algumas destas de S. Pedro acabaram por ir para doismileoito – até porque depois dos dois discos oficiais fizemos mais uns cinco ou seis discos…

Como assim?

Continuámos a gravar e a ensaiar, mas não lançámos. Mas todas estas canções passaram pelos ensaios dos doismileoito, mas tão depressa entravam como saíam. Algumas delas estavam a incomodar-me estarem ali paradas e se eu achava que era uma boa canção, por que não fazer alguma coisa com ela?

 Estas canções são então do Pedro Pode da altura de doismileoito.

Estas surgiram quando o segundo disco [Pés Frios, de 2011] já estaria feito.

 

“São coisas que já não me fazem muito sentido cantar, então achei que as tinha que gravar enquanto tinha lata, enquanto sentia e percebia aquilo que estava a cantar. E a minha namorada também me “chicoteou” e obrigou a fazer isso. Foi bom: se não fosse ela não tinha gravado”

 

Já com dois discos gravados, já com experiência de composição. Foi essa experiência que ajudou a tornar este disco de tão agradável audição, com melodias que dão prazer em ouvir?

Obrigado pelas palavras, mas não sinto que seja assim tão orelhudo. Às vezes até acho que causa alguma estranheza às pessoas.

 Quando digo que as canções são de fácil audição refiro-me a temas como “Que Azar” ou “Quim”, em que estás a falar de coisas sérias, mas com um toque ligeiro, com uma melodia até meio divertida.

Sim, isso concordo. Até há ali alguma ironia, não é? Eu acho que nunca tive foi tomates para assumir o peso das coisas, sabes? Sempre tentei camuflar as coisas com a música. De facto há temas que podem ser mais sérios, uns mais reais outros menos, mas também não queria estar a aborrecer ninguém com um Quim que se mata, e coitado do gajo que queria ser piloto. Se deres um ar mais leve, aquilo é capaz de ser mais tolerável.

Calculo que o disco se chame Fim porque, como explicaste, foi o arrumar de uma série de coisas que tinhas para resolver. Mas este “Fim” também pode representar o início de alguma coisa nova?

Acho que sim. O Fim também está relacionado com este tipo de música: estar com uma viola, quase a sussurrar a letra, é um estilo com o qual já não me identifico muito. Continuo a ouvir várias bandas que tocam este tipo de música, mas já não gosto de estar só com a viola, a trautear aquela coisa muito tranquila porque depois ao vivo aquilo vai ser uma mortandade do caraças. Já tenho 36 anos e pouco tempo para fazer alguma coisa mais enérgica, então por que não fazê-la agora e deixar esta parte mais branda para se continuar a fazer música daqui a uns anos?

Para onde é que está a ir o Pedro Pode?

Eu tenho feito músicas novas. O Tó [Barbot] já estava comigo na banda há uns tempos: ele era baixista dos Feed e dos Budda Power Blues, mas comigo não tocava baixo, mas sim teclas. O David [Lacerda], que é um guitarrista do caraças e baixista do Jimmy P, veio tocar bateria comigo. Era só mesmo para o pessoal se sentir desconfortável nos instrumentos. Eu próprio toco baixo em três ou quatro músicas e não sei tocar! Isso ajudou a que as soluções não acabassem em tiques mecânicos que se tem quando se toca um instrumento há muitos anos. O David vai emigrar para a Suíça e para substitui-lo tive que pôr duas pessoas: o Júnior Amaral e o André [Aires], que era baterista dos doismileoito. O Tó passou para o baixo e, nessa altura, aquilo emana uma luz muito fixe – no teclado ele ficava toco encolhido e corcundita, meio cromo, e quando pega no baixo fica todo funk, mete o queixo para fora e mete ginga! As músicas começaram a ganhar esse ar.

Ao vivo também será uma experiência diferente, então.

Sim, vamos tentar partir do disco, mas vamos tentar levar para concertos com um bocadinho mais de energia para não aborrecer pessoas (risos). Nesta fase inicial é difícil ir tocar a um café-concerto, só com uma guitarra, e conseguir que as pessoas se calem para nos ouvir. Se fizeres um bocadinho mais de barulho do que elas, pelo menos não as vais ouvir e isso dá algum conforto! (risos)

Bruno Martins