15 Canções que venceram os Óscares

 

No dia 28 de Fevereiro serão entregues os prémios da academia pela 88.ª vez. Um dos momentos altos é sempre o anúncio da Melhor Canção Original, depois de todos os temas terem sido apresentados ao vivo. Escolhemos 15 dos melhores que a Academia premiou ao longo da história da cerimónia.

Por Tiago Pereira

 

 

1939

“Over The Rainbow”, do filme O Feiticeiro de Oz

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O primeiro Óscar de Melhor Canção foi entregue em 1934 a “The Continental”, do filme The Gay Divorcee, com Fred Astaire e Ginger Rogers. Cinco anos depois era premiado um dos temas mais populares da história do cinema, reinterpretado dezenas de vezes, nunca com a mesma categoria que Judy Garland lhe entregou, então com 16 anos (a primeira gravação, que se ouve no filme, é de ’38; mais tarde, Garland haveria de registar a canção em single).

A música é de Harold Arlen, a letra de E.Y. Harburg, “Over The Rainbow”, esteve para não fazer parte do filme, pois “atrasava a acção principal”, mas o produtor Arthur Freed insistiu que o momento fizesse parte da narrativa. Sinatra, Doris Day, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald ou Tony Bennett também a cantaram, mas entre as versões a do havaiano Israel Kamakawiwo’ole é provavelmente a mais popular.

1940

“When You Wish Upon a Star”, do filme Pinóquio

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É a melodia desta canção que ainda hoje abre todos os filmes produzidos pela Disney, do melhor que há na categoria “barómetros de popularidade”. E é também com “When You Wish Upon a Star” que começa a adaptação da Disney do clássico italiano escrito por Carlo Collodi.

Pinóquio foi a segunda longa-metragem produzida pelos estúdios americanos, depois de Branca de Neve, e é obra de Leigh Harline e Ned Washington. A canção ganhou um Óscar um ano antes da polémica que haveria de mudar as regras do jogo.

Depois de 1941, só foram aceites canções originais escritas para o filme pelo qual concorriam. Antes, qualquer canção poderia ser submetida a aprovação desde que marcasse presença numa longa metragem, independentemente de quando tivesse sido composta, gravada ou editada.

1951

“In The Cool Cool Cool of the Evening”, do filme A Sorte Bate à Porta

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Já havia Frank Sinatra, o homem que tinha conseguido ser a maior estrela americana. Em ’51 era mesmo dono do seu próprio programa na ABC, mas enquanto artista total estava meio perdido, entre alguns sucessos menores e uma vida pessoal abalroada por casos românticos que o deixaram perdido – Ava Gardner foi a razão maior da sua dor de coração. Mas pelo meio de tudo isto havia sempre Bing Crosby, o homem das vendas imparáveis e dos singles de sucesso, que manteve sempre o mesmo nível de popularidade até ao ano em que morreu, 1977.

Foi estrela da música e do cinema. A Sorte Bate à Porta foi apenas mais um dos exemplos. “In The Cool Cool Cool of the Evening” era uma das canções que interpretava na comédia musical realizada por Frank Capra. O tema, inspirado pela tradição musical de New Orleans, foi composto por Hoagy Carmichael, um dos mais importantes compositores pop da primeira metade do século XX.

1957

“All The Way”, do filme A Arte e a Vida

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Estava tudo perfeito em 1957. Sinatra lançava Close To You, um álbum perfeito. Gravava na companhia de alguns dos mais geniais arranjos assinados pelo brilhante Nelson Riddle. E ameaça ser imparável, mesmo em plena revolução rock’n’roll, que ele nunca negou mas também nunca procurou enfrentar de forma decidida.

Sinatra era o imparável “A Number 1” que haveria de cantar em “New York New York” mas no filme de Charles Vidor, A Arte e a Vida, fez de Joe E. Lewis, um cantor caído em desgraça, preso nas malhas da máfia e transformado em humorista alcoólico.

“All The Way” é uma canção imaculada, uma ode romântica criada por Jimmy Van Heusen e Sammy Cahn, perfeitos na forma como juntavam vontades. Em single, e do outro lado do disco, “Chicago (That Todlin’ Town)”, um hino swing à capital do midwest americano.

1963

“Call Me Irresponsible”, do filme Papa’s Delicate Condition

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Na fita de George Marshall, o tema é interpretado por Jackie Gleason. É ele o protagonista da história, um pai sem categoria nem noção de responsabilidade mas que ainda assim quer agradar a filha de seis anos. Para tal compra-lhe um circo e a aquisição acaba por revelar-se o seu maior erro e, ao mesmo tempo, a arma da sua redenção final.

Mas no filme, a personagem de Gleason está algo ébria quando canta a composição (mais uma) dos mestres Jimmy Van Heusen e Sammy Cahn. “Call Me Irresponsible” acabou por ganhar mais protagonismo nas interpretações de gente como Judy Garland e Frank Sinatra – ainda que tenha sido originalmente escrita para a voz de Fred Astaire. Os labirintos do showbiz acabaram por dar um desfecho diferente ao enredo. O costume.

