Cinco Ideal:
Grateful Dead

 

 

 

Por Pedro Costa

 

Projeto musical de fundação Blues/Folk transformado num dos mais carismáticos grupos de culto do Rock norte-americano, os Grateful Dead representaram os ideais boémios e utópicos da contra cultura durante mais de 30 anos (entre 1965 e 1995) até á morte do guitarrista Jerry Garcia. Despediram-se oficialmente no verão de 2015 – vinte anos após a morte do líder – com 3 concertos em Chicago, cabendo a Trey Anastacio dos Phish tomar o lugar de Garcia, juntando-se aos membros sobreviventes em palco.

Símbolos do psicadelismo Rock da Costa Oeste (sediado em São francisco), e com explorações sonoras que abrangeram os universos musicais do Rock and Roll, Jazz, Folk e Avant-garde, os Grateful Dead foram muito mais do que apenas uma banda Rock. Os seus celebrados concertos arrastavam uma base de admiradores que os seguia para todo o lado, transformando estes eventos em autênticas comemorações, que prolongaram durante décadas os ideais comunitários estabelecidos nos anos sessenta. Tornou-se, por isso, famosa a frase: “não há nada como um concerto dos Grateful Dead”.

A poucos dias (20 de Maio) da edição de um álbum tributo (Day of the Dead, cujos lucros reverterão para a organização Red Hot) ao legado musical do grupo – com “curadoria” dos irmãos Desner (dos The National) – que os apresentará a mais uma nova geração, escolhemos cinco das mais emblemáticas canções desta banda que, como nenhuma outra, continua a ter um impacto social e artístico bastante relevante no âmago da sociedade norte americana.

“Touch of Grey”

 

Durante anos acusados de nunca transporem para os discos a magia dos seus espetáculos ao vivo, os Grateful Dead só em 1987 tiveram, em termos de sucesso comercial, o reconhecimento de uma audiência mais vasta, muito por conta de “Touch of Grey”, uma canção incluída no álbum desse ano – In the the Dark. Um disco que surgiu após sete anos de interregno de trabalhos de estúdio e que um dos letristas oficiais da banda – o poeta Robert Hunter – tinha escrito, em 1980, para um projeto a solo. No entanto, o grupo já o tinha tocado muitas vezes ao vivo.
Após algumas mudanças na sua estrutura, Jerry Garcia conseguiu transformar esta reflexão quase humorística sobre o passar do tempo e o envelhecimento, num verdadeiro hino à sobrevivência, quer da própria banda, – na altura com mais de vinte anos de atividade – mas também de si próprio, dado que, no ano anterior, em 1986, tinha estado às portas da morte com um coma diabético.

 

A canção, com o famoso vídeo (o primeiro da banda) dos Grateful Dead a atuarem em palco mascarados com os famosos esqueletos, que sempre fizeram parte do imaginário iconográfico do grupo, expôs a banda a uma nova geração de fãs via MTV, já que os responsáveis do canal, para além do respeito que tinham pelo percurso da banda, adoravam o vídeo.

“Touch of Grey” com as suas famosas assinaturas vocais “I” e ”We Will Survive”, é uma verdadeira mensagem de esperança de como “envelhecer com orgulho”, que inesperadamente, em Julho 1987, chegou ao n.º 9 na tabela americana de singles, transformando os Grateful Dead – um grupo de culto, símbolo de uma outra época musical – num fenómeno mediático que durou até á morte de Jerry Garcia, em 1995.

“Franklin’s Tower”

 

Poucas bandas tiveram uma noção tão bem definida de compromisso perante a arte musical como os Grateful Dead. Os triunfos e as tragédias pessoais plasmaram-se em muitas das canções de um reportório rico, mas muitas delas eram também de sentido dúbio e de uma riqueza poética profunda.
Em 1975, durante um raro hiato em termos de actuações ao vivo, editaram um dos seus discos mais celebrados Blues for Allah, quase todo concebido a partir de “jams” ou improvisações feitas no estúdio caseiro do guitarrista Bob Weir, sem nada preconcebido, e com toda a banda junta no momento da criação.
Metade do álbum tinha uma base experimental o que, mesmo para um grupo como os Grateful Dead, era difícil de replicar ao vivo. No entanto, Blues for Allah incluía também algumas canções que se tornariam símbolos no reportório “live” dos Dead. É o caso de “Franklin’s Tower”, um exercício musical de apenas dois acordes, que tal como outros exemplos na obra da banda, nos fala de um local místico, apelando igualmente a uma ideia de “chamamento utópico”.

 

Escrita pela dupla Jerry Garcia e Robert Hunter, com a contribuição do baterista Bill Kreutzmann, o tema – assente num imaginário simbólico – descreve uma série de cenários vagueando entre diversas linhas temporais, onde (como se ouve na canção) “os quatro ventos sopram” à volta de uma “estrutura” que contém um sino de propriedades mágicas. Um sino tão poderoso que parece fornecer, a quem o ouve, uma espécie de “salvação”. Uma realidade só possível de alcançar para quem estiver disposto a correr riscos.
Como escreveu o poeta da banda Robert Hunter, numa das famosas frases da letra deste tema: ”When You Plant Ice, You´re Going to Harvest Wind”… ou a prova de que os Grateful Dead eram de facto mais espirituais do que religiosos, na medida em que se dedicaram, em toda a sua longa carreira, à tarefa de transformar a mente de quem os ouvia, através do som e da poesia.

