O primeiro Óscar de Melhor Canção foi entregue em 1934 a “The Continental”, do filme The Gay Divorcee, com Fred Astaire e Ginger Rogers. Cinco anos depois era premiado um dos temas mais populares da história do cinema, reinterpretado dezenas de vezes, nunca com a mesma categoria que Judy Garland lhe entregou, então com 16 anos (a primeira gravação, que se ouve no filme, é de ’38; mais tarde, Garland haveria de registar a canção em single).
A música é de Harold Arlen, a letra de E.Y. Harburg, “Over The Rainbow”, esteve para não fazer parte do filme, pois “atrasava a acção principal”, mas o produtor Arthur Freed insistiu que o momento fizesse parte da narrativa. Sinatra, Doris Day, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald ou Tony Bennett também a cantaram, mas entre as versões a do havaiano Israel Kamakawiwo’ole é provavelmente a mais popular.
É a melodia desta canção que ainda hoje abre todos os filmes produzidos pela Disney, do melhor que há na categoria “barómetros de popularidade”. E é também com “When You Wish Upon a Star” que começa a adaptação da Disney do clássico italiano escrito por Carlo Collodi.
Pinóquio foi a segunda longa-metragem produzida pelos estúdios americanos, depois de Branca de Neve, e é obra de Leigh Harline e Ned Washington. A canção ganhou um Óscar um ano antes da polémica que haveria de mudar as regras do jogo.
Depois de 1941, só foram aceites canções originais escritas para o filme pelo qual concorriam. Antes, qualquer canção poderia ser submetida a aprovação desde que marcasse presença numa longa metragem, independentemente de quando tivesse sido composta, gravada ou editada.
Já havia Frank Sinatra, o homem que tinha conseguido ser a maior estrela americana. Em ’51 era mesmo dono do seu próprio programa na ABC, mas enquanto artista total estava meio perdido, entre alguns sucessos menores e uma vida pessoal abalroada por casos românticos que o deixaram perdido – Ava Gardner foi a razão maior da sua dor de coração. Mas pelo meio de tudo isto havia sempre Bing Crosby, o homem das vendas imparáveis e dos singles de sucesso, que manteve sempre o mesmo nível de popularidade até ao ano em que morreu, 1977.
Foi estrela da música e do cinema. A Sorte Bate à Porta foi apenas mais um dos exemplos. “In The Cool Cool Cool of the Evening” era uma das canções que interpretava na comédia musical realizada por Frank Capra. O tema, inspirado pela tradição musical de New Orleans, foi composto por Hoagy Carmichael, um dos mais importantes compositores pop da primeira metade do século XX.
Estava tudo perfeito em 1957. Sinatra lançava Close To You, um álbum perfeito. Gravava na companhia de alguns dos mais geniais arranjos assinados pelo brilhante Nelson Riddle. E ameaça ser imparável, mesmo em plena revolução rock’n’roll, que ele nunca negou mas também nunca procurou enfrentar de forma decidida.
Sinatra era o imparável “A Number 1” que haveria de cantar em “New York New York” mas no filme de Charles Vidor, A Arte e a Vida, fez de Joe E. Lewis, um cantor caído em desgraça, preso nas malhas da máfia e transformado em humorista alcoólico.
“All The Way” é uma canção imaculada, uma ode romântica criada por Jimmy Van Heusen e Sammy Cahn, perfeitos na forma como juntavam vontades. Em single, e do outro lado do disco, “Chicago (That Todlin’ Town)”, um hino swing à capital do midwest americano.
Na fita de George Marshall, o tema é interpretado por Jackie Gleason. É ele o protagonista da história, um pai sem categoria nem noção de responsabilidade mas que ainda assim quer agradar a filha de seis anos. Para tal compra-lhe um circo e a aquisição acaba por revelar-se o seu maior erro e, ao mesmo tempo, a arma da sua redenção final.
Mas no filme, a personagem de Gleason está algo ébria quando canta a composição (mais uma) dos mestres Jimmy Van Heusen e Sammy Cahn. “Call Me Irresponsible” acabou por ganhar mais protagonismo nas interpretações de gente como Judy Garland e Frank Sinatra – ainda que tenha sido originalmente escrita para a voz de Fred Astaire. Os labirintos do showbiz acabaram por dar um desfecho diferente ao enredo. O costume.
O título original do filme é Butch Cassidy and The Sundance Kid, o clássico que juntou Paul Newman e Robert Redford. Dois rufias do velho oeste americano, no final do século XIX, que em fuga de outros da mesma categoria acabam por chegar à Bolívia para dar de caras com um final pouco vitorioso mas sempre banhado a glória.