1969

“Raindrops Keep Falling On My Head”, do filme Dois Homens e Um Destino

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O título original do filme é Butch Cassidy and The Sundance Kid, o clássico que juntou Paul Newman e Robert Redford. Dois rufias do velho oeste americano, no final do século XIX, que em fuga de outros da mesma categoria acabam por chegar à Bolívia para dar de caras com um final pouco vitorioso mas sempre banhado a glória.

É mais ou menos o que corre pela canção de Hal David e Burt Bacharach. Dizem as lendas de Hollywood que Bob Dylan esteve para gravar o tema mas foi B.J. Thomas quem o fez, apesar de ter encontrado algumas dificuldades nas exigências de Bacharach. Isso e a laringite que o afectou, especialmente na versão que é apresentada no filme.

Na essência, a canção diz que pode chover à vontade que vai estar sempre tudo bem. Tal e qual o princípio que Cassidy e Sundance sempre. E no lado B do single o easy listening de “Never Had it So Good”. Coolness sem fim.

1971

“Theme From Shaft”, do filme Shaft

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O maior dos heróis que o funky-disco alguma vez gerou, o detective privado mais cool de que há memória, o tipo que inspirou boa parte do que se vê em Matrix muito antes de alguém se ter lembrado dos comprimidos azul e vermelho. E – é importante dizê-lo – o mais hipnótico dos wha wha que passou pelo corpo de uma guitarra eléctrica, controlado com carinho e suor por Charles “Skip” Pitts, nome habitual das sessões de estúdio da Stax.

A canção deriva da ideia de blaxploitation do filme. Atitude, ego, orgulho, sexo, afro power e cabedal. Ou como conta o filme, John Shaft, “black private dick who’s a sex machine to all the chicks”. Quem é este, de onde vem ele para onde vai. Isaac Hayes passou a ser o verdadeiro Shaft, ultrapassando em larga escala o actor que deu corpo à personagem, Richard Roundtree.

“Theme From Shaft” viria ser incluída na colecção musical da Biblioteca do Congresso Americano.

1987

“(I’ve Had) The Time Of My Life”, do filme Dirty Dancing

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Há coisas que não fazem muito sentido. Uma delas é “Time of My Life” como banda sonora para a última dança em Dirty Dancing. Ora vejamos: o filme conta a história de um resort conservador para a América da classe média aborrecida dos anos 60 nos EUA. O mesmo resort cujo staff organizava festas às escondidas dos que pagavam, para dançar canções suadas feitas de R&B e soul.

Mas foram as vozes de Bill Medley e Jennifer Warnes que fizeram dançar Johnny e Baby, numa produção pop recheada pela brilhantina típica dos anos 80 (escrita por Franke Previte, John DeNicola e Donald Markowitz). Na verdade, não faz sentido nenhum, mas ganhou o Óscar e não há festa sem critério que não lance o sucesso na pista, para felicidade de muitos que têm sempre a certeza que é ali que vão reproduzir a cena do salto de Jennifer Grey sobre Patrick Swayze (os protagonistas do filme realizado por Emile Ardolino, o mesmo de Do Cabaré para o Convento, de 1992). Nunca corre bem mas é assim que se quer.

1989

“Under The Sea”, do filme A Pequena Sereia

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Sabe-se lá o que Hans Christian Andersen pensaria se visse a sua pequena sereia acompanhada por um caranguejo com cara de gente, sotaque jamaicano e cheio de mestria para as artes do karaoke. Mas foi o que Ron Clements e John Musker – os realizadores da interpretação que a Disney fez do clássico dinamarquês – imaginaram como um dos melhores amigos de Ariel, a sereia que tinha demasiada curiosidade em saber como era a vida dos seres humanos.

“Under The Sea” é a melhor actuação que o caranguejo Sebastian dá em todo o filme. O tema é uma composição de Alan Menken e Howard Ashman, a dupla que foi buscar inspiração a “The Beautiful Briny” (tema que quase integrou a banda sonora de Mary Poppins) e aos sons clássicos do calypso caribenho.

Enquanto cantava, Sebastian tentava convencer Ariel que a vida no mar era a melhor que ela podia ter. Mas, enfim, os garotos e as suas paixões têm tendência para a confusão.

1993

“Streets of Philadelphia”, do filme Filadélfia

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Bruce Springsteen é de New Jersey, claro que é, mas patrão que é patrão manda no que quiser, quando quiser. E este poderoso chefe, que por esta altura corria o mundo a solo (haveria de juntar-se de novo com a E Street Band mas estes tempos eram outros) tomou Filadélfia como sua, através de uma canção que rapidamente ganhou o estatuto de uma das melhores do seu currículo.

Ouvi-lo a cantar enquanto passeia pelas ruas da cidade é ver Tom Hanks como Andrew Beckett, o advogado que é alvo de discriminação por ter sida e que leva o caso a tribunal até ao final inevitável – para o caso e para ele próprio.

