Oub'lá

Momo

 

Voá é um disco que só podia acontecer aqui em Lisboa”

 

Há sempre esse mar para nos levar e para nos trazer. E cá em Portugal, de Norte a Sul, estamos habituados a ver barcos a chegar e a atracar. Gente que entra e gente que sai. Muitos vão e não voltam, outros chegam e ficam. “Eu sou daqui”, diz-nos Momo. Ele é o brasileiro Marcelo Frota, nascido em Belo Horizonte, filho de pai nordestino e de mãe do interior paulista, que se redescobre em cada momento que atraca noutras paragens: já o fez nos EUA, em Espanha, também em Angola — em pequeno. Em Portugal, há um par de anos, descobriu uma nova luz para as suas canções e para os seus embalos. Voltou a descobrir-se em Voá, o seu mais recente disco nascido e criado com a influência dos raios de sol de Alfama que muitas vezes atravessam à força aquele poético nevoeiro que cobre o Tejo. É um disco de muitas cumplicidades: com o fado de Alfama, com as estradas de Portugal, com os amigos que foi ganhando e com outros que já trazia do outro lado do Atlântico — sublinhe-se a parceria com os irmãos Camelo: Marcelo na produção e Thiago na escrita. Enrolamo-nos na voz que quase que quer gritar, mas que acaba por ser sempre um embalo, e que nos conta agora como é que Voá ganhou vida.

 

Este é o teu primeiro disco desde que vieste para Portugal. O nascimento deste Voá está diretamente relacionado com essa mudança para cá?

Acho que sim. Na verdade, vim para cá para fazer alguns concertos. Tinha sete concertos agendados e a ideia de fazer um disco. Não era uma coisa muito concreta. A coisa foi ganhando corpo. De sete concertos fui para mais um, depois mais outro e durante esse tempo fui experimentando coisas — eu com o Marcelo [Camelo]. Fui gravando as pré-produções, fui compondo parte do repertório desse novo disco aqui em Lisboa. É um disco que só podia acontecer cá nesta cidade, com essas pessoas.

 

Onde é que vamos notar isso?

Na atmosfera, nas cores e na ambiência do disco. Também nas letras, que foram feitas em parceria com o Thiago, irmão do Marcelo. A mudança geográfica tem que imprimir nesse trabalho alguma coisa. Nós somos também parte daquele lugar onde vivemos, então o clima, a temperatura, as pessoas, influenciam o processo criativo, muitas vezes até de uma forma não muito consciente. Mas há coisas que marcam muito, como a produção do Marcelo [Camelo], que foi fundamental. Trouxe uma luz diferente, uns ingredientes novos.

 

“Nós somos também parte daquele lugar onde vivemos, então o clima, a temperatura, as pessoas, influenciam o processo criativo, muitas vezes até de uma forma não muito consciente”

 

Foi em 2013 que vieste para Portugal, para fazer, no Vodafone Mexefest, no espetáculo “Brasil d’Agora”, com o Wado, com o Cícero, com o Fred, Bernardo Barata e Alexandre Bernardo. Pouco tempo depois, juntou-se ainda em disco o Diego Armés. Foi aí que percebeste que ias ficar por cá?

Vou ser sincero: essa passagem foi rápida. Acho que foram duas semanas e trabalhámos muito. Mas eu nunca imaginei que ia morar aqui! É engraçado… eu gostei muito da cidade. E como turista consegui ir àqueles pontos mais visitados. Mas mal podia saber que, passado uns anos, ia voltar e morar em Alfama… Esse é o grande “barato” da vida: esse dado de imprevisibilidade.

 

Sempre tiveste um espírito meio nómada: além do Brasil, moraste em Angola, EUA, Espanha… E agora em Portugal. Ir à procura de coisas novas, tem que ver como teu lado artístico?

Acho que é o meu lado humano. É uma inquietude. O meu pai viajou muito: em Angola, durante a minha infância, foram quatro anos e meio. Mas ele andava sempre a viajar. Mas a minha família também tem esse lado: o meu pai é do Nordeste, a minha mãe do interior de São Paulo e eu nasci em Belo Horizonte. Na adolescência fui para o EUA estudar, aprender inglês, voltei para os EUA em 2014. Passei uma temporada em Espanha… eu gosto. É algo mais da minha alma, da minha essência.

 

“Morei em Alfama durante um ano e meio. Ouvi muitos fados: ia dormir a escutar fados, porque a casa de fados em frente à minha casa ficava aberta até às duas da manhã. Quando ia dormir à meia noite ou à 1h, ia ao som do fado. Adorava”

 

E isso reflete-se no trabalho artístico?