É mais ou menos o que corre pela canção de Hal David e Burt Bacharach. Dizem as lendas de Hollywood que Bob Dylan esteve para gravar o tema mas foi B.J. Thomas quem o fez, apesar de ter encontrado algumas dificuldades nas exigências de Bacharach. Isso e a laringite que o afectou, especialmente na versão que é apresentada no filme.
Na essência, a canção diz que pode chover à vontade que vai estar sempre tudo bem. Tal e qual o princípio que Cassidy e Sundance sempre. E no lado B do single o easy listening de “Never Had it So Good”. Coolness sem fim.
O maior dos heróis que o funky-disco alguma vez gerou, o detective privado mais cool de que há memória, o tipo que inspirou boa parte do que se vê em Matrix muito antes de alguém se ter lembrado dos comprimidos azul e vermelho. E – é importante dizê-lo – o mais hipnótico dos wha wha que passou pelo corpo de uma guitarra eléctrica, controlado com carinho e suor por Charles “Skip” Pitts, nome habitual das sessões de estúdio da Stax.
A canção deriva da ideia de blaxploitation do filme. Atitude, ego, orgulho, sexo, afro power e cabedal. Ou como conta o filme, John Shaft, “black private dick who’s a sex machine to all the chicks”. Quem é este, de onde vem ele para onde vai. Isaac Hayes passou a ser o verdadeiro Shaft, ultrapassando em larga escala o actor que deu corpo à personagem, Richard Roundtree.
“Theme From Shaft” viria ser incluída na colecção musical da Biblioteca do Congresso Americano.
Há coisas que não fazem muito sentido. Uma delas é “Time of My Life” como banda sonora para a última dança em Dirty Dancing. Ora vejamos: o filme conta a história de um resort conservador para a América da classe média aborrecida dos anos 60 nos EUA. O mesmo resort cujo staff organizava festas às escondidas dos que pagavam, para dançar canções suadas feitas de R&B e soul.
Mas foram as vozes de Bill Medley e Jennifer Warnes que fizeram dançar Johnny e Baby, numa produção pop recheada pela brilhantina típica dos anos 80 (escrita por Franke Previte, John DeNicola e Donald Markowitz). Na verdade, não faz sentido nenhum, mas ganhou o Óscar e não há festa sem critério que não lance o sucesso na pista, para felicidade de muitos que têm sempre a certeza que é ali que vão reproduzir a cena do salto de Jennifer Grey sobre Patrick Swayze (os protagonistas do filme realizado por Emile Ardolino, o mesmo de Do Cabaré para o Convento, de 1992). Nunca corre bem mas é assim que se quer.
Sabe-se lá o que Hans Christian Andersen pensaria se visse a sua pequena sereia acompanhada por um caranguejo com cara de gente, sotaque jamaicano e cheio de mestria para as artes do karaoke. Mas foi o que Ron Clements e John Musker – os realizadores da interpretação que a Disney fez do clássico dinamarquês – imaginaram como um dos melhores amigos de Ariel, a sereia que tinha demasiada curiosidade em saber como era a vida dos seres humanos.
“Under The Sea” é a melhor actuação que o caranguejo Sebastian dá em todo o filme. O tema é uma composição de Alan Menken e Howard Ashman, a dupla que foi buscar inspiração a “The Beautiful Briny” (tema que quase integrou a banda sonora de Mary Poppins) e aos sons clássicos do calypso caribenho.
Enquanto cantava, Sebastian tentava convencer Ariel que a vida no mar era a melhor que ela podia ter. Mas, enfim, os garotos e as suas paixões têm tendência para a confusão.
Bruce Springsteen é de New Jersey, claro que é, mas patrão que é patrão manda no que quiser, quando quiser. E este poderoso chefe, que por esta altura corria o mundo a solo (haveria de juntar-se de novo com a E Street Band mas estes tempos eram outros) tomou Filadélfia como sua, através de uma canção que rapidamente ganhou o estatuto de uma das melhores do seu currículo.
Ouvi-lo a cantar enquanto passeia pelas ruas da cidade é ver Tom Hanks como Andrew Beckett, o advogado que é alvo de discriminação por ter sida e que leva o caso a tribunal até ao final inevitável – para o caso e para ele próprio.
O vídeo foi realizado por Jonathan Demme (que também assina o filme) e o sobrinho, Ted Demme. “Streets of Philadelphia” foi editada em single em Fevereiro de 1994.