O vídeo foi realizado por Jonathan Demme (que também assina o filme) e o sobrinho, Ted Demme. “Streets of Philadelphia” foi editada em single em Fevereiro de 1994.

2000

“Things Have Changed”, do filme Wonder Boys

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Depois deste, o single seguinte de Dylan só apareceria seis anos depois, com “Someday Baby”. E a verdade é que “Things Have Changed” está tão cheia de tudo que nunca falta nada sempre que a deixamos tocar.

Wonder Boys, o filme (realizado por Curtis Hanson), acompanha a epopeia de Grady Tripp (Michael Douglas), escritor que é também professor de escrita criativa. Tripp atravessa dilemas pessoais e criativos mas os novos alunos vão fazer com que o futuro lhe traga boas hipóteses no meio de tudo o resto que corre pior que mal.

Dylan escreveu “Things Have Changed” com a mesma ideia, naturalmente, e não há quem se queixe da falta de imagens. A canção é boa coisa que chegue para justificar toda a nossa atenção e uma bonita e cuidada edição em single. Mas a verdade é que “Things Have Changed” foi lançada com um lado B, a irrepetível “Blind Willie McTell”, numa versão ao vivo. Ide e procurai. Nada será como antes, prometemos.

2002

“Loose Yourself”, do filme 8 Mile

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Dois anos depois, mais um filme de Curtis Hanson a vencer o Óscar para Melhor Canção. Desta vez por Eminem, o homem que compôs o tema (com os produtores Jeff Bass e Luís Resto), que o gravou e que interpreta o papel principal do filme.

Marshall Mathers já era o nome maior do hip hop no início do século XXI (na verdade, era-o desde 1999, ano de The Slim Shady EP). Até ao final da década – e também graças a “Loose Yourself” – Eminem haveria de ser apelidado como rei do rap, com mais discos vendidos e números 1 nas tabelas de singles que qualquer outro artista do mesmo género musical.

“Loose Yourself” é um resumo e 8 Mile, com as melhores rimas impossíveis de criar por qualquer outro, a contra a história de uma aspirante a rapper num território difícil de conquistar.

2009

“The Weary Kind”, do filme Crazy Heart

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A canção é do vagabundo americano Ryan Bingham e do compositor e produtor T-Bone Burnett. No filme Crazy Heart é interpretada por Jeff Bridges e Colin Farrell em ocasiões diferentes. É a melhor ilustração musicada que a fita de Scott Cooper podia ter.

O filme conta a história de Otis Blake (Bridges), um cantor country que aos 57 anos é mais alcoólico e menos estrela, muito menos do que tinha sido em tempos. Procura recuperar o tempo perdido, ainda que o esforço por vezes se confunda com teimosia. Jeff Bridges foi premiado com o Óscar da Academia para Melhor Actor e até hoje é difícil separá-lo do papel, que lhe serviu em todas as medidas, pela interpretação e pela postura de country star que poderia muito bem ter sido – comparações com Kris Kristofferson não são de todo descabidas.

Na banda sonora original, a gravação de “The Weary Kind” conta com a voz e a banda de Ryan Bingham (que no filme acompanham a personagem de Bridges).

2010

“We Belong Together”, do filme Toy Story 3

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Randy Newman não falha, não sabe o que isso é. Escreve canções pop como ninguém e é um génio da transformação de personagens aparentemente banais em heróis. Em Toy Story 3 assinou a sexta banda sonora para produções da Pixar. Tinha ganho um Óscar com o tema principal de Monsters Inc. (2002) e voltou a arrecadar o prémio com os menos de quatro minutos de “We Belong Together”.

É um óbvio hino à amizade mas com o cuidado de quem trabalha a filigrana do quotidiano. Nada a mais, nada a menos, sempre a dose certa de ingenuidade infantil e maturidade conquistada com a experiência. Tem o toque difícil de apurar, aquele que pertence apenas aos que oferecem uma obra recheada de aparente simplicidade, só para nos enganar, para nos levar a pensar que criações destas são geradas sem esforço. O melhor dos engodos que a música pop nos pode dar.

2014

“Glory”, do filme Selma

Selma

A canção que venceu o Óscar na entrega dos prémios do ano passado, para o filme que Ava DuVernay apresentou em 2014. A história é a da marcha de 87 quilómetros entre Selma e Montgomery no estado do Alabama, liderada por Martin Luther King Jr., em 1965. Como canção original foi escolhida “Glory”, composta por John Legend, Common (que a interpretam) e Che Smith. É um resumo não só do enredo do filme como de boa parte de eventos que marcaram a luta pelos direitos civis nos EUA.

Gospel e hip hop, banda sonora oficial, desde há muito, para revoluções saídas das ruas. Ainda no início de 2015, antes dos Óscares, Legend e Common (o responsável por incluir referências aos eventos de Ferguson na letra do tema) fecharam a cerimónia de entrega dos Grammys com “Glory”, na companhia de Beyoncé.