“Ripple”

 

Um dos eternos clássicos acústicos do extenso reportório da banda. Uma canção de amor mid-tempo composta numa toada simples e minimal, inspirada nos ritmos do estilo Cajun e com uma melodia bluegrass. Vem incluída no álbum American Beuty, de 1970, um dos discos em que o grupo explorava as raízes da musica tradicional norte americana através de composições originais.

Com os seus elementos Gospel, este tema, em termos melódicos, é uma das mais ricas composições dos Dead e a letra – como muitas outras da banda – dá espaço para variadas interpretações. Contudo, no seu âmago está uma mensagem quase “zen” e terna, apelando a que cada um de nós siga o caminho do coração para atingir o preenchimento pessoal e espiritual.

O tema – cuja poema foi escrito em duas horas por Robert Hunter, em Inglaterra, no primeiro dia de visita ao Reino Unido, juntamente com as leras de “Brokedown Palace” e “To Lay Me Down” – foi posteriormente musicado numa paragem da famosa viagem/tournée trans-canadiana do grupo feita de comboio, no verão de 1970, numa certa manhã em que, logo após acordar, Jerry Garcia compôs os acordes perto da cidade de Saskatoon.

“Box of Rain”

 

A última canção dos Grateful Dead tocada ao vivo com o lendário vocalista e guitarrista da banda, Jerry Garcia, foi “Box of Rain”. Aconteceu na noite de 9 julho de 1995, exatamente um mês antes da morte do lendário músico, em Agosto desse ano.

O tema surge em American Beauty, um dos álbuns editados pela banda em 1970, em Novembro, a par de Workingman’s Dead, lançado em Junho desse ano. Estes dois discos foram uma excursão no domínio do folk rock e das raízes fundadoras da tradição sonora da América do Norte, com as harmonias vocais a terem uma preponderância maior em relação às famosas expedições psicadélicas anteriores.

Cantado pelo baixista Phil Lesh , “Box of Rain” foi composto a meias com Robert Hunter, que se inspirou numa melodia de Lesh para escrever as palavras, que mais não eram do que uma homenagem ao pai do baixista, na altura doente com um cancro que se viria a tornar fatal. Segundo Robert Hunter, as palavras foram escritas muito rapidamente, após duas audições da maquete que Phil Lesh tinha gravado apenas com a música.

Uma letra que se tornou célebre graças à frase final “Such a Long, Long Time to be Gone and a Short Time to be There”. Palavras que, por um acaso do destino, sumarizam a viagem musical desta histórica banda.
Um tema que nunca foi editado em formato single, o que não o impediu de ser um dos favoritos de sempre dos fãs, do extenso reportório da lendária banda norte americana.

 

“China Cat Sunflower”

 

Uma das primeiras canções que o poeta Robert Hunter escreveu para os Grateful Dead. Este tema, que espiritual e musicalmente está ligado ao clássico “I know You rider” (um tradicional Country/Blues dos anos 20), tem igualmente ligações poéticas a Alice no País das Maravilhas (1865), de Lewis Carroll, na figura do gato Cheshire evocado na letra, a que se juntam referências ao poema de Edith Stiwell Trio for Two Cats and a Trombone (“Queen Chinee”).
Numa entrevista dada em 1978, Hunter recorda que a génese do poema aconteceu no lago Chapala no México, no final da década de sessenta, e que, ainda sem palavras e num estado de híper sensibilidade provocado pelo uso de substâncias alucinogénias, somente pensava em ritmos que associava a imagens… “Com um gato sentado no seu colo, a sua mente seguiu-o numa viagem até… Neptuno, onde viu um Arco-íris que rodeava o planeta e um sem número de gatos marchando através desse mesmo Arco-íris”.
Numa entrevista dada a Blair Jackson em 1991, Robert Hunter confessou igualmente que o poema demorou muito tempo a ser concluído, tomando variadas formas e sendo escrito em inúmeras localizações.

 

Autêntica “jóia psicadélica” do reportório dos Grateful Dead – e por isso fazendo parte da fundação sonora sobre a qual a banda cresceu nos primeiros anos de actividade – “China Cat Sunflower” foi também um dos temas mais tocados de sempre nos espetáculos ao vivo do grupo, normalmente em sequência com o clássico “I Know You Rider” (com uma letra sobre os últimos pensamentos de alguém condenado à morte), criando, assim, uma justaposição temática em que se cruzavam conceitos como a vida e a morte, alegria e tristeza, esperança e desespero.

Uma viagem pelo imaginário através de uma canção cujo significado ninguém ousou sequer perguntar ao autor. Como disse em tempos Robert Hunter: “As pessoas sabem exactamente do que estou a falar. É bom saber que algumas coisas neste mundo são evidentes para todos nós”.

São?