Depois deste, o single seguinte de Dylan só apareceria seis anos depois, com “Someday Baby”. E a verdade é que “Things Have Changed” está tão cheia de tudo que nunca falta nada sempre que a deixamos tocar.
Wonder Boys, o filme (realizado por Curtis Hanson), acompanha a epopeia de Grady Tripp (Michael Douglas), escritor que é também professor de escrita criativa. Tripp atravessa dilemas pessoais e criativos mas os novos alunos vão fazer com que o futuro lhe traga boas hipóteses no meio de tudo o resto que corre pior que mal.
Dylan escreveu “Things Have Changed” com a mesma ideia, naturalmente, e não há quem se queixe da falta de imagens. A canção é boa coisa que chegue para justificar toda a nossa atenção e uma bonita e cuidada edição em single. Mas a verdade é que “Things Have Changed” foi lançada com um lado B, a irrepetível “Blind Willie McTell”, numa versão ao vivo. Ide e procurai. Nada será como antes, prometemos.
Dois anos depois, mais um filme de Curtis Hanson a vencer o Óscar para Melhor Canção. Desta vez por Eminem, o homem que compôs o tema (com os produtores Jeff Bass e Luís Resto), que o gravou e que interpreta o papel principal do filme.
Marshall Mathers já era o nome maior do hip hop no início do século XXI (na verdade, era-o desde 1999, ano de The Slim Shady EP). Até ao final da década – e também graças a “Loose Yourself” – Eminem haveria de ser apelidado como rei do rap, com mais discos vendidos e números 1 nas tabelas de singles que qualquer outro artista do mesmo género musical.
“Loose Yourself” é um resumo e 8 Mile, com as melhores rimas impossíveis de criar por qualquer outro, a contra a história de uma aspirante a rapper num território difícil de conquistar.
A canção é do vagabundo americano Ryan Bingham e do compositor e produtor T-Bone Burnett. No filme Crazy Heart é interpretada por Jeff Bridges e Colin Farrell em ocasiões diferentes. É a melhor ilustração musicada que a fita de Scott Cooper podia ter.
O filme conta a história de Otis Blake (Bridges), um cantor country que aos 57 anos é mais alcoólico e menos estrela, muito menos do que tinha sido em tempos. Procura recuperar o tempo perdido, ainda que o esforço por vezes se confunda com teimosia. Jeff Bridges foi premiado com o Óscar da Academia para Melhor Actor e até hoje é difícil separá-lo do papel, que lhe serviu em todas as medidas, pela interpretação e pela postura de country star que poderia muito bem ter sido – comparações com Kris Kristofferson não são de todo descabidas.
Na banda sonora original, a gravação de “The Weary Kind” conta com a voz e a banda de Ryan Bingham (que no filme acompanham a personagem de Bridges).
Randy Newman não falha, não sabe o que isso é. Escreve canções pop como ninguém e é um génio da transformação de personagens aparentemente banais em heróis. Em Toy Story 3 assinou a sexta banda sonora para produções da Pixar. Tinha ganho um Óscar com o tema principal de Monsters Inc. (2002) e voltou a arrecadar o prémio com os menos de quatro minutos de “We Belong Together”.
É um óbvio hino à amizade mas com o cuidado de quem trabalha a filigrana do quotidiano. Nada a mais, nada a menos, sempre a dose certa de ingenuidade infantil e maturidade conquistada com a experiência. Tem o toque difícil de apurar, aquele que pertence apenas aos que oferecem uma obra recheada de aparente simplicidade, só para nos enganar, para nos levar a pensar que criações destas são geradas sem esforço. O melhor dos engodos que a música pop nos pode dar.
A canção que venceu o Óscar na entrega dos prémios do ano passado, para o filme que Ava DuVernay apresentou em 2014. A história é a da marcha de 87 quilómetros entre Selma e Montgomery no estado do Alabama, liderada por Martin Luther King Jr., em 1965. Como canção original foi escolhida “Glory”, composta por John Legend, Common (que a interpretam) e Che Smith. É um resumo não só do enredo do filme como de boa parte de eventos que marcaram a luta pelos direitos civis nos EUA.
Gospel e hip hop, banda sonora oficial, desde há muito, para revoluções saídas das ruas. Ainda no início de 2015, antes dos Óscares, Legend e Common (o responsável por incluir referências aos eventos de Ferguson na letra do tema) fecharam a cerimónia de entrega dos Grammys com “Glory”, na companhia de Beyoncé.