Acho que sim. No outro dia estava a lembrar-me da temporada que passei em Barcelona. Quando voltei a casa fiz A Estética do Rabisco, que é o meu primeiro disco — com nome de Momo. Fiz uma música com o Wado nesse disco: lá em Barcelona ia muito nas casas de Flamenco e ficávamos até de madrugada! As casas tinham que fechar até às 2h, mas conhecíamos umas onde sabíamos que a festa rolava até mais tarde! Batíamos na porta, meio à máfia, com um código, e entrávamos. E essa música que fiz com o Wado tem uma harmonia, uma cadência, totalmente inspirada no flamenco. Neste disco novo, a “Alfama”, para mim, é um fado. E ainda bem.

 

Até porque moraste em Alfama.

Sim, durante um ano e meio. Ouvi muitos fados e isso fica: eu ia dormir a escutar fados, porque a casa de fados em frente à minha casa ficava aberta até às duas da manhã. Quando ia dormir à meia noite ou à 1h — e não aconteceu muito (risos) — ia ao som do fado. Adorava.

 

“Inúmeras vezes peguei no meu violão e fui para o miradouro de Santo Estevão e ficava a tocar, a deixar vir a luz. Foi ali que desenvolvi parte do repertório”

 

Há pouco disseste que este disco tem uma luz diferente e isso é algo que se nota muito. É um disco muito solar: eu até me pus a adivinhar e a imaginar que, quando moravas em Alfama, provavelmente tinhas uma janela virada para o sítio de onde nasce o sol, de onde vêm os primeiros raios do dia.

Quando eu cheguei, instalei-me nas Escadinhas de Santo Estevão, que é um dos lugares mais bonitos de Alfama. Nem todas as pessoas conhecem, mas acordava de manhã com as pessoas a passar, os turistas a falar em diversas línguas sobre a igreja de Santo Estevão e o Miradouro. Eu morava mesmo ao lado, num lado muito peculiar: inúmeras vezes peguei no meu violão e fui para o miradouro e ficava a tocar, a deixar vir a luz. Foi ali que desenvolvi parte do repertório. E conversei muito com as pessoas.

 

A família Camelo tem um papel muito importante neste disco: tanto pelo lado do Marcelo, que ajudou a limar as arestas sonoras do disco, como também do irmão Thiago. Tu também escreveste?

Este disco vem com cinco músicas minhas com o Thiago e uma delas, “Roseiras”, foi feita antes de eu vir para cá — numa tarde, na casa dele. Ficámos horas a escrever essa letra. As outras são poemas dele que eu musiquei, ou melodias que enviei e ele botou a letra. Mas por exemplo “Alfama” é escrita por mim, “Pássaro Azul”  e “Song of Hope” também. Eu sempre escrevi letras, mas as colaborações trazem outras coisas: é o universo do parceiro a trazer outras ideias e reflexão.

 

Além da colaboração do Thiago e do Marcelo, existe também a colaboração com artistas portugueses. Eu destaco a voz do Camané que aparece no tema “Alfama”. Como é que ele aparece nessa música?

Eu fui apresentado para o Camané e não sabia que ele é que era o Camané. Se soubesse talvez ficaria meio tímido. Mas conheci-o e começámos a trocar umas impressões, a mandar umas coisas minhas para ele, discos anteriores, fomos batendo umas bolas… ele aparece nesse tema, mas participa no disco todo, de certa forma, porque ele conhecia o repertório todo antes de gravar. Eu ia mandando as músicas quando gravava. E é um grande amigo, porque recebeu-me muito bem na cidade. E a primeira vez que o vi ao vivo eu fiquei impressionado. Até hoje vou nos concertos dele e emociono-me. É uma coisa do outro mundo.

 

“É difícil eu não associar a amizade com a minha música: trabalhei sempre com os meus amigos. Estou sempre rodeado dos meus amigos”

 

Fazia sentido ele participar no tema “Alfama”.

Pois é, e eu que tinha a ideia de fazer essa homenagem a Alfama, por ele achar que eu já tinha absorvido alguma coisa do fado, achava que fazia sentido. Quando ele entra no disco, para mim, é um acontecimento. É difícil eu não associar a amizade com a minha música: trabalhei sempre com os meus amigos. Estou sempre rodeado dos meus amigos.

 

Além da digressão que vais ter e que vai passar por Loulé, Ílhavo, Évora, Ponte de Lima e Gouveia. A ideia é continuares cá Portugal? Fazeres mais discos em Portugal?

Com certeza que vou gravar mais discos e lançar aqui certamente. Mas a ideia é continuar cá. Agora sou daqui! Como diz na música, “Sou daqui”. Estou sempre indo e voltando. O meu lugar é o mundo, estou sempre aí no espaço (sorri).